Plínio Sampaio: `A ideia de não mobilizar para não provocar a extrema direita é um tiro no pé’


20/06/2023 - Helcio Duarte Filho
Em entrevista ao Sintrajud, Plínio Arruda Sampaio Júnior fala sobre os desafios dos trabalhadores diante do atual governo e da atuação da extrema direita

Toda desmobilização dos trabalhadores fortalece o capital e fortalece a extrema direita, derrotada nas eleições passadas. É o que afirma o economista Plínio Arruda Sampaio Júnior, professor aposentado da  Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), nesta entrevista à reportagem do Sintrajud.

É com essa visão que ele avalia ser um erro político para quaisquer sindicatos ou centrais sindicais optar por evitar pressionar o governo Lula por suas pautas para não correr o risco de fortalecer a extrema direita.

O economista participou como convidado do 9o Congresso do Sintrajud, em Atibaia (SP), e, no dia 15 de junho de 2023, de um debate virtual promovido pelo Sintrajud sobre o Arcabouço Fiscal – o evento teve ainda a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP), como debatedora, e a mediação do servidor Fabiano dos Santos, diretor do Sintrajud e integrante da coordenação da federação Nacional (Fenajufe), como mediador. 

A entrevista que se segue foi feita no calor do 9o Congresso do Sindicato. Teve, como pano de fundo, a constatação de que a categoria reafirmaria naquele encontro as posições de independência e autonomia do Sintrajud diante de governos e administrações, assim como o perfil combativo da organização sindical dos servidores e servidoras do Poder Judiciário Federal no Estado de São Paulo.

“O desafio dos trabalhadores é estarem organizados, estarem mobilizados, estarem conscientes do que está acontecendo, independente do governo e da burguesia, para poder atuar numa conjuntura muito adversa da maneira mais eficaz para se proteger dos golpes que vêm e preparar um contra-ataque”, disse, ao abordar a luta dos servidores para recompor salários, valorizar carreiras e assegurar recursos para que os serviços públicos possam atender bem à população.

A seguir, trechos da entrevista:

SINTRAJUD: No final do ano passado, no processo eleitoral, acabou se conseguindo derrotar o bolsonarismo nas urnas. Agora, há uma impressão, acho que generalizada, acho que ninguém duvida disso, de que nem o bolsonarismo acabou e muito menos a [atuação] da extrema-direita no país. Você concorda? E temos um cenário com a extrema direita ainda atuando, o governo começando uma gestão que se depara com uma série de demandas acumuladas nas categorias profissionais em relação a salários, carreiras, etc. O que é possível fazer nesse cenário?

PLÍNIO ARRUDA SAMPAIO JÚNIOR: Fácil a pergunta, hein? Eu acho o seguinte: o Bolsonaro não é a causa dos problemas brasileiros, ele é parte dos efeitos de uma crise política institucional profunda. E o que há por trás da crise é o avanço da barbárie capitalista no Brasil, que assume a forma de um processo de reversão neocolonial. Ou seja, é uma espécie de uma desintegração do caráter democrático e republicano do Estado Nacional. Então, esta é a origem do problema. E isso está relacionado à inserção do Brasil subalterna na divisão internacional do trabalho. É ali que está a raiz do problema. 

Se este problema não for resolvido, nós não vamos resolver a barbárie capitalista. Então, o que nós estamos assistindo? Qual é a política da burguesia? É de administrar a barbárie e, no campo político, ela pode administrar a barbárie com o governo abertamente autoritário. O Lula representa, encarna, digamos, o sujeito político para fazer estabilização da ordem por dentro de algum resíduo de Estado de Direito. E o Bolsonaro ou o golpe militar sem o Bolsonaro seria a solução tradicional brasileira, truculenta. Então, essa crise continua. Essa crise não mudou. Este novo governo entra, mas ele entra dentro do campo de forças do golpe contra a classe trabalhadora. Porque o golpe foi contra a classe trabalhadora. Todos que não eram da classe trabalhadora e foram golpeados foram devidamente reabilitados. Quem não foi reabilitado é a classe trabalhadora, que perdeu a Previdência, que perdeu direitos trabalhistas, que perdeu a qualidade da política social. Esse é o pano de fundo que permanece. 

