‘Plano Mais Brasil’ e nova reforma trabalhista recebem críticas em audiência no Senado


26/11/2019 - helio batista

Debate na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa questionou premissas do pacote de Bolsonaro e Guedes. (Fotos: Geraldo Magela/Agência Senado)

 

O conjunto de propostas de emendas constitucionais conhecido como Plano Mais Brasil, lançado pelo governo Bolsonaro no início do mês, e a Medida Provisória 905, que foi editada há duas semanas e está sendo considerada uma nova reforma trabalhista, foram duramente questionados nesta segunda-feira, 25 de novembro, em audiência na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado.

Embora esvaziada pela ausência de quase todos os integrantes da Comissão (os parlamentares costumam voltar a Brasília a partir das noites de segunda-feira), a audiência mostrou grande parte dos argumentos que serão levantados pelas organizações de trabalhadores e pela oposição para combater os projetos.

Os debatedores também contestaram as justificativas que o governo tem apresentado para embasar as alterações legislativas. Para o professor de Economia José Luiz Oreiro, por exemplo, não existe o que o governo chama de “emergência fiscal” e a alegada crise orçamentária é “autoimposta” pela Emenda Constitucional 95 [a emenda do teto de gastos].

Oreiro defendeu que a saída da crise está na revogação da emenda e não na redução dos gastos com o funcionalismo. “Esses gastos, como proporção do PIB, estão estáveis no país há mais de 20 anos e são inferiores inclusive aos do país que o [ministro da Economia] Paulo Guedes diz que é um modelo para o Brasil”, afirmou o professor, referindo-se ao Chile e citando dados do FMI. “Onde está a gastança? Isso é fake news”, declarou.

Ele acrescentou que o teto de gastos perdeu a razão de existir, já que teria sido criado para explicitar a necessidade de reformar a Previdência, segundo a argumentação apresentada à época pelo governo Michel Temer (MDB).

Capitalização

Antonio Augusto de Queiroz

Para Antonio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar(Diap), o governo Bolsonaro também precisa explicar o que pretende fazer com os recursos poupados pela reforma previdenciária.

Quando apresentou a proposta de reforma (PEC 6/2019), Guedes disse que o objetivo das mudanças que retiraram direitos dos trabalhadores era poupar cerca de R$ 1 trilhão em dez anos para viabilizar a transição do sistema de repartição para o de capitalização.

A “economia” ficou em cerca de R$ 800 bilhões com a versão final da reforma aprovada pelo Congresso, mas deve voltar ao total pretendido pelo governo graças à aprovação da PEC paralela, que inclui estados e municípios. Ocorre, porém, que o sistema de capitalização foi rejeitado pelo Congresso e acabou ficando fora da reforma.

Agora, com as PECs 186, 187 e 188, o governo pretende realizar uma drástica redução dos serviços públicos no país, com ataques sem precedentes ao funcionalismo. Batizadas, respectivamente, de PEC Emergencial, PEC dos Fundos Públicos e PEC do Pacto Federativo, as propostas preveem redução de salários e de jornada de trabalho dos servidores, suspensão de promoções e progressões na carreira, fim do direito à revisão anual de salários, extinção de fundos públicos e congelamento de verbas até para pagamento de dívidas judiciais, entre outras maldades. As PECs ainda serão complementadas por uma proposta de reforma administrativa.

“É um ajuste que ataca exclusivamente o lado da despesa, e a despesa com os que mais necessitam, os mais vulneráveis”, observou Queiroz. Ele acrescentou que as PECs promovem a desorganização administrativa, a fragilização dos serviços públicos e a quebra da isonomia, em nome da priorização do pagamento da dívida pública e das despesas financeiras.

“Há uma motivação de natureza ideológica que é extremamente preocupante”,  apontou o diretor do Diap. “A lógica é desmontar o estado porque ele estaria ocupado por supostos adversários.”

Reforma trabalhista

Queiroz afirmou ainda que a precarização das relações trabalhistas provocada pelas recentes mudanças na legislação reduzem a receita previdenciária.

Em relação a esse aspecto, o procurador do Trabalho Márcio Amazonas Cabral de Andrade, secretário de Relações Institucionais do Ministério Público do Trabalho (MPT), denunciou que as 135 alterações previstas pela MP 905 na Consolidação das Leis do Trabalho representam mais um passo no desmantelamento da estrutura de fiscalização trabalhista e na retirada de direitos sociais.

A Medida Provisória já recebeu 1.930 emendas – um recorde na história da República, segundo o presidente da Comissão, senador Paulo Paim (PT-RS), que propôs a audiência desta segunda-feira. A MP cria uma modalidade de contratação para trabalhadores de 18 a 29 anos com remuneração de até 1,5 salário mínimo, a vigorar entre 1º de janeiro de 2020 e 31 de dezembro de 2022.

No novo regime, as empresas ficariam isentas da contribuição previdenciária, do salário-educação e das contribuições ao Sistema S (entidades empresariais que atuam no ensino profissionalizante e assistência social). Os trabalhadores terão redução da alíquota de contribuição do FGTS de 8% para 2%, além de redução da multa do FGTS em caso de demissão sem justa causa, de 40% para 20%, desde que haja acordo entre as partes.

