Sigilo sobre estudos ‘reforça’ denúncias de que governo omite dados da Previdência


22/04/2019 - Helcio Duarte Filho

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

A revelação de que o Ministério da Economia decretou sigilo sobre os estudos que embasam a polêmica proposta de ‘reforma’ da Previdência Social reforçou as denúncias de que o governo de Jair Bolsonaro não fala a verdade sobre os números do sistema previdenciário brasileiro.

A informação de que os estudos referentes à Proposta de Emenda à Constituição da Previdência (PEC-6) estão sob sigilo decretado pelo governo foi revelada pela “Folha de São Paulo”, no sábado, 20 de abril. Os repórteres Fábio Fabrini e Bernardo Caram relataram que o pedido do jornal para consultar tais dados, com base na Lei de Acesso à Informação, foi negado tendo como justificativa o sigilo imposto a esses documentos.

O Ministério da Economia disse que os estudos solicitados foram “classificados com nível de acesso restrito” por se tratarem de “documentos preparatórios”. Desta forma, somente servidores e autoridades públicas autorizadas podem acessar tais informações. O problema é que é supostamente com base nestes documentos preparatórios jamais divulgados que tramita a proposta de emenda constitucional que muda radicalmente a Previdência Social no Brasil.

Paulo Guedes

Quando esteve na Comissão de Constituição e Justiça, no início de abril, para falar sobre a PEC da Previdência, o ministro Paulo Guedes (Economia) não respondeu a perguntas de deputados sobre o custo da transição do sistema atual, de repartição, para a denominada “Nova Previdência”, que institui o regime de capitalização.

A capitalização é uma economia mensal do trabalhador administrada por um fundo de pensão. A PEC-6 não especifica como seria essa capitalização e nem diz se contaria ou não com a contribuição do empregador. Isso ficaria para ser regulamentado por meio de lei complementar, bem mais fácil de ser aprovada no Congresso Nacional do que emendas constitucionais.

Custo da transição

A auditora fiscal Maria Lúcia Fatorelli, aposentada da Receita Federal e coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, tem afirmado que o custo da transição de um regime para o outro em países que já instituíram a capitalização foi em geral superior ao Produto Interno Bruto (PIB), que no Brasil totalizou R$ 6,8 trilhões em 2018. Fatorelli tem defendido que não há o déficit alardeado pelo governo na Previdência se forem consideradas todas as formas de receitas da seguridade social previstas na Constituição Federal. “Não é à toa que o governo esconde os dados (que não foram apresentados nem para parlamentares da CCJ) e até decreta sigilo dos estudos que fundamentam essa PEC 6/2019: ela representa danos imensos para as pessoas e para toda a economia do país!”, escreveu em sua página no Facebook, ao comentar a notícia.

Também nas redes sociais, a professora Sara Granemann, da Escola de Serviço Social da UFRJ, disse que os custos de transição serão “enormemente penosos” para quem trabalha. “Como sempre, [a classe trabalhadora] pagará estas transferências aos capitais com redução dos valores dos benefícios de aposentadoria e pensões e os aumentos da idade, do tempo de contribuição e da alíquota de contribuição para no mínimo 14%”, assinalou, ao conclamar a mobilização popular nas ruas para impedir a aprovação da proposta.

‘Efeitos colaterais’

A notícia de que os dados que embasam a reforma de Bolsonaro e Paulo Guedes são sigilosos provocou críticas nos meios de comunicação. O jornalista Josias de Souza, articulista do portal UOL, disse que isso é esdrúxulo e acintoso. “O governo enviou ao Congresso uma proposta de emenda constitucional que mexe na aposentadoria de meio mundo. E trata como sigiloso o papelório que expõe os critérios adotados para impor os sacrifícios. Mal comparando, é como obrigar o doente a tomar um remédio amargo às cegas, proibindo-o de ler na bula a lista de efeitos colaterais”.

O deputado federal Ivan Valente (Psol-SP) disse por meio de sua conta no Twitter que não existe déficit na Previdência, mas sim “déficit de Transparência”. Afirmou que o governo quer que “o povo pague, mas no escuro” e aceite uma reforma “que retira direitos básicos sem sequer ter acesso aos estudos técnicos que embasam a proposta”.

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) cobrou transparência e acesso aos dados, mas acusou o governo de não possuir argumentos técnicos que justifiquem a reforma. “Se foi feito estudo no âmbito da administração pública sobre a Reforma da Previdência os dados devem ser públicos. Bolsonaro e Paulo Guedes escondem porque não há estudo ou embasamento técnico para a lorota que propagam ao povo”, disse.

Tramitação na CCJ

O Planalto tenta votar a PEC-6 nesta última semana de abril, se possível na sessão desta terça-feira, 23 de abril, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Inevitavelmente, parlamentares contrários à proposta vão voltar a cobrar acesso aos estudos atuariais que demonstrem a necessidade, os custos e os riscos da proposta.

O governo tentou votar o parecer de admissibilidade constitucional da PEC nas sessões que antecederam o feriado de 19 de abril, mas não conseguiu. O servidor Saulo Arcangeli, da coordenação da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e MPU (Fenajufe), explica que houve um impasse com partidos que integram o chamado Centrão e que querem alterar pontos da proposta ainda na CCJ.

Segundo o servidor, que participou da mobilização contra a reforma sobre os parlamentares na Câmara na semana passada, o resultado dessa negociação, liderada deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, ainda estava indefinida até a interrupção da sessão na quinta-feira (18), solicitada pelo relator da proposta, Marcelo Freitas (PSL-MG).

A atuação dos movimentos contrários à PEC-6 tende a se repetir nos corredores e salas da Câmara dos Deputados ao longo da semana. Mas também deve se expressar nas ruas, com atos que estão sendo convocados em várias capitais para 24 de abril – dia de protestos liderados por entidades ligadas à educação pública, mas que estão sendo convocados de forma unificada pelos movimentos que defendem a manutenção dos direitos previdenciários.

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