Orgulho LGBT: servidora destaca que é preciso agir contra preconceitos o ano todo


28/06/2022 - Luciana Araujo
Servidora do TRT-2, Fernanda Oliveira organiza sessão de vídeo e debate sobre a responsabilidade coletiva de respeito à dignidade das crianças e adolescentes trans e não binárias.

Fernanda e seu filho, Robin (arquivo pessoal).

Nos últimos 13 anos o Brasil manteve o triste posto de país onde mais são assassinadas pessoas transexuais. O dado é do relatório de 2021 da Transgender Europe (TGEU), organização que pesquisa o tema internacionalmente.

No ano passado, ao menos 300 pessoas LGBT+ sofreram mortes violentas no país. Aumento de 8% em relação a 2020. Os números incluem  suicídios associados ao preconceito (24 pessoas) e foram levantados pelo Grupo Gay da Bahia, que há 40 anos estuda o assunto a partir de notícias publicadas por veículos de mídia.

A violência fatal, no entanto, está longe de ser a única com a qual convivem as pessoas que sentem afeto e desejo distintos dos padrões sociais impostos como heterossexuais.

Inscreva-se aqui para o evento

Em 2019, o Supremo Tribunal Federal criminalizou a homofobia, mas os dados evidenciam a urgência de formação para a convivência respeitosa com a diversidade sexual. E debater o assunto no Judiciário Federal é parte dessa emergência humanitária, que não pode se encerrar no mês dedicado à celebração do orgulho LGBTQIAPN+. A sigla atualizada por demanda desta população identifica lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queers ou que reivindicam amplas possibilidades de atração sexual e/ou identidade de gênero, intersexuais, assexuais, pansexuais, não binários e toda a gama de vivências não aprisionadas nos papéis sociais compreendidos como de homens e de mulheres.

O evento ‘O Dia Seguinte: reflexões e ações para além do mês do orgulho’, organizado no próximo dia 30 em plataforma online pela servidora do TRT-2 Fernanda de Oliveira, busca contribuir para a mudança de visões conservadoras arraigadas na sociedade, que negam direitos e tiram até a vida de pessoas.

O evento é destinado a todas as pessoas que tenham interesse, principalmente às responsáveis por crianças e adolescentes em idade escolar, profissionais da educação, ativistas e quem trabalha com a promoção dos direitos da população LGBTQIAPN+. Às 19h30, será exibido o documentário ‘Limiar’, seguido de um bate-papo (inscreva-se aqui). A diretoria do Sintrajud apoia a iniciativa e convida a categoria a participar.

“Você não precisa conhecer, conviver com uma pessoa trans. Só o acesso a esses dados alarmantes já deveria ser suficiente para se interessar e lutar pela causa. Se eu pudesse resumir eu diria: a partir do momento que eu soube que uma criança pode desenvolver incontinência urinária por medo de usar o banheiro eu nunca mais dormi tranquila”, destaca Fernanda.

A proposta é reforçar o diálogo com a sociedade sobre a existências das pessoas trans, principalmente das crianças e adolescentes, e a importância de reconhecer, respeitar e acolher essas existências. O cenário político atual, com a crescente tentativa de criminalização e proibição das discussões de gênero, sexualidade e diversidade nas escolas, foi outro motivador para Fernanda.

No julgamento da Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 600, o STF também julgou inconstitucionais leis e trechos de leis que proíbem o ensino sobre questões de gênero e sexualidade na rede pública. O entendimento da Corte, que serve de jurisprudência a todas as ações em curso no país, é que “não tratar de gênero no âmbito do ensino não suprime essa questão da experiência humana, apenas contribui para a desinformação das crianças e dos jovens a respeito de tal tema, para a perpetuação de estigmas e do sofrimento que dele decorre.”

Ainda assim, há projetos de lei em diversas casas legislativas do país tentando impedir que a existência de parte da população brasileira seja tema da formação para a interação social. Enquanto isso, lembra Fernanda, “a expectativa de vida das pessoas trans é 35 anos, ou seja, metade da média das pessoas cis [cuja identidade de gênero se associa ao sexo biológico definido no nascimento, o que, em si, é uma construção social, visto que a noção de “homem” ou “mulher” também não se resume à condição biológica]”.

A servidora, que pesquisa a temática das sexualidades e identidades de gênero, destaca que os dados da realidade brasileira comprovam que a sociedade desumaniza as existências não submetidas, com requintes de crueldade.

“Eu sou uma estudiosa e uma entusiasta da diversidade. Acredito no benefício que o convívio com uma variedade de vivências pode nos trazer, além de ser uma cidadã consciente de que uma expansão de conhecimento é necessária para que todas as pessoas alcancem de fato o bem-viver e não apenas sobrevivam. Estudo sobre gênero há pelo menos 6 anos e, enquanto mulher hetero-cis, procuro exercer minha empatia (entendendo que as ações que faço a partir do meu lugar social podem impactar na vida das outras pessoas) para que essas questões sejam conversadas e difundidas a fim de que possamos combater o pré-conceito que embasa as mais diversas formas de violência contra a população LGTBQIAPN+”, afirma.

Fernanda ressalta ainda a responsabilidade de servidoras e servidores do Judiciário Federal na garantia dos direitos da população homoafetiva ou não cisgênera. “Nós, servidoras e servidores do Judiciário, temos o compromisso de cumprir a legislação no que tange aos Direitos Humanos, inclusive das pessoas trans. Respeitar o nome social e o uso do banheiro com o qual a pessoa se identifica são algumas das situações que podemos passar enquanto estivermos “servindo ao público”. Além do público externo, temos também o convívio com colegas de trabalho que podem cometer atos LGBTfóbicos disfarçados por piadas. Ter conhecimento sobre essas questões, por si só, é mais do que necessário, é um dever. Para além disto, muitas pessoas da categoria são responsáveis ou convivem com crianças e adolescentes”, lembra a servidora.

Nanda de Oliveira é especialista em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela PUCRS e autora de uma publicação que promove a diversidade e a inclusão na educação. ‘Um Manual para chamar de nosso’ está disponível gratuitamente no Portal Geledés (acesse aqui). A servidora também realiza workshops e oficinas que visam à promoção, defesa e garantia de direitos humanos, com foco na diversidade.

O filme: Limiar é um documentário autobiográfico de uma mãe que registra a transição de gênero do filho adolescente, expondo os conflitos, certezas e incertezas, medos e preconceitos vividos por pessoas que lutam para reconhecer, afirmar e buscar reconhecimento de sua identidade. Saiba mais aqui.

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