SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL NO ESTADO DE SÃO PAULO
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19/11/2015

"Precisamos de uma política que garanta saúde, educação e trabalho digno aos imigrantes"

Em entrevista, Fedo Bacourt, da União Social dos Imigrantes Haitianos, falou sobre a vida dos haitianos no Brasil

Em 2010 o Haiti foi devastado por um terremoto de magnitude 7,0, que deixou milhares de desabrigados, feridos e mortos. Desde então, aumentou a miséria e desemprego no país, que convive com tropas militares em seu território. Em busca de uma vida melhor, milhares de haitianos saem do seu país, em busca de emprego e condições de vida, grande parte vem para o Brasil. O JJ entrevistou o haitiano Fedo Bacourt, que está no Brasil há pouco mais de dois anos e é fundador da U.S.I.H (União Social dos Imigrantes Haitianos).

JJ: Você poderia nos contar um pouco de sua trajetória?

Fedo: Eu era professor no Haiti, tinha uma escola e perdi tudo no terremoto. Dois meses depois fui para República Dominicana. Cheguei ao Brasil em 2013 e já tinha muitos Haitianos aqui. Em 2013, especialmente na Glicério, eu vi a péssima situação dos haitianos e decidimos fazer alguma coisa. Essa é uma das razões que nos levou a criar a U.S.I.H. Diante das necessidades e dificuldades para se desenvolver no Brasil, achar trabalho, conseguir documentos, decidimos fazer alguma coisa para ajudar.

JJ: Por que o Brasil é o país escolhido por boa parte dos haitianos?

Fedo: O povo do Haiti gosta muito de futebol. É difícil a seleção brasileira estar jogando e os haitianos não estarem em grupos para ver. O Brasil tem uma torcida muito grande lá. Essa é uma das razões para Brasil ser um dos países que mais recebeu haitianos depois do terremoto.

JJ: Muitos haitianos entram no país através de coiotes pelo Acre. Você pode contar para gente como foi sua entrada aqui?

Fedo: A maioria das pessoas que passaram pelos coiotes são pessoas que não sabem direito onde ir e nem como fazer as coisas; diante disso, tem outras pessoas que sabem e fazem disso um negócio.  Um visto que custa 200 dólares, as pessoas pagam 3 ou 4 mil dólares. Muitas vezes, os coiotes pegam o dinheiro das pessoas e compram passagens apenas para o Equador, porque o Equador é livre para os haitianos, a gente pode entrar lá sem visto, só com o passaporte.  Quando os haitianos chegam no Equador tem mais uma fila de coiotes para trazer ao Brasil, por isso essas pessoas só conseguem entrar ilegalmente pelo Acre.

JJ: Como o governo brasileiro recebe os imigrantes haitianos atualmente?

Fedo: Até 2012 foi mais tranquilo, porque eram poucos haitianos que entraram aqui. Em 2013, quando teve um êxodo de haitianos para o Brasil, as condições ficaram mais precárias. Algumas pessoas até conseguem empregos, mas a maioria das pessoas não consegue, principalmente as que entram pelo Acre [sem visto], essas têm mais dificuldade ainda, por causa da falta de documentos e, muitas vezes, por falta de estudos. Por isso, eles acabam trabalhando em condições piores.

JJ: E qual a situação da maioria dos haitianos no Brasil?

Fedo: Hoje tem quase 61 mil haitianos no Brasil. Pela luta da USIH e da CSP Conlutas, estamos avançando, já temos mais de 43 mil documentos que saíram das pessoas que passaram pelo Acre. Isso quer dizer que estamos caminhando para regularizar a situação delas no Brasil. É uma boa notícia, diante de todos os problemas que os haitianos têm por falta de documentação para conseguir um bom emprego e alugar uma casa digna.

JJ: Grande parte dos haitianos que vem para o Brasil é formada ou está acabando a faculdade, qual a maior dificuldade na procura de emprego que vocês encontram aqui?

