SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL NO ESTADO DE SÃO PAULO
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JJ - Edição 71 - 10/10/2001 - Página 8

RACISMO NO BRASIL - ENTREVISTA COM O PROFESSOR DE ECONOMIA MARCELO PAIXÃO, DA UFRJ

Exclusão racial
Exclusão racial Estudo revela que se fosse considerada apenas a população negra, a posição do Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU cairia do 74º lugar para a 108ª posição * Sindicato promove debate sobre racismo em novembro

O seu estudo "Desenvolvimento humano e desigualdades étnicas: um retrato de final de século", conclui que é intensa a desigualdade racial no Brasil. Quais as causas dessa exclusão dos negros?
O padrão de relações raciais brasileiro é o da integração e, assim, oficialmente no Brasil não haveria barreiras legais impedindo que a população negra tivesse algum tipo de mobilidade, seja no plano físico ou no social. Este padrão, que procurava diluir o problema, não o resolveu de fato. O grande problema é o da construção cidadã. Não quero nem entrar no mérito do percentual de excluídos negros, nem da fome ou da miséria. A pergunta é uma só: como é que a população negra, passados 112 anos, poderia ser avaliada em sua qualidade de vida nesse país que, afinal de contas, deu a ela um padrão de tratamento insuficiente quanto à promoção da cidadania para a maior parte dessas pessoas? Essa questão remete a um outro problema, que é como isso foi construído. Em primeiro lugar, pelos mecanismos, pela forma como a abolição se deu no Brasil. A população negra foi jogada no mercado completamente desprovida de direitos sociais, de acesso a coisas que poderiam garantir seu bem-estar físico ou intelectual. Ou seja, a falta de direito à saúde, à escola, além de uma estrutura de um Estado profundamente repressor sobre essa população, principalmente nos dez primeiros anos depois da abolição. Por exemplo, a guerra de Canudos, era uma população negra, de escravos, que estava lá. Os grandes conflitos urbanos do Rio de Janeiro, principalmente no início da década, são a mesma coisa. A população negra sempre sendo alvo de políticas que a coloca em guetos, em favelas. Temos também um padrão preconceituoso que permeou a sociedade brasileira e que apesar de não se manifestar de uma forma tão aberta como se manifesta em outros lugares, este padrão vem tendo um papel de diferenciação social muito intensa. Este padrão incorpora-se no comportamento das empresas, das escolas, na área de saúde, no Poder Judiciário, na mídia e, enfim, é um padrão que naturaliza a exclusão dos negros, que não os reconhece como pessoas com capacidade de exercer tarefas ou atividades de cunho mais técnico ou intelectual. A combinação desses fatores vai produzindo um cenário muito complicado, desde o problema da imagem - é difícil para um negro conseguir uma vaga num shopping center ou numa novela da Globo.

Você vê algum sinal de que este quadro de exclusão começa a mudar?
Sim. O próprio fato de uma pesquisa como esta que eu fiz ter tido respaldo confirma isso. Eu não sou pessimista neste sentido, afinal, nós temos vários grupos de apoio como as organizações feministas de mulheres negras, temos as comunidades de remanescentes de quilombos, os grupos que atuam no campo dos direitos humanos, temos profissionais na área da saúde cada vez mais preocupados com o padrão específico de saúde da população negra. Eu não faço um discurso derrotista, muito pelo contrário. Mas é importante verificar que essas mudanças são importantes, mas são tênues ainda. Elas precisam ganhar mais vulto. Ainda existe na sociedade brasileira um certo sentimento de que aqui não há racismo ou, pelo menos, aqui é menor. Isso não existe, não há racismo melhor ou pior. O preconceito tem que ser condenado onde quer que seja e de que forma seja. A prática bárbara do racismo tem que ser eliminada.

Então o racismo ainda é uma forte realidade no Brasil...
Sem dúvida. Um exemplo dessa realidade está na televisão, onde o negro aparece, quando aparece, é em qual papel? Nas novelas, normalmente em papéis subalternos. O racismo no Brasil ainda é muito presente e não pode ser menos condenado apenas pelo fato de que aqui os negros podem sentar num ônibus ou num botequim. Este padrão pode servir para consolar alguns, mas não é pelo fato de o racismo aqui ser velado que isto o torna menos agressivo e, principalmente, menos produtor de exclusão social.

Existe preocupação por parte das autoridades em relação a esse desnível social que afeta a população negra?
Acho que as políticas atuais de governo são, via de regra, absolutamente contrárias a uma difusão de um padrão mais democrático de relações sociais, principalmente no plano racial. Quando é levantada essa questão do IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] da população negra, eu vejo um constrangimento por parte das entidades governamentais e não vejo nenhuma vontade política no sentido de mudar essa realidade. Há uma falta de vontade política de sequer se preocupar com o assunto, principalmente na esfera do governo federal, do governo de Fernando Henrique.


Homens, mulheres e crianças "invadem" shopping no Rio.

Em pesquisa elaborada para a organização não-governamental Fase, o professor de economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Marcelo Paixão, mostra o tamanho da desigualdade e exclusão social a que a população negra está submetida. O Brasil ocupa o 74º lugar no ranking anual do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU (Organização das Nações Unidas), que mede as condições de vida das nações, com base nos dados sobre renda "per capita", educação e expectativa de vida ao nascer. A pesquisa revela que se fosse considerada apenas a população negra, o Brasil ocuparia o 108º lugar. Limitando-se só à população branca, o país ficaria na 48º colocação. O trabalho de Marcelo Paixão foi baseado nas informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/98). Nessa entrevista concedida à jornalista Zilda Miranda, ele observa avanços na luta contra a discriminação, mas afirma que ainda há um grande caminho a percorrer até a eliminação da desigualdade racial no país. Esta é a primeira de uma série de reportagens sobre a discriminação racial. Em novembro o Sintrajud promoverá debate sobre o tema.