A classe trabalhadora continuará sofrendo ataques sistemáticos e vai ter que se defender e vai ter que propor uma alternativa. Porque para derrotar esta onda autoritária, o país precisa de força política para fazer mudanças estruturais, e isso tudo permanece. Então, eu acho que o desafio dos trabalhadores é estarem organizados, estarem mobilizados, estarem conscientes do que está acontecendo, independente do governo e da burguesia, para poder atuar numa conjuntura muito adversa da maneira mais eficaz para se proteger dos golpes que vêm e preparar um contra-ataque.

 SINTRAJUD: O Sintrajud é um sindicato com um histórico combativo e vem defendendo que é preciso mobilizar a categoria para alcançar as suas reivindicações. O que dizer para quem esteja preocupado em, ao mobilizar e pressionar o governo, acabar indiretamente fortalecendo a extrema direita?

Eu acho o seguinte: toda desmobilização dos trabalhadores fortalece o capital. Então, a alternativa que o trabalhador tem é estar mobilizado. Vou dar dois exemplos: no momento mais sombrio do governo Bolsonaro, quando ele falou: ‘Eu vou dar um golpe’, acho que foi em 2021. O que impediu, o que quebrou a crista do bolsonarismo foram as mobilizações das torcidas organizadas na rua. O segundo exemplo é a reforma administrativa. O governo ia fazer uma reforma administrativa muito forte. Tinha uma maioria completa. A burguesia queria a reforma administrativa, não saiu a reforma administrativa. Não saiu porque houve mobilização, houve atuação dos sindicatos, dos servidores. 

Toda vez que os trabalhadores se mobilizam com suas organizações, é favorável aos trabalhadores. A ideia de que os trabalhadores não devem se mobilizar para não provocar a direita é um tiro no pé. É, no fundo, o que a direita quer, né? Precisam entender o seguinte: a direita sempre avança no vácuo da falta de mobilização dos trabalhadores. Eu acho que quando os trabalhadores se mobilizam, eles não atrapalham o governo. Ao contrário, eles impedem que o governo vá à deriva para a direita. Porque o problema não é Lula/Bolsonaro; o problema é capital/trabalho. Se o preço de proteger o Lula é permitir que o Lula faça todas as políticas do Bolsonaro, bom, aí só mudou o estilo, que eu concordo até que o estilo cordial do Lula é melhor do que o estilo raivoso do Bolsonaro. Mas do ponto de vista objetivo das condições de vida dos trabalhadores, dos direitos dos trabalhadores e da carreira do trabalhador, eu acho que a única arma que o trabalhador tem é a mobilização corporativa e de classe.

SINTRAJUD: Com relação à PEC-32, a reforma administrativa, o governo [Bolsonaro] não conseguiu aprovar, e você acabou de falar que ele tinha a maioria para isso, não só na extrema direita, como a maioria no Congresso de setores de direita e de centro-direita ou até de centro-esquerda. Houve mobilizações e articulações das entidades sindicais, inclusive numa aliança ali com todas as centrais, talvez algo poucas vezes visto na história do país ou pelo menos na história recente do país. Você acha que essa articulação e esse trabalho, esses atos contínuos, foram decisivos?

Olha, eu não acompanhei. Eu acho que tem gente que acompanhou que tem condições [de falar] muito melhor do que eu. Mas a minha impressão é que duas coisas contribuíram para isso: uma foi essa unidade grande, mesmo com sindicatos mais problemáticos, e a outra foi a proximidade da eleição. A eleição é sempre um oxigênio. Então, as maldades maiores são feitas longe da eleição. Os deputados ficaram com medo de mexer nesse vespeiro. O setor público brasileiro é um setor imenso, e com uma ramificação grande. Então os deputados olhavam e falavam: ‘Opa! Isso aqui, talvez não seja o momento de mexer nisso’.

SINTRAJUD: Embora o governo [Bolsonaro] tenha apresentado o projeto bem antes, né? O projeto tramitou durante muito tempo…

Sim. Mas aí é que está. Esta guerra de segura aqui, protela e tal, acabou dando resultado neste caso. Mas, de qualquer maneira, eu acho que a melhor garantia é sempre o trabalhador mobilizado na rua. Esse que é, no fundo, o oxigênio, a força real que os trabalhadores têm. Sem isso, ele fica dependendo, um pouco, de conchavo. Às vezes, o conchavo funciona.

