STF, legislativo e governo reafirmam unidade pró-ataque às aposentadorias


07/02/2019 - Luciana Araujo

Ministro Dias Toffoli durante a sessão solene de abertura do Ano Legislativo (Crédito: Gil Ferreira/Agência CNJ)

As solenidades de abertura dos trabalhos no Legislativo e no Judiciário neste ano tiveram como marca o alinhamento à plataforma governamental das instituições que atuariam como freios e contrapesos para o bom funcionamento republicano. ‘Reformas’ que endurecem a relação do Estado com os cidadãos e retiram direitos são o principal “compromisso” das instituições máximas de Poder no Brasil.

Em seu discurso no último dia 1º, o ministro presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, propôs a celebração de um novo “pacto republicano” calcado em “reformas fundamentais”, como a previdenciária e a tributária. Na fala ao Congresso durante a abertura da 56ª Legislatura (2019-2020), no dia 4, Toffoli reafirmou sua visão de prioridades.

Desde a redemocratização a necessidade de mudanças estruturais no sistema de tributação brasileiro é discutida. Chefes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário também sempre ressaltam a necessidade de uma reforma tributária. No entanto, o debate não avança efetivamente por pressão das grandes corporações. Os oligopólios que não toleram a hipótese de os movimentos sociais aproveitarem a abertura de uma efetiva discussão no Congresso para questionar a regressividade do sistema tributário nacional e pautar a taxação de grandes fortunas, que existe até nos Estados Unidos, e desoneração da carga de impostos sobre consumo básico. Talvez agora o empresariado tope negociá-la porque o cenário que se desenha é de mais benesses ao capital e mais arrocho ao trabalho.

Já a Previdência e seus beneficiários foram vítimas de dez emendas constitucionais (confira aqui). Desde 1998, sucessivamente o Congresso Nacional aprovou as retiradas de direitos proposta pelos chefes do Executivo. E o Judiciário ou legitimou essas reformas ou mantém ações questionadoras da constitucionalidade das emendas sob as pilhas de processos dos ministros.

Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia (Crédito: Antônio Cruz/ABr).

Rodrigo Maia (DEM/RJ) anunciou neste dia 5 que sua meta é aprovar a ‘reforma’ em dois meses. As mudanças previdenciárias foram a base de sua plataforma eleitoral para o terceiro mandato como presidente da Câmara dos Deputados.

O senador Davi Alcolumbre (DEM/AP), em sua primeira entrevista como presidente da Casa revisora, disse pretender encerrar a votação das mudanças no sistema previdenciário em 90 dias. Importante lembrar que Alcolumbre sagrou-se presidente do Senado Federal num pleito marcado por bate-bocas e fraude – a primeira etapa da votação, posteriormente anulada, contabilizou 82 votos quando só existem 81 senadores da República. O entrevero atrasou em três dias o início do Ano Legislativo. O senador Alcolumbre também enfrenta um pedido de cassação de seu mandato pelo Ministério Público Eleitoral, por supostas irregularidades durante a campanha de 2014.

A mensagem do Executivo ao Congresso Nacional, na abertura dos trabalhos parlamentares, apontou a ‘reforma’ previdenciária como “condição central para que se estabilizem definitivamente as contas públicas do País”. Prioridade “um, dois e três” do governo federal, segundo o secretário de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, Carlos Alexandre da Costa, declarou ao jornal ‘Correio Braziliense’.

Desde a emenda constitucional 19/1998 – ainda no governo Fernando Henrique Cardoso – as sucessivas ‘reformas’ são propagandeadas como mecanismo de “equilíbrio das contas”, embora a Seguridade Social sempre tenha sido superavitária. O discurso dos defensores de menos direitos previdenciários, no entanto, não muda e em todos os governos desde então houve alguma emenda previdenciária para retirar conquistas.

Desafio

“O alinhamento dos atores institucionais mostra o tamanho do nosso desafio e tarefa de enfrentar mais uma vez a ‘reforma’ da Previdência. Em 2017 e 2018 a unidade dos trabalhadores dos setores público e privado, por outro lado, impediu a votação da tentativa de ‘reforma’ do governo Temer”, ressalta Tarcisio Ferreira, servidor do TRT-2 e diretor do Sintrajud.

A minuta de proposta de emenda constitucional (PEC) “vazada” à imprensa no último dia 4 traz entre os principais ataques a retirada da Carta Magna de vários dispositivos previdenciários. O objetivo é aprovar mais facilmente a desconstitucionalização das regras para, quando for oportuno, mudá-las sempre sem precisar de votação em dois turnos com quórum de 3/5 do Congresso Nacional. Questões como idade mínima, tempo de contribuição, forma de cálculo dos benefícios, pensão por morte inferior a um salário mínimo, carência para obtenção de benefícios, entre outras, passariam a poder ser alteradas por lei complementar se a ‘reforma’ for aprovada – atingindo trabalhadores do setor privado e o funcionalismo público.