Fedo: Não é pela falta de documentação, porque consegui meu LNI (autorização para permanecer no país) depois de dois meses que estava aqui. Depois passei quase três meses procurando emprego como professor ou com turismo, não consegui, foi difícil. Até que comecei trabalhar com construção civil, nessa mesma empresa que estou hoje. E não creio que é por falta de documento, não sei se é uma falta de confiança, não vou dizer também que é pelo racismo, ainda que tenha muitas pessoas dizendo que é pelo racismo, sim. Eu acredito que é mais pela falta de confiança ao estrangeiro para ocupar um posto de trabalho.

JJ: O Haiti vive sob a ocupação militar das tropas da MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti). Na sua opinião, qual o objetivo da Minustah no Haiti?

Fedo: A Minustah não tem nada de missão de paz. O objetivo principal da ocupação é manter a segurança dos patrões, ajudar os empresários contra o povo haitiano. Para o povo é estupro, racismo, opressão às greves, desrespeito aos direitos humanos. É por isso que nós da USIH estamos pedindo a retirada das tropas da Minustah do Haiti; para ter um Haiti livre e soberano.

JJ: Qual a situação do povo haitiano diante da ocupação militar?

Fedo: A Minustah veio com a propaganda de paz, mas não se faz paz com arma e nem com tanques (de guerra). Força militar não é para fazer paz. Se é paz, por que as forças armadas estão lá no Haiti, com tanques na rua? Para as mulheres é pior, porque o Haiti é um país que tem poucas leis para as mulheres e uma população muito grande de desempregados. Os militares que estão lá são, em sua maioria, homens. Diante da falta de emprego e da miséria, os militares oferecem 1 ou 2 dólares por sexo com as haitianas. Isso acontece com crianças também. Hoje tem, pelo menos, 281 crianças grávidas de soldados da Minustah. Pode imaginar uma criança que dando à luz outra criança, sem pai, sem comida? Ao contrário de paz, a Minustah tá criando mais guerra lá no Haiti.

JJ: Em julho, aconteceu um atentado contra os haitianos em frente à igreja do Glicério. Você pode contar pra gente o que aconteceu?

Homens passaram com carro gritando “vocês vem aqui para roubar o trabalho da gente, voltem para o seu país”, e depois atiraram. Foram cinco haitianos feridos por bala. O atentado aconteceu no sábado e eles passaram quase uma semana procurando hospitais que os aceitassem. Contamos com ajuda do Wilson, da CSP Conlutas, que ligou para Brasília, mesmo assim, somente na sexta-feira aceitaram eles no Hospital Tatuapé, só aí eles foram atendidos. Eles estão bem, mas dois deles ficaram com muito medo e já deixaram o país.

JJ: Eles voltaram para o Haiti?

Fedo: Tem um que voltou para o Haiti e outro está na Guiana Francesa.

JJ: Tem muitos haitianos que se deparam com a realidade brasileira e voltam?

Fedo: Sim. Eu tenho vários amigos que já voltaram. Eu mesmo tenho essa vontade de voltar todos os dias, mas a outra vontade que tenho é tocar a luta por esse povo que estou lutando hoje, isso faz muita diferença. Além disso, minha filha nasceu há 22 dias, nasceu aqui no Brasil, é brasileira, então vou lutar mais ainda por nossos direitos.

JJ: Se você pudesse mandar um recado para Dilma Rousseff, qual seria?

Fedo: Eu quero dizer para Dilma, para Alckmin e para Haddad que nós, haitianos, somos um povo trabalhador e lutador. Se o Brasil está aberto para receber imigrantes, não só os haitianos, tem que ter um acolhimento legal, onde os imigrantes se sintam bem. Precisamos urgente de uma política imigratória que garanta saúde, educação, trabalho digno, ou seja, uma vida digna aos imigrantes. Porque todos nós temos direito a vida.

 




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