Na retomada do julgamento de doze ações diretas de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal formou maioria para derrubar três pontos específicos que atacam os servidores e as servidoras públicas na ‘reforma’ da Previdência imposta ao funcionalismo em 2019, no governo de Jair Bolsonaro. Também formou maioria em itens que, ao contrário, reduziram direitos previdenciários. Apenas uma questão está indefinida. Pedido de vista do ministro Gilmar Mendes adiou a conclusão do julgamento.
Já há maioria de votos favoráveis aos servidores para os seguintes casos:
1) Pela inconstitucionalidade, em casos de déficit atuarial da Previdência, da contribuição previdenciária extraordinária de servidores, ativos e aposentados e da ampliação da incidência da contribuição de aposentados e pensionistas;
2) Contrário ao dispositivo que anula aposentadorias concedidas por tempo de serviço para contribuintes que não recolheram a respectiva contribuição;
3) Para assegurar que o acréscimo sobre o cálculo de benefícios concedido às trabalhadoras mulheres do regime geral seja também aplicado às servidoras vinculadas ao regime próprio de Previdência.
Há empate, cinco votos a cinco, no julgamento da constitucionalidade da implantação das alíquotas progressivas. O pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, o único que ainda não votou, adiou a conclusão do julgamento retomado nesta quarta-feira, dia 19 de junho de 2024. É a única medida em julgamento ainda indefinida – embora, até que ele seja concluído, todos possam mudar o voto.
A mais alta corte da Justiça no Brasil também formou maioria para duas medidas relevantes contrárias aos servidores e servidoras: o ‘duplo teto’, que beneficiava portadores de doenças crônicas e incapacitantes, e as mudanças na forma de cálculo que reduziram drasticamente as pensões por morte concedidas após a ‘reforma’.
A divergência no julgamento havia sido aberta pelo ministro Edson Fachin, que viu inconstitucionalidade em cinco itens da reforma. Na possibilidade de, em caso de déficit atuarial, aplicação de contribuição extraordinária e de incidência do desconto acima do salário mínimo para aposentados, aposentadas e pensionistas. Também anotou inconstitucionalidades na alíquota progressiva, na diferença de tratamento entre trabalhadoras do regime geral e servidoras públicas, e na nulidade das aposentadorias já concedidas a membros do Ministério Público e magistrados que não comprovaram contribuição durante o período de advocacia.
A Federação Nacional dos Trabalhadores do Poder Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe) está habilitada como Amicus Curiae. Já realizou, em sessão anterior, sustentação oral através da Assessoria Jurídica Nacional.
O Sintrajud acompanha o julgamento no STF e, no âmbito também político, defende a revogação das ‘reformas’ da Previdência, por considerá-las ataques injustificados a direitos conquistados pela classe trabalhadora – com o argumento dos déficits e rombos sendo usados reiteradamente para encobrir a disputa sobre para onde vão os fundos públicos decorrentes da arrecadação fiscal do Estado. Especificamente em relação à EC 103, aprovada na contestada gestão de Bolsonaro, participa da campanha de exigência sobre o governo Lula pela defesa de sua revogação.
Alguns dos pontos que estão sendo julgados da EC 103
Contribuição a partir do valor do salário mínimo para aposentadorias
O Art. 1º da Emenda Constitucional 103/2019 altera o Art. 149 da Constituição Federal, prevendo a possibilidade de: “Quando houver déficit atuarial, a contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas poderá incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário mínimo”. Hoje, a contribuição paga por aposentados e pensionistas do serviço público federal incide sobre os valores que superam teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) – que está em R$ 7.786,02.
Caso prevaleça a posição pela inconstitucionalidade deste item, cai esta ameaça sobre os aposentados e aposentadas da esfera federal, que lutam com as entidades sindicais pelo fim desta contribuição – instituída por outra ‘reforma’ da Previdência, esta aprovada em 2003, na primeira gestão do governo Lula. Além disso, abre-se o caminho para servidores de estados e municípios que já taxam aposentados a partir do salário-mínimo contestarem o desconto.
Neste item, já há maioria no julgamento pela inconstitucionalidade.
Contribuição extraordinária
Numa espécie de mudança preventiva para futuras reduções de valores de aposentadorias e salários, a reforma promovida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2019, alterou o art. 149 da Constituição instituindo a possibilidade de, quando houver déficit atuarial, ser implementada contribuição extraordinária. Isso vale tanto para servidoras e servidores ativos quanto para aposentados e pensionistas.
A aplicação dessa alíquota extra, sobre a qual não é definido limite, ocorreria após se tentar equalizar a situação das contas ampliando a incidência da cobrança sobre aposentadorias para valores que superem o salário mínimo.
Neste item, já há maioria no julgamento pela inconstitucionalidade.
Alíquota progressiva
Até 2019, a alíquota de contribuição dos servidores federais estava fixada em 11%. A EC 103 introduziu a progressividade da alíquota, que passou a variar de 7,5% a 22%. Sendo estabelecida desta forma: até R$ 1.412,00 – 7,5%; de R$ 1.412,01 até R$ 2.666,68 – 9%; de R$ 2.666,69 até R$ 4.000,03 – 12%; de R$ 4.000,04 até R$ 7.786,02 – 14%; de R$ 7.786,03 até R$ 13.333,48 – 14,5%; de R$ 13.333,49 até R$ 26.666,94 – 16,5%; de R$ 26.666,95 até R$ 52.000,54 -19%; acima de R$ 52.000,54 – 22%. A mudança representou, no contracheque, uma redução salarial para a maioria dos servidores federais.
Neste item, o julgamento está empatado em cinco a cinco, restando o voto do ministro Gilmar Mendes. Votaram a favor dos servidores as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia e os ministros Edson Fachin, Dias Toffoli e André Mendonça. Posicionaram-se contra os servidores os ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Nunes Marques e Luiz Fux.
Direito ao duplo teto
A EC 103 acabou com o direito de servidoras e servidores aposentados acometidos por doenças graves e incapacitantes à “imunidade do duplo teto”, quando a incidência da contribuição previdenciária se limitava aos valores que superassem o dobro do teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), hoje me R$ 7.786,02.. A alteração na Constituição de 2019 acabou com esse direito.
Neste item, já há maioria no julgamento pela constitucionalidade; isto é, contrário aos servidores e servidoras.
Cálculo da pensão por morte
A EC 103 acabou com a integralidade da pensão por morte, uma mudança apontada por opositores da ‘reforma’ de Bolsonaro como uma das mais violentas contra os trabalhadores. Desde a mudança, as pensões passaram a ser concedidas no valor de 50% da remuneração do servidor falecido, com acréscimo de 10% por dependente, até o limite de 100%. No caso de pensão por morte de servidor ou servidora da ativa, a redução pode ser ainda maior: o cálculo é feito a partir da aposentadoria a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito.
Neste item, já há maioria no julgamento pela constitucionalidade; isto é, contrário aos servidores e servidoras. Todos os ministros votaram pela constitucionalidade.