SINDICATO DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL NO ESTADO DE SÃO PAULO
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23/03/2010

Campanha contra o Imposto Sindical: Leia entrevista com Ricardo Antunes

?Imposto sindical acaba com sindicalismo livre e autônomo?

Em entrevista ao Sintrajud, o sociólogo Ricardo Antunes falou sobre a obrigatoriedade do imposto, a flexibilização da CLT e o governo Lula

O professor do Departamento de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Ricardo Antunes é um dos principais estudiosos sobre sindicalismo e o mundo do trabalho atualmente. Autor de vários livros sobre o tema, entre eles Os Sentidos do Trabalho (Ed. Boitempo) e O Novo Sindicalismo no Brasil (Ed. Pontes), Ricardo Antunes recebeu a reportagem do Sintrajud em Campinas. Por mais de uma hora, ele explicou o que significa o imposto sindical e seus efeitos nefastos. Crítico do governo Lula, ele também falou como o Planalto tem privilegiado certos setores da sociedade. Sobre a flexibilização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o professor criticou a Semana da Conciliação. Trechos da entrevista já foram publicados no Encarte Especial sobre a Campanha contra o Imposto Sindical, distribuído à categoria junto com a edição nº 374 do Jornal do Judiciário.

Imposto

É uma derrota histórica dos trabalhadores de amplitude monumental. É injusto e ilegítimo, já no sindicalismo dos trabalhadores do setor privado. Foi criado num dos piores momentos da ditadura varguista, como uma forma de dar recursos estatais aos sindicatos e acabar com o sindicalismo autônomo, independente e de classe. Significa um controle do Estado sobre os sindicatos, um controle das finanças, portanto, econômico e político.

Os sindicatos nasceram na Inglaterra, nas chamadas Trade Unions, como organismos independentes dos trabalhadores, pagos por eles mesmos livre e voluntariamente. O ato de filiação a um sindicato é um ato de defesa dos interesses da profissão, defesa dos direitos do trabalho. É também um ato de solidariedade de classe e, consequentemente, um ato político, ainda que num plano insipiente e primeiro.

A Constituição de 88 significou uma diminuição do controle do Estado sob os sindicatos, não a sua eliminação. Enquanto existir imposto sindical e enquanto existir unicidade sindical, o sindicato não é autônomo nem livre.

Unicidade

A manutenção da unicidade sindical significa que cada ramo de trabalhadores tem de ter um único sindicato, porém isso é definido por lei. Isso é nefasto porque quem deve decidir são os trabalhadores. Defendo a unidade sindical, por exemplo, sou a favor que os professores da Unicamp tenham um único sindicato, mas isso é uma decisão dos professores, não é o Estado que tem que dizer como os professores têm que se organizar.
Quando o Estado diz como é que os trabalhadores devem se organizar, em verdade ele está querendo dizer como eles devem se desorganizar.

Disputa

Hoje há uma disputa pelas bases. Antes o imposto sindical ia para os sindicatos, federações, confederações e Ministério do Trabalho, agora também vai para as centrais. 10% dos recursos do imposto sindical acabam drenando para as centrais sindicais. Além do imposto sindical, as centrais também ficam com os recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). É uma máfia de dinheiro.

É fácil criar um sindicato hoje, não tem mais as coibições de antes de 1988. Cria-se um sindicato e recebe o imposto sindical. É um grande negócio. Há uma indústria de criação de sindicatos no Brasil. Primeiro porque está ocorrendo, o que venho chamando de uma nova morfologia do trabalho. Novas categorias surgem, por exemplo, os trabalhadores de telemarketing.

Conciliação

A Semana de Conciliação não é bem uma flexibilização dos direitos do trabalho, é pior do que isso. Embora a ideia seja evitar que o processo siga um curso longo na JT e isso em si não seria mal, ela acaba sendo uma forma de burlar os direitos do trabalho. Se o trabalhador está reivindicando 10 salários, e acaba aceitando dois, significa que foi burlado em 80% do que estava pedindo. E as empresas gostam disso. Antevendo um pagamento volumoso daqui a alguns anos, elas pressionam pela conciliação. Por outro lado, a JT é também pressionada pelos mesmos valores do mercado. Tem produtividade dos juizes.
São raros os casos em que os trabalhadores são beneficiados. Mas, o trabalhador premido pelas necessidades, não pode esperar anos para ganhar o valor integral, ele arrisca. Burlar o direito do trabalho acaba sendo o ingrediente que favorece os parlamentares e ideólogos a defender mais flexibilização do trabalho.

CLT

A CLT condensa um conjunto de direitos do trabalho que são importantes devem ser preservados. Quando me perguntam se sou a favor da alteração deles digo que sim, mas para melhor, nunca para baixo. Sou contra a revogação das leis do direito do trabalho, senão começamos do zero. Por outro lado, não sou a favor do capitulo sindical da CLT.

