Quando o Judiciário se opõe à justiça


03/07/2018 - helio batista

As greves dos petroleiros e caminhoneiros, entre outras ocorridas no último período, trouxeram para o centro do debate as políticas governamentais e de projeto de país, e também a discussão sobre o papel cumprido pelo Judiciário.

Decisões como as milionárias multas impostas à greve petroleira vêm se tornando cada vez mais recorrentes no ramo do Judiciário que teria como papel estabelecer uma relação de equilíbrio nas relações entre o capital e o trabalho.

Antes mesmo de iniciada a paralisação por tempo determinado o Tribunal Superior do Trabalho impôs multa de R$ 500 mil diários por cada ato questionado pela estatal (a paralisação em si ou somente a realização de piquetes). Um dia depois as multas foram aumentadas para R$ 2 milhões.

Nas duas decisões o argumen to da ministra Maria de Assis Calsing foi de que a greve seria “política” por não ter reivindicação salarial. À magistrada não importou que a redução da atividade nas refinarias em 30% da capacidade operacional coloca em risco iminente os empregos dos petroleiros.

“A postura governamental e a rapidez com que as multas foram fixadas pelo TST fizeram-me lembrar da greve de 1995, sob o governo FHC, que inaugurou, à época, uma fase nova de retirada de direitos e desmonte do Estado. É daquele tempo, também, a mesma tentativa de aniquilar a resistência nacionalista dos petroleiros, utilizando-se do Poder Judiciário, em método depois condenado pela OIT [Organização Internacional do Trabalho]”, avalia o advogado Cezar Britto, que assessora a Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e MPU (Fenajufe) e sindicatos da categoria petroleira.

A greve dos caminhoneiros também enfrentou pesadas decisões especialmente contra os trabalhadores autônomos. Às grandes empresas que aproveitaram a mobilização dos motoristas para promover um locaute houve também algumas multas. Mas verifica-se que a balança da justiça desequilibrou ainda mais para o lado empresarial. No dia 30 de maio, dez dias após iniciada a paralisação e verificada a manobra das transportadoras, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes deferiu pedido da Advocacia Geral da União para multar 96 pessoas jurídicas. Penalidades de mesmo valor foram aplicadas a microempreendedores individuais e a grandes empresas que mantêm contratos inclusive com a União.

Nos últimos meses, greves de eletricitários, rodoviários, metroviários e outras também vêm sendo classificadas como “políticas” pelos tribunais e penalizadas. “Quando uma greve tem uma conotação política, o que foi o caso das greves contra as reformas estruturais propostas pelo governo no ano passado, ela é justa”, ressaltou em entrevista à reportagem do Sintrajud o Procurador Regional do Trabalho na 15ª Região aposentado e professor titular do Centro Universitário UDF Raimundo Simão de Melo.

Reforma trabalhista pelo Judiciário

Em 2016 o portal ‘Justificando’ divulgou levantamento das “oito grandes decisões do STF que tiraram direitos dos trabalhadores”.

Além do desconto de dias parados no serviço público desde o primeiro dia de greve, naquele ano a Suprema Corte tornou inconstitucional possibilidade de revisão do benefício previdenciário para aposentados que voltaram a trabalhar e contribuir para o INSS (a desaposentação).

Sessão do TST que discutiu a revisão de súmulas, em fevereiro último, pós reforma. Foto: Giovanna Bembom

Também em 2016 o então ministro Teori Zavascki reformou acórdão do Tribunal Superior do Trabalho que derrubara acordo coletivo contrário à legislação trabalhista, antecipando o negociado sobre o legislado. E o ministro Gilmar Mendes concedeu liminar suspendendo os efeitos de acordos coletivos anteriores até o fechamento de nova convenção coletiva de trabalho, outra vez passando por cima de TST ao cancelar a súmula 277.

O STF também negou declaração de ilegalidade à Lei Orçamentária de 2016, que cortou cerca de 30% das verbas de custeio e 90% dos recursos destinados para investimentos na Justiça do Trabalho em todo o país.

Em 2015 foi autorizada pelo Supremo a contratação de organizações sociais (OSs) para gerir serviços públicos nas áreas de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, meio ambiente, cultura e saúde. No mesmo ano o STF conferiu legalidade a que planos de demissão voluntária possam conter cláusula declarando quitação integral de direitos trabalhistas, reformando outro entendimento do TST.

Em 2014 a Corte reduziu o prazo de prescrição para ações por falta de depósitos no FGTS, de 30 para cinco anos.

Ao estudo do ‘Justificando’ pode-se somar a tentativa de reverter o direito aos 13,23% para diversas categorias, apontada no ano passado em proposta de súmula formulada pelo ministro Gilmar Mendes, que também segura decisão sobre o direito aos quintos incorporados mantendo os servidores que recebem a parcela na insegurança jurídica. Além da legitimidade conferida pelo TST à aplicabilidade da ‘reforma’ trabalhista imposta pelo governo Temer e questionada pela OIT.

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