Para apressar votação, governo fez deputados da base calarem sobre PEC da Previdência


22/04/2019 - Helcio Duarte Filho

Foto: Agência BrasilNuma tentativa de acelerar a tramitação da reforma da Previdência, o governo de Jair Bolsonaro atuou para que deputados que o apoiam não falassem nos debates travados na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Isso ficou escancarado na sessão do dia 16 de abril, uma terça-feira, quando os debates se estenderam por quase 12 horas. A imensa maioria dos cerca de 80 parlamentares que usaram o tempo disponível para falar, porém, eram da oposição e contrários à Proposta de Emenda Constitucional N° 6.

A iniciativa, muito criticada por deputados que se opõem à reforma, teve êxito limitado, já que, no dia seguinte, o governo não conseguiu colocar o parecer em votação e acabou aceitando discutir possíveis alterações no relatório do deputado Marcelo Freitas (PSL-MG). Parlamentares contestaram a estratégia do Planalto, acusando a base governista de se negar a debater e aprofundar a análise de uma proposta que afetará a vida de 200 milhões de brasileiros.

O presidente da comissão, Felipe Francischini (PSL/PR), disse ter agido pessoalmente para que deputados favoráveis à proposta retirassem suas inscrições para falar no período reservado à discussão da matéria. Apesar dos apelos de deputados da comissão para que o parlamentar atuasse como presidente do colegiado e não como líder do governo, Francischini nitidamente ‘abraçou’ a causa governista e chegou a reclamar, em determinados momentos, do papel que cumpria sem que ninguém da base governista intercedesse. “Eu queria que alguém da liderança do governo se pronunciasse”, disse numa das situações de impasse na comissão. O parlamentar é do mesmo partido do presidente Jair Bolsonaro, o PSL.

Pressão da oposição

Os discursos na longa sessão da CCJ daquela terça-feira foram quase todos de deputados que se opõem parcial ou integralmente ao projeto. O presidente da comissão tentou impedir que a lista de parlamentares que não integram a comissão inscritos para expressar o que pensam fosse concluída. Isso paralisou os trabalhos por cerca de 15 minutos, período no qual os deputados entoaram até mesmo uma palavra de ordem: “todo mundo vai falar”.

O impasse foi superado quando o próprio líder do governo na comissão contrariou o que sustentava Francischini e disse que um acordo firmado na véspera, pelo qual todos poderiam falar, seria cumprido. Mesmo assim, a intenção do governo seguia sendo a de conseguir pôr a proposta em votação no dia seguinte.  “Se conseguirmos esgotar as falas hoje, e votarmos amanhã, ia todo mundo felizinho para o feriado”, disse, em breve entrevista a jornalistas, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo no Congresso Nacional.

Articulação de Maia

Enquanto aquela longa sessão transcorria, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), articulava com lideranças partidárias para que a votação de fato ocorresse, mas com alterações negociadas com o chamado ‘Centrão’ e com setores da oposição. O principal objetivo era excluir da PEC os chamados ‘jabutis’, itens não relacionados com a Previdência inseridos pelo governo na proposta, caso das restrições para contestações judiciais relacionadas a direitos previdenciários, do abono salarial e do fim da multa de 40% do FGTS para quem já se aposentou.

Também esteve em discussão nos bastidores rifar desde já os aspectos mais impopulares e que já são vistos como ‘bodes’ na sala: a redução do benefício assistencial (BPC) e a aposentadoria rural. Mas até a desconstitucionalização das garantias previdenciárias e a instituição do regime de capitalização entraram nas discussões paralelas.  O objetivo do presidente da Câmara, ao que parece, é tentar puxar para si os holofotes sobre quem retirou os itens mais rejeitados da PEC e, ao mesmo tempo, reduzir as resistências à proposta na comissão especial.

O Centrão é formado pelo DEM, SD, PP, PR e PRB. Embora sejam legendas em geral sejam favoráveis à reforma, não há certeza como os parlamentares que as integram vão se posicionar nas votações. A intenção do governo desde o início da semana passada era votar a PEC-6 antes do feriado. A corrida é para iniciar o quanto antes a tramitação na comissão especial, que, regimentalmente, é mais demorada, tem a previsão obrigatória de 40 sessões e deve consumir pelo menos dois meses, em um cálculo favorável ao governo. No entanto, uma derrota do Planalto no início da semana passada, em torno de um requerimento de inversão de pauta, atrapalhou os planos governistas.

Mobilização

Dirigentes da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do MPU (Fenajufe) que atuavam na Câmara para convencer parlamentares a não votar na proposta criticaram a interferência do governo para inviabilizar quaisquer discussões. “Teve uma manobra para os deputados da base do governo retirarem as suas inscrições”, disse Saulo Arcangeli, da coordenação da federação e dirigente do sindicato da categoria no Maranhão (Sintrajufe-MA).

Para o servidor Adilson Rodrigues, também da coordenação da Fenajufe e que integrou os trabalhos de convencimento dos deputados no aeroporto e na Câmara, o governo tenta votar a qualquer custo, mas ainda não é possível afirmar quando isso ocorrerá. “O governo usa artimanhas, como orientar os seus deputados a simplesmente dar o voto favorável sem expor seus argumentos. Mas a oposição conseguiu cumprir o traçado e alongar a sessão para debater tema tão complexo, que pode ter reflexos na vida de tantos trabalhadores e na população”, disse.

A aprovação na CCJ é dada como certa. Seria algo extraordinário uma eventual derrota do governo. O que é reconhecidamente incerto é como isso se dará, tanto no conteúdo – sem alterações ou com e quais – como no ritmo. A pressão do governo para ganhar alguns dias estava mais relacionada a uma demonstração de força do que a preocupação com o calendário.

Os servidores que participaram da mobilização na Câmara nestes dias acreditam que é a mobilização da classe trabalhadora que poderá fazer a diferença nesta disputa e no futuro da reforma que, afirmam, acaba com a Previdência Social no Brasil. “Estamos fazendo o nosso trabalho aqui, apesar do acesso à CCJ estar bem restrito. Mas é preciso que todos participem, mandando mensagens para os deputados por todos os meios e comparecendo [às manifestações que forem organizadas]”, convocou Adilson, que integra a base sindical da representação da categoria em São Paulo.

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