Privatização dos Correios fere CF88 e deixará população sem serviços, afirmam entidades


05/05/2021 - Luciana Araujo
Trabalhadores da estatal alertam que serviço postal é competência da União e que o setor privado não vai garantir atendimento aos 5.570 municípios brasileiros.

Com o Congresso Nacional bloqueado à entrada da população e as restrições de circulação nos espaços públicos colocadas pela persistente alta taxa de contaminação do novo coronavírus, o governo Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional vêm aprovando uma série de projetos que afetam o conjunto da população. Agora, estão na mira a estabilidade e carreiras dos servidores públicos, com a Proposta de Emenda Constitucional 32 – a ‘reforma’ administrativa – , e os Correios, entre outras estatais. Em 20 de abril, a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para tramitação do Projeto de Lei 591/2021, que autoriza a exploração dos serviços postais pela iniciativa privada.

Ao longo do último no foram aprovados a autonomia do Banco Central (que desloca o controle da política econômica do Estado para o sistema financeiro), os novos marcos do saneamento (que autorizou a privatização desse serviço básico) e fiscal (EC 109, que permite o congelamento de salários e despesas públicas por tempo indeterminado). Estes são alguns exemplos de profundas mudanças constitucionais votadas a toque de caixa em meio às restrições ao debate com a sociedade.

Anunciada como meta do governo de Jair Bolsonaro ainda em 2019, a privatização do serviço postal é uma agenda de interesse do mercado privado desde o governo Collor. A primeira tentativa foi realizada ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1999, porque o antecessor não teve tempo antes do impeachment. Em 2011, a então presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei 12.490/11, que autorizou a ECT a firmar parcerias no mercado privado e internacional, mantendo o monopólio constitucional do serviço postal domiciliar após uma queda de braço com a categoria. A mudança fora gestada ainda no governo Lula.

Fomento econômico

A reportagem do Sintrajud ouviu o dirigente da Federação Nacional dos Trabalhadores dos Correios e integrante da secretaria executiva da CSP-Conlutas, Geraldo Rodrigues, sobre os impactos da privatização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos na vida da população. “O trabalho dos Correios não é só entregar cartas, mensagens e encomendas. Hoje os Correios administram contas bancárias e o banco postal, por exemplo, apesar deste já ter acabado em algumas cidades. No interiorzão, são a principal forma de pagamento, por exemplo, de aposentadorias, e o dinheiro que circula por meio dos serviços prestados pelos Correios faz girar também a economia de muitas cidades pequenas”, destaca.

Geraldo também explica que se a ECT for privatizada, boa parte das cidades brasileiras correm o risco de terem os serviços hoje assegurados a 100% dos municípios suspensos. “Nenhuma empresa privada vai manter essa logística, porque ela não dá lucro, são serviços que sobrevivem do chamado subsídio cruzado – que é a sustentação dessas operações com o lucro dos serviços prestados nos grandes centros”, explica o dirigente.

“Em todas as grandes economias do mundo os correios são uma empresa estatal, inclusive nos Estados Unidos, onde eles usam o serviço postal até para o envio de votos dos cidadãos”, lembra Geraldo. Nos EUA uma série de empresas prestam serviços de entregas, mas o país detém uma dos mais antigos correios do mundo, a USPS (United States Postal Services), fundada em 1775. “Mesmo na Alemanha, o estado também é acionista majoritário da DHL”, completa Geraldo.

O dirigente também questiona a campanha que o governo vem fazendo, de que a privatização seria um antídoto contra a corrupção e o ‘cabide de empregos’. “Esse mesmo governo encheu os Correios de generais recentemente. Um monte de generais de pijamas estão agora na gestão dos Correios”, critica.

Outro argumento do Planalto rebatido pelos trabalhadores é o de que a empresa dá prejuízos. “Isso é outra mentira. Mesmo com toda essa situação de sucateamento deliberado que vivemos, só tivemos problemas financeiros entre 2014 e 2016 porque nos governos Dilma e Temer foram retirados R$ 6 bilhões dos Correios. Mas de 2017 para cá a empresa vem se recuperando, e em 2020 o lucro vai chegar na casa de R$ 1,5 bi”, afirma.

“Outra coisa que eles caem em contradição é que dizem que as entregas serão garantidas, mas não dizem como. Vai ter um Correio que respeita a questão postal e não vai dar lucro, que o Estado vai manter, e uma empresa privatizada para operar no mercado?”, questiona. O modelo apontado por Geraldo como um risco é o alemão, que fragmentou a DHL e vendeu partes da empresa, mas o Estado alemão é quem assegura que toda a população seja atendida – em um país de dimensões territoriais não comparáveis às do Brasil.

O novo marco postal é questionado pelos trabalhadores como uma afronta ao artigo 21 da Constituição Federal, que estabelece competência da União a manutenção do serviço postal e do correio aéreo nacional.

Os sindicatos da categoria também apontam que a privatização vai abrir as portas para mais demissões, prejudicando ainda mais o atendimento a todas as cidades brasileiras. “Desde 2011 não tem concurso público. Nós tínhamos 128 mil trabalhadores e hoje somos pouco mais de 87 mil. Agora, vão ser concluídos dois processos de demissão incentivada que vão levar mais de 15 mil trabalhadores, que estão saindo porque muitos direitos foram retirados e com medo da privatização e das demissões em massa”, aponta Geraldo.

A categoria promete realizar carreatas em todo o país no próximo dia 16 de maio, para dialogar com a população sobre os prejuízos que o PL 591 significa para a sociedade. A unidade das mobilizações contra tais projetos é defendida pelas diretorias do Sintrajud e da CSP-Conlutas, central sindica à qual o Sindicato é filiado, a fim de impedir que propostas como a PEC 32, o PL 591 e as outras privatizações pretendidas pelo governo Bolsonaro sejam aprovadas.

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