Entre os dispositivos criticados pelo procurador Márcio Amazonas, está o que prevê a criação do Conselho do Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional. A instância não teria representantes dos trabalhadores.

“Temos 1.761 acidentes de trabalho por dia no país; o enfraquecimento do MPT na fiscalização desses acidentes interessa a quem?”, indagou o procurador. “Existe uma farsa, uma fake news, segundo a qual o sistema protetivo dos direitos do trabalho atrapalha o desenvolvimento do país.”

Ele apontou ainda que medidas provisórias não podem alterar normas constitucionais (como as que tratam do Fundo de Garantia, por exemplo) e lembrou que convenções internacionais exigem a realização de audiências públicas e ampla consulta à sociedade quando se trata de alterações em direitos sociais. “Isso não está sendo respeitado desde a reforma trabalhista de 2017”, afirmou.

Por fim, o procurador considerou “desonestidade intelectual” por parte do governo chamar a MP 881 de “Lei da Liberdade Econômica” e a MP 905 de “Emprego Verde e Amarelo”. Ambas as medidas, declarou Marcos, na verdade são a continuação da reforma trabalhista.

Funcionalismo

O assessor técnico da Câmara dos Deputados Flávio Toneli Vaz, por sua vez, acrescentou que a tramitação das PECs do Plano Mais Brasil configura uma “fraude do sistema legislativo” por terem sua apreciação iniciada no Senado. Quando se trata de matérias de iniciativa do Poder Executivo, a Constituição estabelece o início da tramitação pela Câmara dos Deputados. Embora elaborados pelo Ministério da Economia, os textos foram assinados por um grupo de senadores.

“O que esse governo demonstra é uma aversão ao direito do povo”, afirmou Flávio. O assessor destacou que, ao mesmo tempo em que propõe a desindexação e a desvinculação do orçamento, o Plano mantém “uma grande indexação de recursos ao pagamento da dívida pública.”

Os ataques ao funcionalismo público previstos no Plano foram o foco das apresentações de Yuri Queiroz, presidente da Pública Central do Servidor do Distrito Federal, e de Vladimir Nepomuceno, assessor e consultor de entidades sindicais.

“Temos previsão de uma redução de quase 400 mil servidores públicos nos próximos três anos”, afirmou Yuri. “Ficamos pensando em como o Estado vai funcionar. Se haverá aumento do investimento, pressupõe-se que haverá aumento da atividade, que será feita por quem?” indagou. “O serviço público entrará em perspectiva de total colapso.”

Para Nepomuceno, a proposta do governo de acabar com a estabilidade do funcionalismo terá graves consequências na ponta do serviço público, prejudicando o atendimento ao cidadão. “O governo fala que preservará a estabilidade de algumas carreiras, mas será somente para alguns cargos”, explicou.

Segundo o consultor, o governo mente ao dizer que as propostas resultaram de estudos da equipe econômica, pois já foram divulgadas pelo Banco Mundial em 2017 e sugeridas ao governo Temer em 2018.

Extinção de municípios

Representando a Confederação Nacional de Municípios, o consultor Eduardo Stranz atacou a possibilidade de extinção de municípios prevista na PEC do Pacto Federativo. Pela proposta, municípios com menos de 5 mil habitantes devem alcançar até 2023 a meta de ter pelo menos 10% de sua receita decorrente dos impostos IPTU, ITBI e ISS. Os municípios que não atingirem a meta seriam absorvidos aos vizinhos de melhor situação fiscal.

“A discussão tem que se dar pela qualidade de vida dessas populações, o que elas estão recebendo de serviços públicos e o bem-estar social”, afirmou Stranz. Segundo o consultor, quase todos os municípios de até 5 ml habitantes seriam extintos pela regra proposta na PEC.

“Houve uma criação desenfreada de municípios com finalidades político-eleitorais”, argumentou Filipe Aguiar de Barros, da assessoria jurídica da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia, um dos dois representantes do Ministério que falaram em nome do governo. “A estrutura administrativa não pode ser um fim em si mesma”, afirmou. Ele admitiu, entretanto, que a regra para a extinção de municípios pode ser revista.

Sobre a estabilidade do funcionalismo, Filipe alegou que o artigo 169 da Constituição já permite exoneração de servidores, estáveis e não estáveis, e que a proposta do governo é “proteger o bom servidor” por meio da regulamentação da avaliação de desempenho, “que certamente virá com a reforma administrativa”. O fim do direito à revisão anual de salários, disse o assessor, já foi decidido pelo STF e a PEC apenas “limpa essa questão do texto constitucional”.

O outro representante do governo na audiência foi Bruno Funchal, diretor de Programas da Secretaria Especial de Fazenda. Segundo Funchal, o objetivo do conjunto de medidas é reestruturar o modelo fiscal da Federação. “Temos excesso de despesas obrigatórias e queremos dar aos gestores instrumentos para lidar com o controle das despesas”, afirmou. “Precisamos fazer com que os recursos cheguem na ponta, nos estados e municípios.”

Em relação ao fim da estabilidade, ele disse que o objetivo é “melhorar a produtividade do serviço público”. A redução de jornada e de remuneração dos servidores já está prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), observou Funchal. “Não é automático, não é uma coisa imposta”, declarou. “Vai ser caso a caso, o gestor pode estudar outras alternativas.”

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