Setembro Amarelo: aumento de casos acende a discussão sobre suicídio


27/09/2017 - helio batista

Em 172 países, setembro é o mês de fazer campanhas contra a barreira do silêncio em torno do suicídio, que mata 800 mil pessoas por ano no mundo, segundo dados de 2014 da Organização Mundial de Saúde (OMS). Naquele ano, o Brasil aderiu ao Setembro Amarelo – mês Internacional de Prevenção e Pósvenção ao Suicídio.

O país tem cerca de 30 casos de suicídio por dia e o número vem aumentando, de acordo com o primeiro boletim epidemiológico sobre  suicídio, divulgado na semana passada pelo Ministério da Saúde. O total passou de 10.490 casos em 2010 para 11.736 em 2015 (crescimento de 12%). Entre os jovens brasileiros de 15 a 29 anos, o problema já é a quarta maior causa de morte.

No mesmo ano em que o Brasil aderiu ao Setembro Amarelo, Ariele Farias cometeu suicídio, aos 18 anos, no dia 13 de março de 2014. Era a filha mais velha do oficial de justiça aposentado Ivo Oliveira Farias (foto abaixo), um dos fundadores do Sintrajud.

“Desde então abracei essa causa”, diz o ex-servidor do TRT, ao contar sua luta para conviver com a própria dor e chamar a atenção da sociedade – não apenas para o drama dos suicidas como também para o sofrimento dos enlutados. No próximo dia 30, Ivo será um dos palestrantes do 1º Simpósio Paulista de Prevenção e Pósvenção ao Suicídio, no Centro Universitário São Camilo.

Primeiro passo é conversar

Ivo e os especialistas no tema concordam que o primeiro passo para estancar o crescimento da taxa de suicídios é superar preconceitos e conversar abertamente sobre o assunto. “Quando uma pessoa diz que quer se matar, temos de acreditar, a maioria dá sinais”, alerta o oficial de justiça. “As pessoas não se matam porque querem morrer, mas para acabar com a dor”, afirma.

“O que mais me impressiona é que 90% dos casos são reversíveis”, ressalta o jornalista, consultor, palhaço e palestrante Anderson Mendes, fundador do Instituto Gente Feliz e autor do livro “Depressão não é frescura”.

Anderson perdeu dois familiares para o suicídio e hoje dá palestras bem-humoradas (que ele chama de “paliestras”, porque se apresenta como palhaço) sobre temas como saúde mental e emocional, adolescência, afetividade e depressão.

“Meu trabalho é fazer as pessoas se identificarem com as situações que descrevo”, afirma Anderson, que se apresenta em empresas, hospitais, presídios, em instituições como o Centro de Valorização da Vida (CVV) e em eventos, como o último Congresso Nacional dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais (Conojaf, foto ao lado). “Procuro mostrar que a dor pode ser uma mola de propulsão para a vida”, acrescenta.

Grupos de risco

A dor de Ivo Farias deu impulso para o que ele considera a luta mais importante da atual etapa de sua vida, uma militância na qual pretende aproveitar o que aprendeu no ativismo sindical. “Lutar é a forma que encontrei para me fortalecer, já que o luto por suicídio em geral não  termina e, muitas vezes, aumenta.”

Um dos seus objetivos é encorajar outros enlutados a procurar ajuda.  Ele mesmo frequenta reuniões de três grupos de apoio: o do CVV Abolição, no centro da capital, e os do Instituto Vita Alere, coordenado pela psicóloga Karen Scavacini, em São Paulo e nas dependências da subsede do Sintrajud em Santos.

“Nos primeiros meses [após a morte da filha], eu gritava, sem conseguir chorar; tinha ideação suicida, muita dor, desânimo”, afirma. “Resolvi lutar abrindo mão do anonimato, oferecendo-me para entrevistas, gravações e filmagens.”

Ivo também aconselha os enlutados a procurar tratamento  psicológico e psiquiátrico, além de se informar sobre o tema, buscar outras terapias, fazer meditação e praticar a religiosidade “ativa e participante”, caso a pessoa professe alguma religião. Outra dica é “exercitar o ‘amor em ação’, doando-se a uma causa, ao voluntariado, etc.”

Além dos enlutados, os principais grupos de risco para o suicídio são formados pelas pessoas que já tentaram tirar a própria vida, além de jovens e idosos. Um grupo altamente vulnerável é o dos indígenas, que tem buscado no suicídio uma saída para o desespero causado pelas inúmeras violações de seus direitos.

A taxa de suicídios é maior entre os homens (79% dos casos), mas há um crescimento das mortes de mulheres. Além disso, há casos de homossexuais que recorrem ao suicídio quando se veem rejeitados e discriminados pela família e pela sociedade. A recente decisão da Justiça de permitir que psicólogos ofereçam a chamada “cura gay” pode aumentar a pressão sobre essas pessoas.

Trabalho, desemprego e suicídio

O sofrimento no trabalho é outro importante fator de risco, segundo o psicólogo Daniel Luca (foto à esq.), assessor do Sintrajud na área de saúde do trabalhador.

O estresse, o assédio moral, a falta de controle sobre o próprio trabalho, o sentimento de injustiça e a ruptura dos laços sociais e da solidariedade entre colegas são alguns dos elementos que afetam a saúde dos trabalhadores. “A agressividade e a violência no trabalho, por exemplo, são vistas como normais, banalizadas”, afirma o psicólogo.

Segundo Anderson Mendes, uma pesquisa no Reino Unido mostrou que 70% dos gestores não considera os problemas de saúde mental e emocional como motivos para faltas ao trabalho. “A maioria prefere substituir o funcionário que tem esse problema, até porque a depressão, por exemplo, é uma doença cíclica.”

Por outro lado, a falta de emprego também abala o equilíbrio emocional das pessoas e aumenta o risco de suicídio, como mostram pesquisas feitas em países atingidos por crises econômicas. Em Portugal, entre 2008 e 2012 a taxa de suicídio subiu 22,6% em relação ao início daquela década.

Daniel adverte, porém, que o aumento do risco de suicídios não deve ser visto como consequência “natural” das crises econômicas.  A existência de políticas públicas e de uma rede de apoio e assistência pode conter esse risco.

“Precisamos discutir mais a fundo o tema da saúde mental em todos os âmbitos”, defende o psicólogo. “Tanto porque isso envolve uma melhoria na qualidade de vida de todos, como também porque é capaz de, em casos extremos, salvar vidas.”

Veja o programa “Caminhos da Reportagem”, da TV Brasil, sobre o suicídio (com depoimento de Ivo Farias).

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