Sampaprev: Prefeitura e CMSP atropelam regimento às vésperas do Natal


22/12/2018 - Luciana Araujo

Não há lembrança recente de tanta ‘dedicação ao trabalho’ dos vereadores paulistanos para votar um projeto de lei. Aos 40 minutos deste sábado, após uma sessão que durou mais de cinco horas, a Câmara Municipal da Capital aprovou em primeira votação o PL 621/2016. O projeto de lei que ‘reforma’ a previdência municipal recebeu 33 votos a favor e 16 contra.

A sessão teve direito a agressão física entre parlamentares e da Guarda Municipal contra servidoras que se negavam a deixar o plenário porque ainda estavam inscritas para falar na audiência pública realizada na parte da tarde, bruscamente encerrada pelo presidente da Câmara, vereador Milton Leite (DEM), às 18 horas. A manobra garantiu que formalmente o regimento tenha sido cumprido.

“As pessoas que estavam lá, o sentimento geral era de muita indignação. O ato foi chamado para as 13 horas, ficaram discutindo o texto, suspenderam a sessão e depois começaram outra à meia-noite e cinco. Todo mundo saiu de lá convencido de que é difícil, mas vai ter luta contra esse projeto. Todo mundo está se preparando para um 2019 bastante difícil”, declarou a diretora do Sintrajud e servidora do TRF Luciana Carneiro. Ela participou da manifestação dos servidores municipais que aconteceu durante as 12 horas em que havia expectativa de que o projeto não fosse a voto. Apesar do esvaziamento da cidade, devido às festas e ao fato de que muitos servidores viajaram para outras cidades a fim de passar o fim de ano com as famílias, à noite ainda havia cerca de 500 pessoas em frente a Câmara.

“O governo se mobilizou para conseguir aprovar o projeto, inclusive com o retorno de três secretários aos mandatos de vereador para votarem a favor da proposta. Nós tentamos garantir a realização da audiência pública e impedir que servidoras fossem tratadas inadequadamente”, relatou o vereador Eduardo Suplicy (PT). O vereador, aos 77 anos, colocou-se entre funcionárias municipais e guardas que retiraram à força cidadãos da “Casa do Povo”.

Do lado de fora, portões trancados e forte aparato policial, inclusive com a tropa de choque da GCM (o IOPE).

Confisco e privatizações

O texto votado eleva de 11% para 14% a alíquota previdenciária descontada dos servidores. Além disso, autoriza o uso de recursos advindos de privatizações para, em tese, fortalecer o caixa da previdência municipal. O que vai ser depois usado como argumento para fazer andar o plano de desmonte do patrimônio da capital paulista deixado por Doria e que agora o prefeito Bruno Covas (PSDB) tenta retomar.

“A gente fez uma greve super forte em março, conseguimos barrar o Sampaprev, ganhamos o debate público na sociedade e os vereadores foram obrigados a recuar. Agora fizeram a canalhice de recolocar o projeto, no final do ano, no apagar das luzes, na véspera de Natal. Criaram uma comissão fake que não discutiu e não cumpriu nem o cronograma que eles mesmos estabeleceram e fizeram uma audiência pública, ontem, marcada pela truculência”, relata a professora e diretora do Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem) Laura Cymbalista.

O relator do PL 621/2016 é o vereador Fernando Holiday (DEM) e Janaína Lima (Novo) presidiu a Comissão de Estudos da Reforma da Previdência na Casa.

Novo ato dia 26

A derrota na batalha de ontem não fez os trabalhadores municipais entregarem os pontos. A guerra ainda está em curso. E na quarta-feira (26 de dezembro), às 10 horas, os servidores convidam toda a sociedade paulistana a somar esforços para evitar a aprovação do Sampaprev em segundo turno.

“Os servidores estavam em peso em frente à Câmara, mesmo sendo 21 de dezembro. Passamos o dia e ficamos até à noite. E a segunda votação vai ser agora no dia 26, um dia depois do Natal, às 10 da manhã. A categoria vai estar lá novamente, e queremos contar com a solidariedade de outras categorias para estarem conosco, em defesa da aposentadoria e contra o confisco salarial”, completa Laura.

Quanto maior a mobilização, mais difícil será o governo extrapolar nos métodos repressivos. A violência policial gerou enorme desgaste em 14 de março deste ano, quando tentou-se pela primeira vez aprovar a ‘reforma’ da Previdência municipal.

Na ocasião, a professora Luciana Xavier teve o nariz quebrado por um GCM dentro do Salão Nobre da Câmara e o Centro da cidade virou um cenário de guerra, mas o governo e os vereadores tiveram que recuar. Foi a principal derrota do autor do projeto, o então prefeito João Doria (PSDB).

No mês passado, mais uma vez os servidores foram vitoriosos e impediram nova tentativa de aprovar o projeto com mobilização. Apesar da manobra dos vereadores de antecipar para um dia antes do previsto a instalação da Comissão de Estudos da Reforma da Previdência Municipal.

