“A construção de um espaço de discussões LGBT é algo extremamente importante”, afirma diretor


29/06/2018 - Luciana Araujo

Parada LGBT na Avenida Paulista em 2014. Crédito: Ben Tavener/Wikipedia.

Nesta quinta-feira (28 de junho) comemorou-se o Dia Internacional do Orgulho LGBT. A data marca o reconhecimento da resistência que milhares de pessoas no país e no mundo ainda têm que fazer para assegurar o direito básico à sobrevivência. Há países, como na Rússia sede da Copa do Mundo de 2018 onde mulheres vêm sendo achincalhadas inclusive por cidadãos de nacionalidade brasileira sem maiores responsabilizações, onde ser homossexual ainda é criminalizado. Em algumas regiões do planeta, ser identificada como LGBT pode levar à condenação da pessoa à morte. Cidadãos e cidadãs que somente têm uma orientação sexual diversa da “padrão” são comparadas a pedófilos, abusadores ou consideradas depravadas. No Brasil, ser homossexual não é crime, mas também resulta muitas vezes em assassinatos.

O site ‘Homofobia Mata’, mantido pelo Grupo Gay da Bahia, uma das mais atuantes organizações nacionais no levantamento de crimes contra a população homossexual no país, aponta que no ano passado, a cada 20 horas uma pessoa foi morta por motivação homotransfóbica (a discriminação à população gay, lésbica, travesti ou transexual – aquelas que não se reconhecem no sexo com o qual foram identificadas ao nascer). Só neste ano, de acordo com a mesma organização da sociedade civil, até o dia 16 de maio 153 pessoas perderam a vida por não serem heterossexuais.

O Brasil é também o país onde mais se mata pessoas transexuais e travestis no mundo, segundo estudos realizados pela organização não governamental Transgender Europe.

Uma vida sem direitos

Mesmo quando sobrevivem aos ataques homofóbicos, as vidas da população LBGT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis) é de muita restrição de direitos. “A realidade em que vive uma significativa parcela da população, em especial pessoas trans e travestis, mas não limitado a essas, é de absurda supressão de seus direitos civis. É preciso uma política de inclusão que assegure condições de trabalho e acesso ao trabalho a essas pessoas. Também precisamos combater ativamente políticas que promovam o preconceito e façam acusações infundadas, que colocam a identidade de gênero e a orientação sexual das pessoas como ameaças a valores estabelecidos, como a família, a vida em sociedade, etc.”, ressalta o servidor do TRT-2 e diretor do Sintrajud Fabiano dos Santos.

Orgulho

O 28 de junho surge a partir da reação da população homossexual frequentadora do bar Stonewall Inn, em Nova Iorque, naquela data em 1969. Eram comuns batidas policiais violentas no local, até o dia em que as pessoas resolveram reagir e sair às ruas em defesa do direito à existência com sua orientação sexual (por quem a pessoa sente atração para estabelecer um relacionamento afetivo) e identidade de gênero (aquela na qual o indivíduo se reconhece e que é diversa da que a sociedade aponta que ele deveria seguir).

Neste ano, no Brasil, completam-se 40 anos do surgimento da primeira organização de defesa dos direitos LGBT em todas as esferas da vida: o Grupo Somos (Grupo de Afirmação Homossexual). Em meio à ditadura empresarial-militar, a perseguição política estendeu-se também à população LGBT, com repressão violenta, prisões e assassinatos. O Grupo Somos denunciava a ação discriminatória do Estado brasileiro e reivindicava direitos. O portal “Memórias da Ditadura” resgata essa parte da história do Brasil e destaca que “à forte repressão sofrida, a comunidade LGBTs respondeu com a criação e o fortalecimento de movimentos de resistência inspirados nas organizações de luta por direitos de homossexuais, surgidas no contexto internacional.”

Para a diretoria do Sintrajud, em tempos onde setores da sociedade defendem uma nova “intervenção militar”, recordar esse passado é parte importante da resistência e da campanha de denúncia do crescimento de organizações de viés conservador e autoritário na sociedade, e de como isso afeta as garantias e liberdades sociais e individuais. Como aprovado na assembleia geral da categoria ocorrida no último dia 16 de junho.

“Houve muitos avanços nestes 40 anos, mas também houve uma despolitização da agenda LGBT, que em alguns casos foi suprimida pela comercial e turística. As pessoas ainda enfrentam dificuldades, as LGBT continuam sendo mortas. Precisamos avançar com formulação e implantação de políticas públicas que combatam a desigualdade resultante do medo e do preconceito”, ressalta Fabiano dos Santos.

O Judiciário legalizou o amor, mas ainda não combate efetivamente

Em 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito à união civil entre pessoas do mesmo sexo e a “inconstitucionalidade de distinção de tratamento legal às uniões estáveis” homoafetivas. E, em 2013, a Resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça determinou que os cartórios de todo o Brasil não poderiam mais recusar a celebração de casamentos civis ou deixar de converter em casamento a união estável.

No ano de 2017, o STF reconheceu nos casais homossexuais o direito de família, tornando inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no artigo 1.790 do Código Civil, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável LGBT.

Uma vitória importante, pois era até então comum pessoas do mesmo sexo construírem uma vida em comum por anos, patrimônio, memórias e, na morte de um dos cônjuges, a pessoa que continuava viva perder todos os direitos aos bens acumulados. Inclusive em batalhas judiciais contra famílias que não aceitavam a orientação sexual ou a identidade de gênero da pessoa falecida.

E nesta sexta-feira (29 de junho) o CNJ regulamentou o direito de troca de nome e sexo nos documentos sem necessidade de comprovar cirurgia de afirmação sexual.

No entanto, a homofobia segue muito forte no país. Em Santa Catarina, o promotor Henrique Limongi vem sendo denunciado por sua cruzada para anular casamentos e uniões estáveis constituídas. Desde 2015 ele já foi denunciado por 68 casais, mas um processo investigativo no Conselho Nacional do Ministério Público foi arquivado, informa o jornal ‘O Estado de São Paulo’ em reportagem publicada no último dia 20.

No Poder Judiciário não é diferente para os trabalhadores. “A construção de um espaço de discussões para as pautas LGBT é algo extremamente importante, mas de difícil execução, pois a grande maioria, com raras exceções, teme pela exposição. É tarefa de todos, não apenas do segmento oprimido, criar e participar desse necessário espaço de discussões, para que as pessoas que hoje sofrem com a opressão encontrem um espaço que as acolha e onde possam ajudar a construir saídas de forma coletiva, sem ter para si próprias o ônus de construir esse espaço”, conclui Fabiano.

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