O alerta foi dado no seminário “O Fim do Regime Jurídico Único das(os) Servidoras(es) Públicas(os): A EC 19/98 e a ADI 2135”, organizado pela Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, no auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados, em Brasília, no dia 11 de março de 2025. A atividade transcorreu durante uma jornada de mobilização dos servidores públicos federais.
“As palestras foram muito contundentes no sentido de que a quebra do RJU vai fragilizar e desmontar os serviços público e que isso vem desde do Bresser Pereira, vem desde Fernando Henrique e ficou pendente 20 anos por conta de uma liminar”, observa o servidor Ciro Manzano, da Justiça Eleitoral em São Paulo e dirigente do Sintrajud. O dirigente também ressalta outro aspecto levantado no seminário: o risco de o esvaziamento das contratações pelo RJU impactar os regimes próprios de Previdência dos servidores estatutários.
Ciro participou do seminário, que analisou os impactos da recente decisão do Supremo Tribunal Federal que validou esse aspecto da ‘reforma’ administrativa do governo de Fernando Henrique Cardoso (Emenda Constitucional 19, de 1998), que permite a contratação de servidores também pelo regime celetista. O Sintrajud foi representado ainda pela servidora Rosana Nanartonis, diretora do Sindicato e aposentada do TRE-SP.
Assista à gravação do seminário sobre o RJU
‘RJU é uma conquista da sociedade”
Um dos debatedores, o advogado e assessor de entidades sindicais Luiz Fernando Silva, abordou as origens do Regime Jurídico Único para criticar a permissão dada para a contratação via CLT. Disse que é bom recordar os motivos que levaram o legislador constituinte a decidir pela instituição de um só regime jurídico de ingresso no serviço público e de relação jurídica entre servidores e administração.
Nas décadas de 1970 e 1980, disse, havia servidores sob o antigo regime estatutário (Lei 1.711) e celetistas. “A partir do Regime Militar, recrudesceram as contratações pela CLT. E tínhamos já naquela época algo que ainda era embrionário de terceirização de atividade de apoio: o cafezinho, a limpeza. Mas só a diferença entre estatutários da [Lei] 1.711 e servidores celetistas já causava à época uma dificuldade enorme de gestão pública, porque eram direitos absolutamente distintos”, relatou Luis Fernando, que é membro do Coletivo Nacional de Advogados e Entidades do Serviço Público.
“Você tinha na mesma sala, fazendo exatamente a mesma função, servidores com salários diferenciados entre si e sobretudo direitos funcionais completamente diferentes. Isso dificultava não só o espírito de equipe na produção do serviço público, na qualidade do serviço público, mas também no próprio desempenho desse serviço público. E em última análise dificultava a qualidade desse serviço prestado à população. Então, o RJU, eu diria, não foi só uma conquista do movimento dos servidores, foi uma conquista da sociedade no processo constituinte”, sustentou.
Representante do Ministério da Gestão
O representante do governo federal, o economista José Celso Cardoso Júnior, secretário de Gestão de Pessoas, do Ministério da Gestão e da Inovação do Serviço Público, também criticou a quebra do RJU. “Essa pluralidade de regimes em cada nível federativo, inclusive em cada esfera de poder, pode gerar, e deve gerar, uma situação de muita fragmentação, de muita heterogeneidade, de muita desigualdade no interior do setor público em termos das formas de contratação, remuneração, representação sindical, em termos inclusive das formas de proteção laboral e social desses trabalhadores”, disse.
Previdência
Economista e supervisora do Escritório Regional do Dieese no Distrito Federal, Mariel Lopes alertou para a ameaça que também paira sobre os regimes próprios de Previdência Social dos servidores. “A gente vai ter por volta de 100 a 200 mil aposentadorias na próxima década só no serviço público federal executivo. E o que acontece com essas pessoas que vão se aposentar? Elas trabalharam no Regime Jurídico Único, vão se aposentar e começar a aproveitar a aposentadoria. E o que a gente vê? Se a gente não tiver mais servidores no Regime Jurídico Único, o que vai acontecer daqui a 10, 15, 20 anos? Quem vai pagar contribuições enquanto está trabalhando como servidor público estatutário para manter essas pessoas aposentadas?”, questionou.
Mobilização
O seminário também debateu iniciativas para enfrentar o julgamento do Supremo. Além da apresentação de embargos assim que a decisão for publicada, a deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA), que preside a Frente Parlamentar do Serviço Público, mencionou a defesa de uma proposta de emenda constitucional que restitua o regime estatutário como único possível nas contratações, sem deixar de ressaltar que isso só será viável com muita mobilização, face o perfil atual do Congresso Nacional.“Essa decisão do Supremo levará, mesmo que não esteja escrito, ao fim do RJU, porque você quando o flexibiliza facilita novas portas de entrada”, disse.
Deve ganhar peso ainda a luta para que os gestores convoquem concursos públicos somente pelo regime estatutário. É uma disputa, sabe-se, difícil e que certamente exigirá forte mobilização, pois a fragmentação já é incentivada pela maior parte das administrações públicas. Por outro lado, como ressaltado por debatedores, estará possivelmente em jogo as próprias carreiras das categorias. É, portanto, uma luta inevitável pela sobrevivência dos servidores públicos.