Salário mínimo, abono salarial, BPC: na prática, ajuste fiscal do governo sacrifica trabalhadores e mais pobres


29/11/2024 - Redação
Impacto maior do ajuste recai sobre criação de teto para reajuste do salário mínimo
Depois de semanas de suspense, o governo Lula finalmente anunciou o pacote de ajuste fiscal com cortes no orçamento federal, estimado em R$ 70 bilhões nos próximos dois anos. Até 2030, contudo, a cifra chega a R$ 327 bilhões.

Depois de um pronunciamento do ministro Fernando Haddad na TV, na noite de ontem (27), que tentou capitalizar a mudança na faixa de isenção do Imposto de Renda, mas não detalhou o pacote, na manhã desta quinta-feira (28), a equipe econômica apresentou parte das medidas, mas ainda há lacunas importantes na explicação sobre os impactos reais.

O que já está claro, no entanto, é que o ajuste fiscal penalizará diretamente os trabalhadores e os setores mais vulneráveis da população.

O pacote traz “perfumarias”, como a atualização da faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil e tímidas medidas em relação aos militares, mas as medidas “de peso” apontam para um cenário de retrocessos nos direitos sociais.

Entre os principais pontos estão a criação de um teto para reajuste do Salário Mínimo, de onde virá o grosso do ajuste fiscal e afetará de forma direta ou indireta os trabalhadores e outros benefícios, como seguro-desemprego e aposentadorias, por exemplo. Em 2025, o corte significará R$ 2,2 bilhões a menos; em 2026, a cifra aumenta para R$ 9,7 bi, aumentando progressivamente, até chegar a R$ 35 bilhões, em 2030.

Há também restrições no acesso ao Abono Salarial e na concessão do BPC (Benefício de Prestação Continuada, pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda); criação de gatilhos para limitar o reajuste de servidores públicos e realização concursos, entre outros (confira ao final deste texto).

Dois mecanismos também representam uma “pegadinha” fiscal que pode retirar ainda mais dinheiro de investimentos sociais: a prorrogação da DRU (Desvinculação de Receitas da União, que permite que o governo redirecione até 30% das receitas para gastar livremente) e uma proposta de “revogação do dever de execução do orçamento”.

Tudo em nome do arcabouço fiscal

O pacote visa cumprir as regras do arcabouço fiscal e pagar os juros e amortizações da fraudulenta Dívida Pública, ou seja, garantir os lucros de banqueiros e especuladores.

O arcabouço fiscal, política criada no início do atual mandato de Lula cuja lógica é “ser mais realista que o rei”, impõe rígidas regras que estão sufocando o orçamento público com constantes cortes no Orçamento e retirada de direitos.

Na semana passada, o governo ampliou os cortes deste ano de R$ 13 bilhões para R$ 19 bilhões. Um verdadeiro “calabouço fiscal”, que transfere para os trabalhadores o ônus de um ajuste desenhado para atender aos interesses do mercado financeiro.

Congresso pode piorar

As medidas serão enviadas ao Congresso ainda esse ano sob a forma de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) e projetos de lei. E é na Câmara e no Senado, dominado por uma maioria de parlamentares que defendem os interesses de setores financeiros, empresariais e do agronegócio, que a coisa por piorar ainda mais.

A postura do governo de Frente Ampla de Lula-Alckmin, marcada por uma política de conciliação e concessões ao Centrão e à direita, pode resultar num aprofundamento das medidas de austeridade e retirada de direitos, agravando ainda mais os prejuízos à classe trabalhadora.

Um grupo de deputados bolsonaristas e da ultradireita, por exemplo, já se articula para apresentar um pacote de ajuste fiscal “alternativo” com medidas que chegaram a ser cogitadas por Haddad, como a desconstitucionalização dos pisos da Saúde e da Educação e desvinculação das aposentadorias do reajuste do salário mínimo.

Abaixo o arcabouço fiscal!

O pacote anunciado pelo governo Lula é um exemplo contundente de como a lógica de ajuste fiscal prioriza os interesses dos bilionários em detrimento das demandas dos trabalhadores e dos mais pobres.

O endurecimento das regras do BPC e o controle dos reajustes do salário mínimo, por exemplo, atingem diretamente aqueles que já vivem em situação de vulnerabilidade.

Enquanto o governo usa o discurso de “equilibrar as contas públicas” e impõe cortes e retiradas de direitos, mantém intocável o pagamento da Dívida Pública, que consome mais de 40% do Orçamento do país.

