Sindicato rebate AATSP por constrangimento a servidores na expedição de alvarás


04/12/2018 - Luciana Araujo

Comunicado divulgado por WhatsApp e pelo Facebook da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo (AATSP) no último dia 30 causou indignação entre servidores da Justiça do Trabalho. No texto, a entidade solicita que advogados coletem dados “reais” acerca da demora na expedição de alvarás pelas secretarias das Varas dos TRT-2 e TRT-15.

Ainda segundo a nota, “com essa estatística poderemos tomar providências efetivas contra este grave problema enfrentado pela advocacia e jurisdicionados”.

“Precisamos da indicação de processos onde já houve despacho determinando a expedição do alvará e que há mais de 30 dias o documento não foi expedido pela secretaria”, prossegue o chamamento da Associação.

Produtividade do TRT-2 já é a mais alta do país

“A mensagem da AATSP faz parecer, para quem lê de fora, que estamos aqui sem fazer nada. Isso diante de um quadro de corte orçamentário ano após ano, mesmo antes da Emenda Constitucional 95”, ressalta  Marcus Vergne. Dirigente do Sintrajud, Marcus está lotado na secretaria da 20ª Vara Trabalhista do Fórum Ruy Barbosa.

O quadro reduzido de funcionários é um dos maiores problemas enfrentados pelo TRT-2. Mesmo assim, o Regional tem a maior produtividade da Justiça do Trabalho de primeiro grau. E o menor número proporcional de servidores por Vara.

Hoje há 335 cargos vagos no Regional, segundo dados publicados pelo Tribunal em 31 de outubro.

Ainda assim, entre 2016 e 2017, o TRT-2 aumentou em 10% o índice de conciliação, como informa o Relatório Justiça em Números 2018, editado pelo Conselho Nacional de Justiça. O Índice de Produtividade Comparada (IPC-Jus) do TRT-2 foi o máximo entre os tribunais trabalhistas no primeiro grau, com 100% de eficiência, atesta o relatório. Aliás, os dois únicos tribunais do trabalho que atingiram este índice foram o TRT-2 e o TRT-15. E exatamente estes são questionados pela AATSP.

Feitiço contra o feiticeiro

Um diretor de secretaria ouvido pelo Sindicato se preocupa que a pressão da advocacia possa resultar em prejuízos ao invés de benefícios aos jurisdicionados, caso a Associação não contextualize os dilemas da Justiça Trabalhista. Afinal, as medidas de ajuste propostas pelos governos e seguidas pela cúpula do Judiciário têm vindo sempre no sentido de precarizar a prestação jurisdicional. A lógica vem sendo a compressão da estrutura ao invés de mais investimentos para atender plenamente às demandas dos cidadãos – que, no caso da Justiça do Trabalho, estão diretamente relacionadas à mesma lógica do “fazer mais com menos”.

Outro questão que tem de ser levada em consideração é que é preciso certificar o decurso de todos os prazos processuais, conferir todos os dados relativos aos valores a serem pagos. “Muitas vezes os advogados informam contas com algum dígito errado, o alvará volta e a gente tem que refazer. Há casos em que as partes não informaram os dados bancários, o que também atravanca o andamento”, relata uma diretora que também falou ao Sintrajud.

Complexidades

“O alvará é o trabalho mais complexo. Se você faz um despacho e há algum equívoco, é possível reconsiderar sem problema. Com o alvará, ainda mais creditando na conta do advogado, eu não tenho como voltar atrás”, frisa a servidora.

Também diretor do Sintrajud, lotado na 9ª Vara, Tarcisio Ferreira fala sobre as razões dos problemas na execução. “A principal causa para a demora é a falta de bens localizados dos devedores, não é uma suposta incúria ou inércia das varas. Nos processos normais, regulares, com empresas solventes, os processos em geral andam rápido. O que atravanca a execução é a falta de localização dos devedores que, por várias razões, dilapidam o patrimônio, desviam – problemas que extrapolam a Justiça do Trabalho”, ressalta.

Servidores fazem até serviço bancário

O SISCONDJ (Sistema de Controle de Depósitos Judiciais) facilitou para as partes, que não são mais obrigadas a ir aos bancos sacar valores. No entanto, nas secretarias, os servidores passaram a ser responsáveis até mesmo por serviços bancários. A tarefa de checagem dos dados do beneficiário dos depósitos virou mais uma atribuição de risco assumida pelos trabalhadores do Judiciário. “Um servidor faz o preenchimento, o diretor de secretaria checa, o juiz posteriormente também confere, porque não é possível voltar atrás num depósito feito errado. Não é uma coisa tão simples. É um serviço que requer muita atenção”, relata a diretora ouvida pela reportagem.