Governo Lula

Qual classe burguesa teria interesse em depor um governo onde a estabilidade econômica fosse a melhor dos últimos 40 anos? O Lula trouxe para a burguesia uma tranquilidade que ela não tinha. Por isso, o Lula tem um traço de um governo Bonaparte, ou seja, traz um traço de segurança para a burguesia que um governo explicitamente burguês representado por uma persona burguesa muitas vezes não tem, por um motivo evidente, o movimento sindical, os movimentos sociais e a esquerda são temerosas de enfrentar o governo Lula. Não é por acaso que ele tem essa aprovação. A crise econômica deu uma saída para o governo Lula. Ele conseguiu valorizar o capital como ninguém nos últimos anos. Tanto é que o próprio Lula cansou de dizer: ?Nunca os bancos ganharam tanto dinheiro como no meu governo?.

Para um governo que não é oriundo das classes burguesas, ficar na mão do grande capital é um risco muito grande. No primeiro governo Lula foram perdidos vários apoios no funcionalismo público, na classe operária organizada e no campesinato.

Reforma sindical

A primeira proposta de reforma sindical do governo Lula, de 2004, era muito negativa. Não falava no imposto sindical para as centrais, mas abria a possibilidade de que o negociado tivesse prevalência sobre o legislado.

Ela tinha um claro caráter cupulista e antisindicato pela base. O sindicato passava a ser dependente das centrais sindicais em tudo, o que é muito nefasto, porque o sindicato tem o direito de não se filiar a nenhuma central sindical ou mesmo, se filiado, de manter a sua autonomia.

Tinha um terceiro elemento negativo também, o Fórum Nacional do Trabalho, que era um fórum de representante dos trabalhadores em tese. Na verdade, era da burocracia sindical e da liderança atrelada. Faziam parte as centrais sindicais governistas, como Força Sindical e CUT, e o Ministério do Trabalho. Não significava que o conjunto da classe trabalhadora, especialmente o seu movimento com mais respaldo de base, estivesse representado.

Essa reforma foi proposta no primeiro governo Lula, mas não passou, primeiro, porque não havia uma unidade entre as centrais sindicais já representadas. Por exemplo, em relação à unicidade sindical, alguns setores eram a favor, como a Corrente Sindical Classista, que era ligada ao PCdoB, que fazia parte da CUT e depois criou a sua central própria, a CTB.

Centrais governistas

A Força Sindical também defende. Essa central, na sua origem, herda o velho peleguismo com certo sindicalismo de matriz neoliberal nos anos 1990.

Mas a CUT, por exemplo, não é favor da unicidade sindical. No discurso é contra, mas na prática ela tateia. Não houve consenso no bloco de apoio do governo, e houve muita resistência da esquerda sindical, fundamentalmente da Conlutas, da Intersindical, de sindicatos que saíram da CUT nos últimos anos, em função do atrelamento de sua direção às políticas do governo.

Mas isso se deu na crise do mensalão, que foi uma crise política profunda. Hoje o governo Lula está com 80% de aprovação, mas naquele momento esteve à beira da renúncia. Faltou muito pouco para o governo Lula ter que renunciar naquele contexto de crise. Naturalmente naquele contexto essa proposta dentro do parlamento, Câmara e Senado, não encontrou espaço. Não tinha unidade nem na base sindical de apoio do governo. No segundo governo Lula essa proposta na verdade não voltou porque foi abortada naquela época.

Algumas dessas propostas que estavam na proposta grande de reforma começaram a ser fatiadas e aprovadas aos poucos e outras o governo Lula recuou.

Governos diferentes

É importante que a esquerda perceba que o segundo governo Lula não é idêntico ao primeiro. A mudança se deve por causa da crise que ele sofreu no primeiro governo com o mensalão em 2005, quando o governo Lula ficou na mão da burguesia.

Quem segurou o governo Lula foi a grande burguesia, ao contrário do que o PT diz hoje não houve tentativa de golpe: quem queria que o governo Lula pudesse cair era parte do PSDB, parte do Democratas. Mas o grande capital financeiro, os bancos, o grande capital produtivo, como a Vale do Rio Doce, CSN, a agroindústria, todos diziam para não tocar no governo Lula porque ele poderia estar em crise política, mas a economia estava completamente estável.

No segundo governo, portanto, o governo Lula acabou fatiando essa reforma e algumas passaram, mas em outras situações, também, ele teve uma posição mais positiva. Por exemplo, tinham setores que queriam aprovar a pejotização, o governo não aprovou. É óbvio que isso foi positivo. Se aprovassem a pejotização, seria ainda pior o processo de informalização da classe trabalhadora.

Consumo

E como o mercado brasileiro ficou nos últimos anos, só para falar de Collor para cá, de 1990 para cá, era um mercado interno subutilizado, porque a capacidade de consumo da classe trabalhadora sempre era nivelada por baixo. O governo Lula ampliou a capacidade de consumo da classe trabalhadora, aumentando um pouco seus níveis de salário, muito abaixo do que seria imaginado num governo minimamente reformista. O Dieese fala em um salário mínimo de 2 mil reais. Mas é evidente que, se comparado ao elitismo do FHC ou dos anteriores, é um salário mínimo um pouco menos constrangedor do que o anterior.




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