A outra mudança fundamental no sistema de aposentadorias é substituir o regime de repartição hoje em vigor por um modelo de poupança individual similar ao adotado na década de 1980 no Chile. Naquele país, passados 30 anos da ‘reforma’ imposta no governo Pinochet, 90% dos aposentados recebem o equivalente a cerca de R$ 700,00 e o Estado chileno é obrigado a reincorporar parte da população no sistema público.

Embora tenha o presidente Jair Bolsonaro e o vice-presidente Hamilton Mourão tenham ido à mídia negar que o texto publicado em primeira mão pelo jornal ‘O Estado de S.Paulo’ seja a versão definitiva da PEC, a divulgação pareceu evidente teste de popularidade das mudanças perante o mercado e a sociedade.

Inimigo da JT na secretaria da Previdência

O governo nomeou secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia o ex-deputado Rogério Marinho (PSDB/RN), para articular a aprovação da proposta governamental no Congresso – onde deputados de partidos da própria base do governo já mostram disposição de tornar mais substancial a negociação pelo voto em favor da PEC. Relator da ‘reforma’ trabalhista aprovada em 2017, o tucano não conseguiu renovar seu mandato nas eleições gerais do ano passado.

“Agora que ele não conseguiu se reeleger, arrumaram esse posto para ele e essa tarefa de mais uma vez atacar os trabalhadores. Ele foi um dos deputados que atacaram duramente a Justiça do Trabalho quando foi relator da ‘reforma’ trabalhista”, lembra Tarcisio.

Reação nas ruas

Ato em defesa da Previdência e contra a PEC 287-A, em 19/2/2018 (Crédito: Cláudio Cammarota).

O movimento sindical, no entanto, promete não permitir que seja tão fácil aprovar o ataque às aposentadorias. Após as mobilizações unificadas de servidores, juízes, advogados e movimentos sociais contra o fim da Justiça Trabalhista, neste início de ano, a construção de lutas unitárias deve se potencializar em torno ao debate da Previdência.

Em São Paulo, sindicatos de várias categorias do setor público organizam para o dia 16 de fevereiro um encontro estadual, que acontecerá no Sindicato dos Metroviários, para debater estratégias de defesa dos direitos (inscreva-se aqui). No dia 17 acontece em Brasília o Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Federais (Fonasefe). E em 20/2 as centrais sindicais realizam uma “Assembleia Nacional da Classe Trabalhadora”, também na capital paulista. A atividade marca o Dia Nacional de Luta em Defesa da Previdência Pública e Contra o Fim da Aposentadoria.

Essa jornada de mobilizações é vista como um passo importante pela diretoria do Sintrajud para organizar a retomada das lutas nas ruas em defesa da aposentadoria e dos direitos sociais. O Sindicato tem aprovada em diversos fóruns a defesa da construção de uma nova greve geral, a exemplo da que parou o país em 28 de abril de 2017. Aquele momento, considerado a maior paralisação nacional em 30 anos, foi fundamental para adiar até aqui a nova ‘reforma’ previdenciária que visa acabar com o sistema de aposentadorias estabelecido na Constituição de 1988.

O recuo posterior das grandes centrais mostrou a importância das mobilizações. Sem povo na rua, o Congresso aprovou a Lei 13.467/2017 – a ‘reforma’ trabalhista.

O papel do Judiciário

O STF em particular, como guardião da Carta Magna, deveria atentar para duas sentenças contidas no próprio discurso do ministro Dias Toffoli na abertura do Ano Judiciário : “Sem Justiça não há paz social” e “Não há Democracia sem um Poder Judiciário independente e autônomo.”

“A postura do Supremo, de assumir uma articulação política dessas, extrapola os limites institucionais de independência dos poderes e, em relação ao conteúdo das reformas, é ainda mais grave porque essas questões muito provavelmente serão objeto de questionamentos no STF. Essa postura escancara a parcialidade que a Corte assumirá quando for chamada a julgar essas matérias, quando elas forem submetidas ao crivo do Judiciário”, conclui Tarcisio.

A diretoria do Sintrajud seguirá cobrando que os direitos dos trabalhadores sejam respeitados e efetivados, na arena institucional e nas ruas, e que a independência e autonomia do Judiciário seja exercida para cumprir o papel de garantir os direitos sociais fundamentais previstos na Constituição. Se o movimento tomar corpo como aconteceu com a luta em defesa da Justiça do Trabalho, a direção do Sindicato avalia que é possível impor novo recuo ao governo e a ampla articulação institucional para impor uma ‘reforma’ retrógrada.

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