Organizar a resistência: defender a aposentadoria e os direitos


01/11/2018 - Luciana Araujo

O resultado das eleições deste domingo, que alçou à presidência da República o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro, é expressão do colapso do regime da Nova República e do pacto social da Constituição de 1988, e representa o aprofundamento do plano de desmonte de direitos patrocinado pelos setores dominantes. Embora o debate de projetos tenha sido escamoteado durante o processo eleitoral.

Antes mesmo da vitória, o então candidato a vice-presidente, general Hamilton Mourão, declarou em coletiva de imprensa logo após votar que “a primeira coisa é dar um ajuste na nossa economia e a reforma da Previdência é fundamental”. E completou: “a [proposta de reforma previdenciária] que está no Congresso hoje seria um grande passo porque o ótimo é inimigo do bom e se nós temos algo bom a gente toca esse avião mais para frente porque ele vai cair no nosso colo. Mas para a frente a gente consegue ajustar de uma forma melhor”.

Ou seja, numa só declaração o general da reserva que ocupará o Palácio do Jaburu a partir de janeiro já prometeu duas reformas previdenciárias. Certamente porque o projeto defendido pelo candidato eleito à cabeça de sua chapa prevê um ajuste ainda maior, a fim de que toda a carga contributiva da sustentação da previdência fique sob responsabilidade do trabalhador. Já no dia seguinte ao resultado, o presidente eleito e seus “superministros” confirmaram publicamente essas intenções. Ao mesmo tempo em que o presidente eleito defendia a aprovação de medidas ainda neste ano, o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, afirmou que a reforma previdenciária de Temer é um “remendo”, defendendo ataques ainda mais profundos às aposentadorias.

Michel Temer, atual mandatário, correu a afirmar que é possível finalizar a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287-A ainda neste ano. O atual ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, recomendou que o presidente eleito não deixe para o ano que vem a votação da reforma. Agências de classificação de risco, como a Moody’s e a Fitch, também já pressionam pela derrubada dos direitos de aposentadoria. O assunto deve ser tema do processo de transição governamental que teve início já nessa segunda.

Como já afirmávamos antes do primeiro turno, os ataques tentados serão muitos. Passadas as eleições, é hora de retomar a mobilização para impedir a consolidação do ataque às aposentadorias.

E, nesse sentido, cumpre destacar que o novo mandatário não recebeu apoio da maioria da população. Bolsonaro venceu a eleição com votos de 39% dos eleitores. Somados, os votos do outro candidato, os brancos, nulos e abstenções batem na casa dos 61%. Ultrapassa os 30% o número daqueles que não votaram em nenhum dos candidatos, e a quantidade de votos nulos foi a maior desde 1989. Embora o candidato tenha sido eleito com grande parcela de votos da classe trabalhadora, compreendemos que a maioria da população não compartilha de um projeto de extrema-direita, em um processo eleitoral no qual tudo foi feito para que as questões de fundo do país e os interesses reais da população não fossem discutidos.

A eleição de Bolsonaro é produto de vários fatores, sendo estrutural a crise internacional aberta em 2008, que levou a uma onda de governos conservadores ou reacionários em diversos países no mundo. Honduras e Paraguai abriram a lista, com governos derrubados e eleições antecipadas. Bulgária, Áustria, Itália e outros 12 países já trilharam o caminho da ultra-direita na última década. Além dos Estados Unidos, que surpreenderam o mundo com Trump. Mandatários de perfil autoritário e violento expressam a necessidade do capital de extração de direitos e conquistas para reduzir as perdas de trilhões acumuladas pelo mercado especulativo desde da explosão dos subprime.

No Brasil, a crise econômica produziu terreno fértil para a profunda crise política desencadeada nos últimos anos. A falta de respostas para as demandas populares e o desvelamento da podridão do sistema político, somados aos escândalos de corrupção, à precariedade e sucateamento dos serviços públicos, ao desemprego e à queda da renda, à violência e à insegurança, levaram a população à descrença e à rejeição a “tudo que está aí”.

O povo buscou alguma alternativa, e Bolsonaro – que está há 27 anos no Congresso Nacional sendo eleito por alguns dos partidos mais corruptos do país (PDC, PPR, PPB, PP) – surfou a onda de “outsider”, com seu discurso violento, sendo esta a maior fake news de sua campanha. Não à toa entre os primeiros ministros anunciados estão nomes como Alberto Fraga (condenado em primeira instância a regime semiaberto por amealhar R$ 350 mil em propinas quando era secretário de Transportes no Rio de Janeiro) e Ônyx Lorenzoni, que admitiu ter recebido R$ 100 mil em caixa dois da JBS. Os anúncios geraram forte indignação no eleitorado de Bolsonaro e pode haver recuo. Mas só o fato de cogitar tais nomes já diz muito sobre a “luta contra a corrupção” propalada pelo próximo presidente da República.

