Ao mesmo tempo em que retira direitos de todos os trabalhadores, a reforma da Previdência prejudica ainda mais os servidores públicos, eleitos como alvo preferencial do governo Temer. Dentro desse grupo, os que ingressaram no serviço público antes de 2004 se viram diante de mais um retrocesso depois da aprovação do relatório do deputado Arthur Maia (PPS-BA) na comissão especial da Câmara.
Pelo texto original da PEC, a possibilidade de aposentadoria com paridade e integralidade para esses servidores estava destinada apenas aos homens com 50 anos ou mais e mulheres com pelo menos 45 anos na data de publicação da emenda (desde que cumpridos os demais requisitos quanto ao tempo de contribuição e de serviço público). Já o relatório de Arthur Maia exigiu a idade de 65 anos (homens) ou 62 (mulheres).
Os servidores que ingressaram a partir de 2004 no serviço público perderam direito à integralidade e à paridade na reforma previdenciária do governo Lula (PT) e suas aposentadorias são calculadas pela média salarial, com reajustes iguais aos do Regime Geral.
Quem entrou depois de 2013, quando foram criados os fundos de previdência complementar (como o Funpresp-Jud), segue as regras de cálculo da aposentadoria do setor privado, o regime geral (RGPS), inclusive quanto ao teto dos benefícios.
Mais nove anos
A integralidade e a paridade surgiram como parte de um esforço para valorizar o serviço público e atrair profissionais capacitados. Serviram também como compensação ao fato de que o servidor não tem FGTS e outros benefícios da iniciativa privada.
Cinco emendas à Constituição e várias mudanças na legislação ordinária foram deteriorando a situação de quem se aposenta no setor público. Com a reforma, o servidor deve se aposentar cada vez mais tarde, com proventos cada vez menores – possibilidade que aflige pessoas como David José Gomes, do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa.
Ele entrou no TRT em 1990 e antes já havia trabalhado oito anos como servidor estadual. Em setembro, Davi completará 56 anos e terá os requisitos para se aposentar com proventos integrais pelas regras vigentes hoje, depois de 39 anos de contribuição à Previdência. Mas se até lá o substitutivo for aprovado, ele terá de trabalhar mais nove anos. “Já não agüento trabalhar nem os quatro meses que faltam, muito menos esses nove anos!”, reclama o servidor.
Pedágio
A oficial de justiça Cláudia Faissola, diretora de base na Ceuni, lembra que as regras de aposentadoria já mudaram três vezes desde que ela entrou na Justiça Federal, em 1994. Com 49 anos de idade e 33 de contribuição, Cláudia vivia a expectativa de se aposentar em novembro do ano que vem, quando terá 51 anos e atingirá o fator 85 (soma de idade e tempo de contribuição), exigido nas atuais regras de aposentadoria integral para as mulheres.
Pelo texto aprovado na comissão da Câmara, Cláudia terá de esperar até 2030 para conseguir a aposentadoria integral. “Até lá, o governo inventa outra regra e vou ter de pagar mais um pedágio”, prevê Cláudia.
“A situação do servidor público é ainda pior do que a de quem trabalha para a iniciativa privada, porque nossa contribuição para a Previdência é maior e depois que nos aposentamos continuamos contribuindo”, diz a oficial de justiça.
Ela se refere à contribuição previdenciária de 11% que os servidores aposentados e pensionistas entregam ao governo desde a reforma do governo Lula, em 2003.
Trabalho desde cedo
Um aspecto que aumenta a frustração e a indignação dos servidores é que muitos começaram a trabalhar cedo e acumulam décadas de contribuição à Previdência. A servidora da JF Andreia Alegretti, por exemplo, trabalha desde os 15 anos e agora, aos 45, está perto de completar 30 anos de contribuição previdenciária. Ela esperava se aposentar com proventos integrais daqui a cinco anos e meio.
Se aprovado o texto em tramitação no Congresso, Andreia terá de trabalhar mais 17 anos, para conseguir a aposentadoria integral aos 62. Até lá, terá acumulado 47 anos de contribuição. “Pelas regras de quando comecei a trabalhar, eu já poderia estar me aposentando”, lamenta a servidora. “Isso é trágico, uma grande decepção, sinto-me desestimulada.”
(*) Colaborou César Lignelli, do Departamento Jurídico do Sintrajud