Interesse público

Todo funcionário público, de qualquer esfera de poder da República, tem interesse especial na votação desta quarta-feira. Caso seja aprovada a majoração da alíquota para os servidores da principal capital do país, será mais fácil expandir o ataque a todo o funcionalismo em nível nacional. Por isso, a diretoria do Sintrajud convida os colegas do Judiciário Federal no Estado de São Paulo a participar do ato no dia 26.

“Eles estão tentando fazer o que já foi aprovado no Rio. No dia 26 vai ter que ter muito mais gente para derrotar esse projeto. Com certeza, se aprovar vai gerar um efeito cascata. Eles querem naturalizar essa lógica de aprovar nos municípios e depois chegar no nível federal, que atinge diretamente a nossa categoria. Com certeza, a luta dos municipais é nossa luta e temos que aproveitar esse momento para unificar a resistência”, ressalta o servidor do TRT e diretor do Sindicato Henrique Sales Costa, que também participou da manifestação nesta sexta.

Irregularidades

O vereador Toninho Vespoli (PSOL) informou à reportagem do Sintrajud que acionará o Ministério Público contra as irregularidades regimentais na votação do projeto.

Matéria publicada no site da Câmara Municipal quando foi constituída a Comissão de Estudos da Reforma atesta que o cronograma de trabalho do colegiado deveria seguir até o dia 26. “As próximas reuniões da Comissão, entre ordinárias e extraordinárias, foram marcadas para os dias 07, 10, 11, 13, 18 e 26 de dezembro, sempre às 11h, no Plenário 1º de Maio, na Câmara”, informa a matéria do dia 4 de dezembro.

Só depois de cumprir os prazos de debate e após duas audiências públicas poderia ter sido iniciada a votação do PL.

“A Comissão é totalmente irregular. Pedimos um parecer à Procuradoria da Câmara e recebemos como resposta que era uma comissão “sui generis“, porque evidentemente não atendia ao Regimento. Uma Comissão de Estudos na Câmara tem que ser votada em plenário, ter um representante de cada uma das sete comissões permanentes na Casa. Essa não foi votada no Plenário e só tinha membros de quatro comissões permanentes, nas quais o governo tem maioria. Além disso, esse tipo de projeto para ser votado tem que passar por duas audiências públicas. Na primeira, eles encerraram a audiência antes de todas as pessoas inscritas falarem. E, nessa segunda, deram apenas 57 senhas para cada lado – contra ou a favor -, mesmo assim tinha muitos lugares vazios no plenário. A participação das pessoas foi restringida e isso não pode acontecer em audiências públicas. Normalmente, nesses casos, os portões ficam abertos, são colocados telões em todos os plenários e as pessoas podem se inscrever mesmo estando em espaços diferentes porque a lista de inscrições é controlada por servidores da Casa. A comissão foi fake, as audiências foram feitas simplesmente para fazer de conta que estavam sendo cumpridos os procedimentos regimentais, só para votar o projeto”, relata Vespoli.

Além do regimento, o vereador lembra que foi rompido também o compromisso de assegurar que a votação da ‘reforma’ previdenciária municipal respeitasse o debate público.

“Quando eles perderam a votação do projeto, em março, o [presidente da Câmara] Milton Leite (DEM) fez um acordo que não foi só com os servidores, mas com toda a sociedade, de suspender a discussão por 120 dias. Já em julho ele tentou formar a Comissão, discutir periodicidade das reuniões etc. Mas houve rejeição no Colégio de Líderes e ele viu que não era o momento, até por causa das eleições. Agora, agiu dessa forma”, conclui Toninho.

Votação do PL 621/2016

Confira abaixo os vereadores que votaram favoravelmente ao Sampaprev na sessão desta madrugada. São eles: Adilson Amadeu (PTB), Adriana Ramalho (PSDB), Aline Cardoso (PSDB), André Santos (PRB), Atílio Francisco (PRB), Aurélio Nomura (PSDB), Dalton Silvano (DEM), Daniel Annerberg (PSDB), Edir Sales (PSD), Eduardo Tuma (PSDB), Fabio Riva (PSDB), Fernando Holiday (DEM), George Hato (MDB), Gilson Barreto (PSDB), Isac Felix (PR), Janaína Lima (Novo), João Jorge (PSDB), José Police Neto (PSD), Mário Covas Neto (Podemos), Milton Ferreira (Podemos), Milton Leite (DEM), Noemi Nonato (PR), Ricardo Nunes (MDB), Ricardo Teixeira (Pros), Rinaldi Digílio (PRB), Rodrigo Goulart (PSD), Rute Costa (PSD), Sandra Tadeu (DEM),  Soninha (PPS), Souza Santos (PRB), Toninho Paiva (PR), Tripoli (PSDB) e Zé Turin (PHS).

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