PEC 10: redução salarial é rejeitada, mas mudança que favorece bancos com dinheiro público é mantida


07/04/2020 - Helcio Duarte Filho

Aprovada na Câmara, PEC do ‘Orçamento de Guerra’ vai ao Senado e expõe disputa que envolve usar recursos públicos para preservar direitos ou beneficiar grandes empresas e bancos.

Alvo de mobilização virtual nacional de servidores públicos federais, a proposta de redução dos salários foi derrotada na votação da PEC 10/2020, o chamado “Orçamento de Guerra”. A ameaça, porém, não está descartada e já existem projetos no Congresso Nacional neste sentido. Noutro aspecto alvo de críticas na Proposta de Emenda Constitucional 10, a autorização para que o Banco Central compre títulos de bancos e empresas privadas e públicas, nacionais ou internacionais, mesmo que podres, foi mantida no texto, que será apreciado pelo Senado Federal.

Tanto num como noutro caso, movimentos sociais e sindicais promovem uma campanha virtual contrária às propostas. O Sintrajud participa, convocando a categoria a estar em mobilização permanente, dentro das possibilidades do distanciamento social. A Auditoria Cidadã da Dívida promove um abaixo-assinado online contra as medidas, apoiado pelo Sindicato.

Salários, os ricos e o filho de Bolsonaro

Ao longo da votação da PEC, na noite da sexta-feira (3), o Partido Novo, que propôs as emendas que reduziriam os salários, ficou isolado. As emendas haviam sido rejeitadas pelo relator e pela Mesa Diretora da Câmara. A legenda insistiu na defesa da proposta, mas sem sucesso.

O líder do PSL, deputado Eduardo Bolsonaro (SP), um dos filhos do presidente, foi um dos que também defendeu a redução salarial, que incluiria os parlamentares – ‘Tenho muitas contas para pagar, mas essa emenda é importante’, disse o deputado, cuja remuneração beira os R$ 40 mil. Ao mesmo tempo em que disse que a redução dos salários é inevitável e, por isso, seria preferível aprová-la logo, Eduardo usou seu pronunciamento para defender os ricos e criticar os que propõem a taxação das grandes fortunas. “Os grandes empresários já fazem muita caridade”, disse.

O pronunciamento do filho de Jair Bolsonaro conseguiu condensar em poucos minutos o que está em disputa nesta e em outras propostas: para onde vão os recursos públicos que serão movidos para enfrentar a enorme crise social e econômica provocadas pelo coronavírus.

Ameaças

O servidor Fabiano dos Santos, da direção do Sintrajud e da Fenajufe, destaca que o funcionalismo venceu uma batalha em relação à redução salarial, mas a luta em defesa dos seus direitos precisa continuar, mesmo que nas condições possíveis em face do distanciamento social. “O momento é de intensificar a mobilização. Em que pese a sinalização de que essa discussão foi afastada pelo momento, a gente sabe que diuturnamente se discute a redução dos salários dos servidores públicos. Então a gente tem que estar atento e mobilizados”, disse, ressaltando que quem não enviou aos parlamentares a mensagem, disponibilizada pelo Sintrajud deve fazê-lo, porque essa luta em defesa da vida e de direitos vai continuar.

Para o assessor parlamentar Antonio Augusto Queiroz, que assessora a Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do MPU (Fenajufe), a proposta do partido Novo era um “contrabando” e ficou muito isolada na Câmara. Mas ele avalia que assim que a epidemia passar, as propostas de redução salarial vão voltar com muita força no ‘enfrentamento da crise econômica’. Será uma disputa, diz, que colocará de um lado os trabalhadores e do outro os grandes empresários, o governo, os setores conservadores do Congresso Nacional. O assessor considera que a mobilização virtual para derrubar a ameaça de redução salarial foi importante. “Inclusive para se preparar para o momento seguinte. Uma mobilização prévia dos sindicatos e dos servidores nesse momento é fundamental: no ajuste das contas públicas e haverá uma forte disputa por direitos”, disse à reportagem.

Banco Central: sem acordo

A PEC 10 foi votada por acordo, recebendo 505 votos favoráveis e dois contrários, no primeiro turno, e, logo em seguida, 423 votos favoráveis e um contrário no segundo turno. A proposta cria um regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para o período de calamidade pública decorrente do coronavírus.

Não houve acordo, porém, quando ao artigo que permite ao Banco Central comprar qualquer tipo de papéis em qualquer mercado financeiro, de qualquer banco ou empresa, sem controle ou limites, custeado pelo Tesouro Nacional. Uma emenda pela exclusão desse item foi apresentada pela deputada federal Fernanda Melchionna (RS), líder do PSOL, mas o destaque foi derrubado por 388 votos.

O Sintrajud e outras entidades denunciaram o perigo que tal autorização representa. “A Auditoria Cidadã da Dívida denunciou essa manobra do mercado financeiro, que pegou carona nessa PEC 10/2020 para transformar o Banco Central em mero operador de mesa a serviço do mercado financeiro e, ainda por cima, com recurso público”, diz texto divulgado pela organização.

Artigo assinado em conjunto pela coordenadora da ACD, Maria Lúcia Fattorelli, e pelo economista Eduardo Moreira afirma que os “bancos aproveitam a crise e tentam introduzir uma armadilha na Constituição” e convoca as entidades e a população a pressionar o Senado Federal a rejeitar esse aspecto da PEC 10. “A Câmara aprovou, a jato, uma mudança na Constituição para beneficiar os bancos, os mesmos que há anos já vêm batendo recordes e acumulando centenas de bilhões de reais de lucros. O novo pacote de ajuda aos bancos compromete recursos do orçamento público de forma desastrosa e gera dívida pública sem limite (…). Agora, a responsabilidade do Senado é enorme, pois essa armadilha não pode fazer parte da Constituição Federal”, diz trecho do texto.

Embora o ritmo das votações esteja acelerado e simplificado neste período de pandemia, no Senado Federal há uma questão de ordem, do Cidadania, que questiona a votação virtual de emendas constitucionais.

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