Reforma trabalhista acentua individualismo e afeta a saúde, dizem intelectuais


31/08/2018 - helio batista

Ao transferir a regulação do trabalho da esfera pública para a esfera privada e fazer prevalecer o negociado sobre o legislado, a reforma trabalhista do governo Temer (MDB) resgata um liberalismo que resultou em duas guerras mundiais.

A análise é de Magda Biavaschi, desembargadora aposentada do TRT-4 (Rio Grande do Sul) e pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp. Magda participou de uma das mesas de debate que abriram na segunda-feira, 27, o 5º Congresso Internacional de Ciências do Trabalho, Meio Ambiente, Direito e Saúde. O evento reuniu no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP intelectuais de diversas disciplinas, magistrados e representantes de movimentos sociais e sindicais, entre os dias 27 e 31 deste mês.

Diretores do Sintrajud participam do Congresso, organizado pela Fundacentro em parceria com a Faculdade de Direito da USP e a Associação Brasileira de Advogadas e Advogados Sindicais. A Fundacentro é uma fundação de estudos e pesquisas sobre segurança do trabalho e saúde dos trabalhadores, vinculada ao Ministério do Trabalho.

Adoecimento

“Não adianta escolher pontos da reforma para podermos negociar, porque em seus pressupostos ela é inegociável”, declarou a desembargadora.

A psiquiatra Edith Seligman, professora aposentada da USP e da FGV, destacou outros aspectos do mundo do trabalho no atual cenário de eliminação de direitos, como a difusão da ideia de que a competição é uma “guerra” necessária, a valorização da “flexibilidade”, a busca inglória pela “excelência profissional” e o que chamou de “ideologia do contentamento”.

“É até vergonhoso a pessoa dizer que está cansada, que não dormiu bem à noite e que está ansiosa com o risco de perder o emprego”, disse a psiquiatra. “As empresas fazem pesquisas de satisfação e todos devem dizer que estão contentes”, observou. Segundo Edith, “as pessoas estão se fechando porque não sabem com quem podem contar” e isso tem causado sofrimento e adoecimento.

“Temos estudado os novos tipos de adoecimento que as formas de gerenciamento perversas estão provocando”, afirmou. Edith citou o fenômeno do presenteísmo, que é quando as pessoas comparecem ao trabalho, mas não conseguem se engajar nas atividades.

Justiça Trabalhista e sindicatos

Para o advogado Sílvio Luiz de Almeida, que também participou da mesa, a superação desse cenário depende de uma perspectiva que vá além do Direito. “Tanto as causas como as consequências da crise recaem sempre sobre o indivíduo e nunca são questionadas as estruturas sociais que permitem a repetição dos comportamentos e das relações que desencadeiam as crises”, afirmou.

Os palestrantes concordaram que a existência da Justiça Trabalhista está ameaçada no atual contexto. “Com todas as suas contradições e dificuldades, a Justiça do Trabalho é um espaço de resistência a um capitalismo sem peias e não à toa é a ‘bola da vez’ na reforma trabalhista”, declarou a desembargadora Magda Biavaschi.

O sociólogo Ricardo Antunes, professor da Unicamp, falou sobre a instabilidade cada vez mais presente na vida de trabalhadores de todo o mundo e defendeu a necessidade de “crítica profunda” e de “lutas sociais em escala global”.

Respondendo a uma pergunta da plateia, o sociólogo comentou o papel dos sindicatos. “Temos de lutar para que os sindicatos sejam mais compatíveis com as profundas mudanças do século 21”, declarou. “São ferramentas enferrujadas, mas que não podemos jogar fora enquanto não tivermos outras, até porque o capital nunca joga fora suas instituições de força, seus aparatos de repressão.”

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