É urgente que as centrais sindicais parem de se atrelar e blindar o governo Lula e assumam a defesa dos interesses da classe trabalhadora. É preciso construir uma forte e ampla mobilização contra o arcabouço fiscal que, ao final, acabará pavimentando espaço para o crescimento da ultradireita.

Para barrar esse cenário de retrocessos, será necessária uma mobilização massiva, unindo trabalhadores, movimentos sociais e organizações populares. A luta pelo fim do arcabouço fiscal não é apenas urgente, é indispensável para garantir condições dignas de vida para o povo brasileiro.

  • Entenda o pacote fiscal anunciado pelo governo (com informações Agência Brasil):

Salário mínimo

A política de reajuste do salário mínimo, que atualmente considera a inflação (INPC) mais o crescimento do PIB de dois anos anteriores, será limitada pelo arcabouço fiscal. Assim, o aumento real não poderá ultrapassar 2,5% ao ano, com um mínimo de 0,6%. Para 2025, o salário mínimo será de R$ 1.515, uma redução de R$ 6 em relação ao que seria aplicado pela regra atual.

Abono salarial
Hoje o benefício equivale a um salário mínimo e é pago para trabalhadores que ganham até dois salários mínimos. Haverá uma transição, com redução gradativa, para que o abono seja concedido apenas a quem receber até um salário e meio.

BPC

O Benefício de Prestação Continuada terá novos critérios, como prova de vida anual e biometria para concessão e atualização cadastral. Passará a considerar a renda de parentes não coabitantes no cálculo de elegibilidade. Além disso, será obrigatório atualizar cadastros com mais de dois anos de desatualização. Essas regras tornarão o acesso ao BPC mais restritivo.

Bolsa Família

Foco no registros de famílias unipessoais. As atualizações cadastrais passarão a ser feitas presencialmente, com uso de biometria. Concessionárias de serviços públicos terão que compartilhar dados para o cruzamento de informações, intensificando a fiscalização. Assim como o BPC, o Bolsa Família também será alvo de operações pente-fino.

Gastos com pessoal

A partir de 2027, se as despesas discricionárias (não obrigatórias) caírem, será vedado aumento real para o funcionalismo acima de 0,6%.

Novo Vale Gás e Pé-de-Meia

Ambos os programas também passarão a estar sob as regras do arcabouço fiscal. O Vale Gás será transferido para o Ministério de Minas e Energia e o Pé-de-Meia para o Ministério da Educação.

Fundeb

Obrigatoriedade de que 20% do Fundeb seja usado para criar e manter matrículas em tempo integral na educação básica.

Lei Aldir Blanc

A continuidade dos repasses anuais de até R$ 3 bilhões aos estados e municípios dependerá da execução total dos recursos no ano anterior.

Concursos públicos

Provimento de cargos e concursos em 2025 serão escalonados, ajustando as contratações à capacidade fiscal do governo.

Prorrogação da DRU

A Desvinculação de Receitas da União foi prorrogada até 2032, permitindo que até 30% das receitas vinculadas sejam usadas livremente pelo governo.

Dever de execução

O orçamento deixará de ter caráter obrigatório, dando ao governo maior liberdade para remanejar recursos e ajustar despesas em função da disponibilidade financeira.

Previdência dos militares

Entre as mudanças, está o fim da “morte ficta”, que permite que famílias de militares expulsos recebam pensão como se o militar estivesse morto. Outros ajustes incluem a padronização da contribuição para o Fundo de Saúde em 3,5%, extinção da cota de transferência de pensão; e introdução gradual de idade mínima para a reserva remunerada até chegar aos 55 anos.

Supersalários

Lista de exceções ao teto remuneratório nacional passará a ser definida por lei complementar. Medida vale para todos os poderes e todas as esferas: federal, estadual e municipal.Emendas parlamentares

Emendas parlamentares

Haverá um limite de crescimento real das emendas não impositivas ao orçamento. Metade dos valores das emendas de comissão serão destinadas ao SUS; A partir de 2026, limite para as emendas individuais e de bancadas estaduais deve seguir as regras do arcabouço fiscal, com alta real entra 0,6% e 2,5%; Emendas de comissão serão corrigidas apenas pela inflação a partir de 2026.

Isenções fiscais

A criação ou ampliação de benefícios tributários será proibida nos anos em que houver déficit primário. Em 2023, os incentivos fiscais somaram R$ 519 bilhões.

—————-

Foto: Os ministros, Esther Dweck (Gestão), Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil) e Simone Tebet (Planejamento) durante coletiva para explicar o pacote de gastos do governo (Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil).

*Da CSP-Conlutas

TALVEZ VOCÊ GOSTE TAMBÉM