 SINTRAJUD: Você arriscaria dizer que se não houvesse essa articulação dos sindicatos e das centrais sindicais, eles acabariam passando a reforma?

Ah! Eu acho que sim. Porque pela lógica da política econômica, a reforma administrativa é parte da política de Estado mínimo, que é uma política estratégica; do [programa] ‘Uma Ponte para o Futuro’, que, digamos, é a concepção que inspira a política econômica desde o governo Temer. Não é um elemento complementar, suplementar, um anexo, ele tá no coração da política. Então, a burguesia vai fazer um contorno e vai voltar a pautar isso, porque para não ter a reforma administrativa é fundamental derrubar o teto de gastos. E, para derrubar o teto de gastos, tem que mudar a correlação de forças na sociedade para ter uma outra política. Não uma política de Estado mínimo, mas uma política de Estado necessário. Então, a derrota da reforma administrativa foi uma batalha ganha, mas a guerra não está ganha. 

SINTRAJUD: A reforma administrativa não passou, mas tivemos outras aprovadas: a trabalhista, no governo Temer, e a da Previdência, com Bolsonaro. Há uma demanda pela revogação delas. Curiosamente, eu não me recordo, desde a Constituição, de nenhum governo em que ministro da Previdência, ao assumir, tenha falado em revogar pontos de reforma nesta área, como fez o atual ministro [Carlos Lupi], que acabou censurado por Lula e o governo. Ele falou em rever ao menos pontos mais cruéis e injustos. Ao mesmo tempo, nós temos o arcabouço fiscal, que tenta contornar o teto de gastos, mas parece estar longe de ser o fim do teto de gastos. Diante disso, qual o peso dessas pautas de revogação das reformas e até que ponto é factível lutar por isso? Quando se luta contra essas reformas, acredita que também está se lutando contra as políticas da extrema direita?

Com certeza. Porque, na verdade, a extrema-direita é um instrumento da burguesia. Então, o que a burguesia quer, no fundo, é mudar a cara da sociedade brasileira, e esse é o caráter da reforma. Então, nós, com certeza, temos que lutar contra as reformas. Para lutar contra as reformas, a gente tem que ter um projeto alternativo. Porque a história não vai voltar ao passado, né? Então você tem que colocar alguma coisa no lugar. Esse é um primeiro desafio para os trabalhadores – ter um programa alternativo. Acho, então, que é importante lutar contra as reformas, mas, para lutar contra as reformas, é fundamental mudar a correlação de forças, e a correlação de forças na rua. Ter mobilização. Se não, não vai ter força. Porque o ministro, por exemplo, manifestou o desejo – e é muito bom que ele tenha esse desejo e eu acho que é sincero. Mas, dizem os que entendem, que o inferno tá cheio de gente de boa vontade. O problema não é o que você quer, é o que você pode. 

O governo Lula é um governo que veio para institucionalizar e para legitimar este novo padrão de política econômica. Ele é um governo muito distante do primeiro governo Lula e do segundo governo Lula. Ele é qualitativamente diferente. Você diz: ‘O Lula é o mesmo?’ Sim. O Lula é o mesmo. Mas a política é diferente, assim como a política do primeiro governo Lula é completamente diferente do, digamos, Lula de São Bernardo. O personagem é o mesmo, mas o significado político é outro. Então, este governo não vai revogar. Ele pode ponderar. Ele pode dar um passo atrás para dar, logo mais, dois adiante. Ele não construiu este mandato com mobilizações sociais, com um debate claramente alternativo durante a campanha. Então, ele está atado, ele não vai poder fazer e não está fazendo isso. 

O que é o arcabouço fiscal? É o teto de gastos 2.0, né? O que é o Novo Ensino Médio [modelo de aprendizado obrigatório para as escolas de Ensino Médio] que o governo suspendeu, mas não cancelou? É uma mudança de qualidade mais radical no ensino brasileiro. Qual é a mudança, para falar em poucas palavras? A mudança é que uma coisa é você ensinar para pôr no menino a esperança de um país justo e cidadão; [outra] é você ensinar o menino sem nenhuma esperança de país justo e nenhuma esperança de políticas de cooperação e solidariedade. Você vai ensinar o menino a ser neoliberal desde o berço, a fazer conta, a pisar no pescoço do companheiro na competição, porque este é o Novo Ensino Médio.

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