Numa ação plúrima, por vezes é necessário localizar centenas de procurações e expedir centenas de ofícios. Os servidores também têm que localizar documentos, subestabelecimentos, se o advogado efetivamente tem poderes para representar o jurisdicionado.

Além disso, há outros procedimentos que não podem ser paralisados nas secretarias. “Se colocarmos todo mundo para expedir alvarás não teremos o dinheiro para o pagamento do processo”, lembra a colega.

Amatra-2: uso final dos dados é a questão fundamental

O presidente da Associação de Magistrados da Justiça do Trabalho da Segunda Região (Amatra-2), Farley Roberto Rodrigues de Carvalho Ferreira, avalia que o problema não é o levantamento em si. O importante, na opinião do juiz, é o uso que se pretenda dar aos resultados obtidos.

“Coletar dados com a própria classe é um trabalho legítimo da Associação. Em relação às providências que estão falando que vão tomar é que temos que atuar para mostrar a eles a reserva do possível. Ou seja, as dificuldades que a administração pública tem, de varas, servidores, magistrados e volume processual. E também as dificuldades da atenção que é necessária antes de expedir um alvará judicial. Para que eles possam compreender que isso tudo está no âmbito daquilo que chamam de providências”, analisa o magistrado.

“Depois dessas informações terem sido coletadas, podemos inclusive, eventualmente numa força conjunta – magistrados, servidores e advogados -, atuar para dar melhores condições ou melhores encaminhamentos, que não sejam simplesmente represálias ou questões disciplinares, que sejam efetivas soluções no intuito de melhorar a jurisdição. Pois todos temos essa função de melhorar cada vez mais o Poder Judiciário – magistrados, servidores e advogados”, afirma Farley.

Responsabilidade dos advogados em parte do atraso

Outro problema desconsiderado pela AATSP ocorreu na migração do sistema anterior para o SISCONDJ. À época, foram cancelados todos os alvarás expedidos anteriormente, mas que não tinham sido resgatados no período determinado pelo Tribunal.

“Isso aconteceu em outubro do ano passado. E a gente está tendo que refazer esses alvarás, porque a parte interessada não tinha retirado. Estamos tendo que fazer os procedimentos atuais e refazer aqueles que as partes não tinham resgatado. Então, neste ano, efetivamente todo mundo teve um atraso porque uma série de processos tiveram que ser desarquivados por conta disso. Por que os advogados não foram retirar esses alvarás? Há varas em que a cada 10 processos quatro estão tendo que ser refeitos”, destaca a servidora com quem a reportagem conversou.

“A AATSP está ignorando o principal problema do TRT-2, que é a falta de orçamento e servidores. Acabam individualizando o problema nos servidores, que estão se virando para atender à demanda. Repudiamos esse tipo de atitude. Poderiam ter dialogado antes com o Sindicato e a Administração e apurado o que, efetivamente, está acontecendo. Eles não têm que nos pressionar. Mas sim atuar junto conosco, para conseguirmos mais orçamento e a complementação do quadro de servidores”, conclui Henrique Sales. Também diretor do Sindicato e servidor do TRT, Henrique conversou com a diretoria da Associação.

Também é preciso considerar as mudanças de procedimentos derivadas da ‘reforma’ trabalhista e que, concomitantemente à entrada em vigor da Lei 13.467/2017, o sistema de levantamento de alvarás foi alterado no Tribunal, atendendo a pedido da própria Associação.

Posicionamento

Após contato da diretoria do Sindicato, a direção da Associação afirmou que a intenção não era atacar os servidores.

A executiva do Sintrajud ressalta o período de ataques da mídia e setores do empresariado, ambos interessados no desmonte da Justiça do Trabalho e da estrutura de regulação das relações trabalhistas no país. Para a direção do Sindicato, não se pode atuar de forma displicente em relação ao cenário conjuntural. Espera-se que a diretoria da Associação se reposicione. A nova gestão toma posse no dia 10 deste mês.

Até a publicação desta reportagem não havia manifestação da AATSP sobre a realidade do Judiciário Trabalhista no Estado. Na fanpage da entidade havia menções a denúncias à Corregedoria. Além de afirmações de que é necessário “moralizar” e que “todas as VTs demoram”, o que não corresponde à realidade.

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