Senado rejeita MP do governo Bolsonaro que autorizava trabalho análogo à escravidão


01/09/2021 - Shuellen Peixoto
Medida, conhecida como ‘minirreforma trabalhista’, permitia redução salarial e contratação fora das regras da CLT e será arquivada; derrota do governo é comemorada pelas centrais e entidades sindicais de base.

O Senado Federal impôs uma importante derrota ao governo de Jair Bolsonaro nesta quarta-feira, 1º de setembro. A  Medida Provisória do Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (MP 1045/2021) — nova ‘reforma’ trabalhista, que retirava uma série de direitos e permitia redução salarial e condições de contratação aviltantes — foi rejeitada por 47 votos contra 27.

A MP tinha sido aprovada na Câmara dos Deputados no dia 10 de agosto, e visava a reintrodução do programa de redução salarial e suspensão de contratos de trabalho criado em 2020, logo no início da pandemia, ao qual foram adicionadas diversas emendas que mudavam a legislação trabalhista.

Para a diretoria do Sintrajud, a medida representava um ataque gravíssimo aos trabalhadores brasileiros, que poderiam ver sua renda reduzida em um período de aumentos drásticos nos preços dos alimentos, tarifas de energia elétrica, combustíveis e gás de cozinha, além de condições de contratação aviltantes. A MP que renovava a extinta ‘Carteira Verde e Amarela’ proposta pelo governo Bolsonaro, que foi deixada caducar pelo parlamento, voltou à análise num ano em que o desemprego cresceu e o trabalho sem carteira assinada teve um aumento de 5 milhões de pessoas nos últimos 12 meses.

Com a criação dos programas Priore (Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego) e Requiq (Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva), na prática a MP autorizava que as empresas contratassem jovens de 18 a 29 anos, ou pessoas com mais de 55 anos e desempregados há mais de dois anos, sem vínculo trabalhista, férias, FGTS ou 13° salário, e com baixos salários.

O acesso à Justiça gratuita também era atacado, já que a MP limitava esse direito a pessoas com renda familiar de até três salários mínimos. E o pagamento de horas extras, hoje fixado constitucionalmente em pelo menos 50%, seria reduzido para 20% da hora-salário.

No dia 16 de agosto, representantes das centrais sindicais cobraram em reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-DF) , a rejeição da medida e entregaram nota unitária de repúdio à MP 1.045, destacando a profundidade dos ataques aos direitos trabalhistas. A vitória desta mobilização anima as entidades organizadoras da luta contra a ‘reforma’ administrativa (PEC 32/2020), que traz para os servidores alguns ataques similares à MP, como a redução salarial de até 25%, a possibilidade de contratações em regime precário.

 

Porque o Senado rejeitou a MP 1.045

Apesar do perfil conservador e patronal, nem mesmo o Senado Federal viu condições de aprovar a Medida Provisória que trazia mudanças draconianas para a legislação trabalhista. Veja abaixo os principais ataques embutidos no texto.

Redução de salários e suspensão de contratos: As empresas poderiam reduzir em 25%, 50% ou 70% os salários dos trabalhadores ou suspender contratos de trabalho, por até 120 dias.  A União faria a complementação parcial do salário do trabalhador, com base no que ele teria a receber a título de seguro-desemprego (entre R$ 1.100 e R$ 1.911,84). Os acordos individuais ficavam autorizados em empresas com receita bruta superior a R$ 4,8 milhões, para trabalhadores que recebessem até R$ 3.300. Em pequenas e médias empresas (receita bruta inferior a R$ 4,8 milhões) ficariam autorizados acordos individuais para trabalhadores com vencimentos de até três salários mínimos e para quem recebe duas vezes ou mais que o teto do Regime Geral da Previdência Social.

PRIORE: O Programa era voltado a jovens de 18 a 29 anos que procuram o primeiro emprego e trabalhadores com mais de 55 anos que estejam sem vínculo formal há mais de um ano. O contrato poderia ser de até 24 meses, com jornada de até 44 horas semanais, para até 25% do total de empregados da empresa nesta nova modalidade, com salário mensal de até dois salários mínimos.  O recolhimento do FGTS seria reduzido. Ao invés dos 8% atuais, microempresas recolheriam apenas 2%; empresas de pequeno porte, 4%; e as demais, 6%. Os trabalhadores contratados por meio do Priore receberiam o BIP (Bônus de Inclusão Produtiva), com valor equivalente ao salário mínimo/hora, limitado a 11 horas semanais. Não haveria direito ao pagamento da multa do FGTS em caso de demissão ou seguro-desemprego.

REQUIP: Este Programa também seria voltado a jovens com idade entre 18 e 29 anos, trabalhadores sem registro em carteira há mais de dois anos ou trabalhadores de baixa renda cadastrados em programas de transferência de renda. A jornada poderia ser de até 22 horas semanais, sem nenhum vínculo ou direito trabalhista. O contratado receberia uma bolsa de R$ 440, metade paga pela empresa e a outra metade pela União através do BIQ (Bolsa de Incentivo à Qualificação), sem direito a FGTS, 13° salário ou seguro-desemprego. Não haveria também pagamento de férias, apenas direito a um recesso de 30 dias por ano, não-remunerado. As empresas teriam de oferecer cursos de qualificação, que poderiam ser realizados em convênio com o Sistema S ou empresas privadas, inclusive à distância, com direito a abatimentos no pagamento de impostos e taxas como o IRPJ ou CSLL.

DESCARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO: A MP ainda definia habitação, roupa e outros itens “in natura” como pagamento de salário, descaracterizando o que configura trabalho escravo nas fiscalizações do Ministério do Trabalho e legalizando prática comum no agronegócio brasileiro, onde pessoas têm sido resgatadas da exploração em condições aviltantes em troca de comida, roupas e alojamentos insalubres.

ENFRAQUECIMENTO DA FISCALIZAÇÃO: Além de tudo isso, a Medida Provisória também estabelecia o critério de “dupla visita”, pelo qual a empresa só seria autuada a partir da segunda verificação de irregularidades. Se o fiscal descumprisse a regra e multasse a empresa na primeira fiscalização, o auto de infração seria anulado.

RESTRIÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA TRABALHISTA: A MP criava ainda várias exigências para caracterizar a hipossuficiência (carência financeira) do trabalhador, o que hoje pela legislação nacional garante o direito à Justiça gratuita. Na prática, dificultava que o trabalhador pudesse reivindicar seus direitos.

REDUÇÃO DE HORAS EXTRAS: O adicional de horas extras para jornadas diferenciadas (para categorias como bancários, operadores de telemarketing e jornalistas) seria reduzido para apenas 20%.

* Com informações da CSP-Conlutas

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