A velha e superficial polarização que ocupou a política institucional nas últimas décadas ruiu. Políticos e partidos conhecidos como expressão do sistema foram varridos, sendo o PSDB o caso mais notório. À frente do governo por mais de 13 anos, o PT e o lulopetismo também são vistos por amplas camadas da população como integrantes do sistema e têm enorme responsabilidade na crise atual, pela política de alianças com os grandes proprietários e corporações e com os setores políticos mais atrasados, pelo envolvimento nos velhos esquemas, e ainda pela política de cooptação e desmobilização dos movimentos sociais e populares, que buscou conter e administrar as lutas e canalizá-las para a esfera restrita e apodrecida do sistema parlamentar.

Nesse quadro, diante da falta de outras alternativas que dialogassem com as demandas mais concretas e sentidas do povo – justificadamente desconfiado das promessas dos velhos políticos de sempre -, potencializado por elementos como a ignominiosa facada sofrida em Juiz de Fora, a campanha midiática e as redes de difusão das fake news, o candidato eleito acabou por ocupar o vácuo deixado pela crise.

Bolsonaro, no entanto, é parte e expressão do sistema em colapso. O presidente eleito já prometeu um país semelhante ao que éramos há 50 anos. A conta de quem tem por ídolo o torturador declarado pelo Judiciário – o ex-coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra – nos faz voltar exatamente ao início do período mais sombrio da ditadura empresarial-militar brasileira: 1968. Naquele ano os mandatários que haviam chegado ao poder em 1964 seguiram o conselho de Jarbas Passarinho e mandaram “às favas os escrúpulos”, inaugurando o auge dos desaparecimentos, torturas e mortes.

A retórica vem, como nos anos de chumbo, em resposta aos avanços buscados pelos trabalhadores. Reajustes como o conquistado pela nossa categoria com a última e histórica greve – que ao final da efetivação da tabela, em janeiro do ano que vem, significará um ganho médio nos salários básicos de 40% em relação a 2015 – serão parte de um futuro distante se não houver muita luta. Bolsonaro ajudou a aprovar a Emenda Constitucional 95, que pretende nos deixar sem aumento até 2036, sob a pecha de que seríamos “privilegiados”. Sendo que há mais de 20 anos nossa data-base é descumprida.

O discurso de “varrer o ativismo” não é à toa. É necessário insuflar a população contra aqueles que se opuserem ao projeto de desmonte de direitos, inclusive os sindicatos. Sem os “baderneiros” que deram a vida em maio de 1886 pela redução da jornada de trabalho, ainda estaríamos submetidos às 12, 13 horas de exploração diária. Não fossem as sufragistas que morreram execradas como mulheres indecentes, a parcela feminina da população não teria hoje o direito a voto. Que seria dos direitos que hoje cobramos nas ruas e nas urnas se não tivéssemos derrubado o regime dos quartéis? Ingresso no serviço público só por concurso, Regime Jurídico Único, licença maternidade de 180 dias, não teríamos conquistado nada disso.

São graves também os ataques contra a liberdade de imprensa. O presidente eleito chegou a afirmar que o jornal ‘Folha de S.Paulo’ “se acabou” (sic) e insinuou chantagem e cooptação com dinheiro público.

E por isso, reafirmamos: o Sintrajud nunca teve compromisso com o PT e seus governos. Ao contrário, fez oposição a todos os desmandos e ataques promovidos entre 2003 e abril de 2016. Lutamos contra a reforma da Previdência de Lula e os ataques de Dilma às aposentadorias e pensões. Lutamos por salários, pela carreira e para derrubar o veto de Dilma ao PLC 28/15. Conquistamos com uma greve histórica o último reajuste. Denunciamos os desvios de corrupção e defendemos que todos os responsáveis fossem e sejam punidos.

Seguimos lutando contra o governo Temer e seguiremos lutando contra todos aqueles que atacarem nossos direitos e reivindicações.

Agora, não podemos calar diante de ameaças de intervenções e ataques às normas básicas de uma democracia. Liberdade de crítica, condenação sem mediações à tortura, direito de organização sindical, investimentos sociais e em políticas públicas de garantia de vida digna caminham juntos. Por isso, seguiremos em resistência em defesa dos direitos dos servidores do Judiciário e do conjunto dos trabalhadores. Continuaremos defendendo a realização de uma greve geral se o atual ou o futuro governo tentarem aprovar a reforma da Previdência. Seguiremos lutando pela data-base, o reajuste dos benefícios, a carreira, e todos os direitos que nosso trabalho deveria nos assegurar. E nos levantaremos contra qualquer tentativa de redução, desmonte ou extinção da Justiça do Trabalho, como já tem sido também ventilado como parte das propostas do presidente eleito, que como deputado votou favoravelmente à reforma trabalhista.

Independente de em quem os trabalhadores da categoria votaram, o momento é de unir o conjunto dos locais de trabalho para reafirmar nosso sonoro NÃO à reforma da Previdência e defender os direitos sociais. À luta!

Diretoria Executiva do Sintrajud

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