Setembro Amarelo: pandemia aumenta preocupação com suicídios


11/09/2020 - helio batista
Especialistas alertam que crise de saúde, isolamento social e desemprego trazem impacto psicológico de longo prazo na população.

Em mais de 170 países, o mês de setembro é dedicado a campanhas para esclarecer a população e realizar ações de prevenção do suicídio – é o chamado Setembro Amarelo. O Dia Mundial de Prevenção foi celebrado nesta quinta-feira, 10, em meio a um contexto ainda mais desafiador para os profissionais que lidam com esse tema e com problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão.

Desde as primeiras semanas da pandemia do novo coronavírus, especialistas alertam para o potencial crescimento dos casos de transtornos psicológicos e de suicídio, causados não apenas pela própria pandemia como também pelas medidas de isolamento social, pela crise econômica e por toda a incerteza que cerca o “novo normal”.

“Em um intervalo de poucas semanas, os sintomas para mim tão familiares das enfermidades mentais se tornaram uma realidade universal”, escreveu o professor de Psicologia e escritor Andrew Solomon, autor do best seller “O demônio do meio-dia”, em artigo publicado no mês de abril no ‘The New York Times’.

Todos os anos, são registrados cerca de 800 mil casos de suicídio no mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde. No Brasil, são cerca de 12 mil. Ainda não é possível saber o impacto da pandemia e de suas consequências sobre essas estatísticas, nem as diferenças entre os países com maior ou menor controle sobre a disseminação do novo coronavírus.

Um estudo publicado na revista Lancet Psychiatry mostrou que 33% dos pacientes internados com a covid-19 têm repercussões psiquiátricas. Outro estudo apontou a incidência desses problemas em 23% dos profissionais de saúde durante a pandemia.

Na mesma revista, um artigo apresentou uma estimativa para o aumento do número de suicídios no mundo em decorrência da perda de empregos. Com base em projeções de desemprego da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os autores estimaram uma alta anual de mais de 2 mil suicídios no melhor cenário, e acima de 9.500 na previsão mais pessimista.

Entre março e abril, primeiro mês de implementação das medidas de quarentena no Brasil, o Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) fez um levantamento em parceria com o Hospital Yale New Haven, dos EUA, e apontou um aumento de mais de 100% nos casos de ansiedade e estresse e de 90% nos registros de depressão.

Recomendações para manter a sanidade

Alguns grupos são mais vulneráveis, segundo os pesquisadores. As mulheres, por exemplo, sentem os efeitos da sobrecarga de trabalho e do desgaste provocados pela sobreposição de tarefas domésticas, cuidado com os filhos e home office. Estatísticas têm mostrado ainda um aumento da violência doméstica durante a quarentena. “O isolamento social desencadeia ao menos tantos distúrbios mentais quanto o medo do vírus em si”, afirmou Solomon.

Foi constatado também maior nível de ansiedade e estresse entre trabalhadores que tiveram de sair de casa, como entregadores e entregadoras, motoristas de ônibus, além dos profissionais e das profissionais de saúde.

Solomon chamou a atenção para uma possível disparada dos casos de transtornos psicológicos e de suicídio sem que isso seja detectado pelos registros oficiais. Além disso, os casos clínicos podem submergir em meio ao turbilhão dos relatos que apareceram na esteira da crise sanitária.

No TRF-3, por exemplo, a demanda de atendimentos da área psicossocial aumentou muito durante a quarentena, segundo informou a médica Rosely Timoner Glezer, diretora de Assistência à Saúde do Tribunal, ao participar em agosto do 3o Seminário sobre a Saúde de Magistrados e Servidores do Poder Judiciário. “As pessoas tinham medo de sair à rua, de entrar nos prédios, de voltar a trabalhar; começaram a hipervalorizar alguns sintomas, somatizar; e houve aumento dos conflitos familiares”, relatou a médica no evento, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Mesmo nessa situação, o Tribunal determinou, a partir de 27 de julho, a retomada gradual das atividades presenciais, sem estrutura de segurança sanitária nas unidades judiciárias e antes do controle dos índices de contágio no estado. O Sindicato vem denunciando esta política, que aumenta o medo e as preocupações dos trabalhadores da Terceira Região e da Justiça Federal em São Paulo e no Mato Grosso do Sul.

Entre as recomendações dos especialistas para atravessar a pandemia sem comprometer a saúde mental estão: não se expor em demasia ao noticiário sobre a covid-19, manter algum contato com amigos e parentes, alimentar-se de forma equilibrada, fazer exercícios físicos moderados e reservar tempo para o ócio e o lazer.

“Manter rituais é uma forma de se preservar”, acrescentou Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), numa entrevista à revista ‘Exame’. “Durante a quarentena, muitas pessoas podem ter adquirido costumes prejudiciais, como acordar tarde, passar a madrugada vendo séries com frequência, etc”, apontou. “Isso sem falar no abuso de substâncias como álcool e outras drogas, que também afetam a saúde mental.”

Para quem está no home office, a principal recomendação é manter uma rotina de forma a não permitir que o horário de trabalho invada o tempo das tarefas domésticas e o do descanso. Uma pesquisa sobre saúde na pandemia realizada pelo próprio CNJ verificou aumento do tempo de trabalho e do adoecimento na categoria (saiba mais aqui).

A Associação também tem alertado para a necessidade de políticas públicas que deem conta do aumento de pacientes de saúde mental que virá como mais um dos efeitos da pandemia e que deve perdurar por muito tempo. Isso inclui disponibilizar centros de atenção especializada, medicamentos na rede pública de saúde e profissionais capacitados nos hospitais.

O mesmo alerta foi feito pela Organização Mundial de Saúde, para todos os países, já nas primeiras semanas da crise global.

Servidor aposentado combate a desinformação

O oficial de justiça aposentado do TRT-2 Ivo Oliveira Farias perdeu a filha mais velha em março de 2014 e desde então desenvolve uma militância pela prevenção e posvenção do suicídio, chamando a atenção da sociedade para a gravidade do problema, para a necessidade de preveni-lo e para a importância de cuidar dos que ficam.

Para o Setembro Amarelo deste ano, ele enviou ao Sintrajud o seguinte depoimento, disponível também na página “Luta em Luto”, que o oficial criou no Facebook:

Infelizmente, todo ano, no Setembro Amarelo, [aparece] muita gente, especialmente religiosos, “coaches” e similares, que não se dignam a ler com atenção os textos sérios e comprometidos com o tema, nem assistir às entrevistas e palestras que nós, militantes comprometidos e envolvidos com a Prevenção e Posvenção ao Suicídio, oferecemos.

Tiram suas próprias conclusões a partir apenas da sua própria realidade, e acomodam nas narrativas simplistas de sempre, diagnosticando e oferecendo caminhos e soluções pretensiosas, banalizando uma epidemia milenar, agora não mais silenciosa, mas ainda incompreendida.

A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Centro de Valorização da Vida (CVV) mantêm o site oficial da campanha Setembro Amarelo, com informações sobre a prevenção e a posvenção do suicídio e sobre onde buscar ajuda.

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