Mais de quatro meses após o início da pandemia do coronavírus, o governo de Jair Bolsonaro segue com planos de aproveitar a crise para, em algum momento mais à frente, emplacar a reforma administrativa. A ‘reforma’ seria a continuidade da ‘granada no bolso do servidor’, como o ministro Paulo Guedes (Economia) definiu, durante reunião ministerial em abril, o já aprovado congelamento salarial por dois anos. Na mesma reunião, outro ministro, Ricardo Salles (Meio Ambiente), disse que a pandemia do novo coronavírus contribui para o governo adotar medidas polêmicas e impopulares – oportunidade para ‘passar a boiada’, assim resumiu.
Em uma live do setor industrial, no início de julho, Paulo Guedes disse que a ‘reforma administrativa segue nos planos do governo federal. “A reforma Administrativa está na pauta. Podemos voltar a isso ainda nesse governo. Voltaremos”, ameaçou. Guedes explicou que a ideia inicial era emendar a ‘reforma’ com o congelamento de salários – a ‘granada no bolso’, como dissera dois meses e meio antes, sem saber que a expressão usada na reunião ministerial se tornaria forçosamente pública.
Na própria live, Guedes disse que a ‘reforma’ não chega a ser a prioridade do momento – que estaria voltada para a recuperação da economia e as privatizações. Desde o início do governo Bolsonaro, a ‘reforma’ está em pauta. A impopularidade da medida, no entanto, parece ter atrapalhado os planos do Palácio do Planalto.
A defesa da “necessidade” da ‘reforma’, agora sinalizada para o pós eleições municipais por avaliação de que não seria possível aprovar a bomba contra o funcionalismo antes do pleito no qual muitos dos apoiadores dos ataques vão disputar eleição ou reeleição, voltou a ser defendida no último dia 16, em nova transmissão ao vivo, dessa vez promovida por operadores do mercado financeiro. “A Reforma Administrativa está pronta, mas a Presidência preferiu esperar, por interpretação política”, afirmou Guedes, que já se referiu aos servidores como “parasitas”.
O que o discurso do “superministro” do governo Bolsonaro confirma, entretanto, é que o Planalto não desistiu. A pandemia que já matou mais de 73 mil pessoas no Brasil, pelos subnotificados dados oficiais, e a crise econômica, que tende a se agravar, podem ser usadas como justificativa para avançar com essas medidas sobre os serviços públicos. Para as relações de trabalho no setor privado, o ministro já sinalizou a intenção de aprovar um novo contrato Verde e Amarelo com pagamento sobre horas trabalhadas, sem Fundo de Garantia e sem contribuição previdenciária por parte do empregador.
Não resta dúvida que ‘a boiada’ que o governo quer passar por cima do setor público é um combo de medidas que eliminam direitos e rebaixam salários – tanto na conformação das carreiras, quanto por meio da permissão para redução de remunerações. Poucos dias depois da fala de Guedes, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), voltou a defender mudanças nesse sentido na Constituição Federal. “Estou fazendo o debate do futuro, a reforma Administrativa deve ter o foco maior na meritocracia, menos estabilidade, uma cadeia salarial com mais tempo, salários médios mais baixos; e um sistema tributário que garanta segurança jurídica”, disse.
Também na primeira quinzena de julho, representantes do funcionalismo – organizados no Fonasefe (Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais) – participaram de reunião remota com o Ministério da Economia. Na videoconferência, os servidores cobraram a abertura de negociação e respostas para a pauta de reivindicações protocolada em fevereiro. O secretário de Gestão e Desempenho de Pessoas, Wagner Lenhart, disse desconhecer a pauta, que acabou sendo reapresentada pelo Fonasefe. A reunião não resultou em avanços, apenas sinalizou um possível e incerto canal de negociação. Reforçou, na verdade, o que já ficou escancaradamente explícito em um ano e meio de gestão: o projeto do governo federal para o setor não passa por ouvir os servidores, mas por rebaixar direitos e atrofiar e privatizar serviços prestados à população. Resistir a isso é o desafio posto para o funcionalismo.