Oficiais de Justiça temem aumento da exposição ao risco pela massificação do acesso às armas


27/06/2019 - Helio Batista Barboza e Luciana Araujo

A polêmica sobre a política armamentista do governo Jair Bolsonaro (PSL) segue. Nesta quinta-feira (26 junho) a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou a extensão da posse apenas para a área interna de propriedades rurais, no que foi apontado pelos senadores como uma “correção necessária” ao Estatuto do Desarmamento, que prevê o uso nos limites da residência e em atividade profissional. A decisão da CCJ é apontada também como uma mediação com os ruralistas para legitimar a votação no plenário daquela Casa Legislativa no dia 18 de junho, quando os decretos presidenciais liberando a posse e porte de arma para mais de 20 categorias profissionais e diversos setores sociais foi rejeitado por 47 votos a 28. O Projeto de Decreto Legislativo (PDL) suspendendo os efeitos da medida presidencial alertava que o presidente da República praticamente revogava o Estatuto do Desarmamento, de forma inconstitucional. O PDL ainda terá de ser apreciado na Câmara dos Deputados.

De terça-feira para hoje o governo também foi muito criticado por editar três novos decretos numa tentativa de manter sua política mesmo contra a decisão do Legislativo. Um dos decretos (de número 9.844) revogava os anteriores, no que pareceu uma aceitação republicana da votação do Congresso Nacional, mas mantinha praticamente todos os elemento derrubados pelo Senado. No mesmo dia foram editados os decretos 9.845 e 9.846  para tratar especificamente da posse em casa e regras para colecionadores e caçadores. Logo em seguida o decreto 9.847 revogou o 9.844, retirou a liberação de posse às diversas categorias citadas no anterior mas manteve o a brecha para civis comprarem fuzis. O governo promete ainda um projeto de lei sobre o tema.

Toda essa confusão vem sendo ainda mais criticada porque o presidente Jair Bolsonaro já havia declarado que não pretendia adotar novas medidas para restabelecer o conteúdo dos decretos armamentistas, caso as medidas sejam derrotadas no Congresso.

A liberalização ampla de armamento na sociedade não atende à antiga reivindicação dos oficiais de justiça – incluídos originalmente entre as categorias abrangidas pelos decretos presidenciais – e ainda traz mais riscos à segurança desses servidores. Essa é a avaliação de oficiais dirigentes do Sintrajud e da Fenajufe ouvidos pela reportagem.

Lucas Dantas Freitas, oficial servidor da Justiça Federal e diretor do Sindicato avalia que “da forma como foi feito [o decreto de Bolsonaro], estendendo o porte de armas para um número muito grande de pessoas, acaba trazendo mais problemas, principalmente para nós, que estamos na rua”, disse Lucas. “Uma grande quantidade de armas em circulação traz prejuízos à nossa segurança”, afirmou. Lucas é membro da coordenação do Núcleo de Oficiais do Sintrajud.

“Quando a pessoa se revolta contra o Estado, dirige esse revolta contra a pessoa que representa o Estado e para todos os efeitos é o oficial que está na linha de frente”, observou o oficial Marcos Trombeta, coordenador jurídico da associação dos oficiais de justiça de São Paulo (Assojaf-SP). “É preocupante que mais pessoas tenham direito a ter armas, porque isso vai gerar mais meios para reagirem de forma violenta [contra o oficial]”, afirmou.

Dirigente da Federação Nacional da categoria (a Fenajufe), o também oficial de justiça na JFSP Erlon Sampaio considera irresponsáveis as medidas como vêm se dando. “O governo banalizou o porte e a posse de armas, estendendo para vários segmentos da sociedade, inclusive para além do serviço público e para algumas categorias para as quais não havia justificativa para estabelecer o porte de armas. Depois, percebendo que não tinha apoio no Congresso, editou novas medidas e decretos abrindo a porteira. E não atende minimamente aos setores que efetivamente exercem atividade de risco, porque a intenção nossa, o que considerávamos justo, é que fosse concedido o porte àqueles servidores que, de fato, fizessem jus em razão da atividade de risco que exercem, não em razão simplesmente de a pessoa entender que deve ter uma arma e portá-la. Para o nosso segmento em especial essa banalização significa um aumento do risco. Para nós que trabalhamos nas ruas e vamos enfrentar parte da sociedade que estará armada, certamente vai ser uma preocupação a mais, porque essa parte da sociedade que não está preparada para andar armada pode reagir de maneira inesperada em face dos servidores públicos. É uma medida inconsequente do governo federal, que tenta encaminhar uma pauta promessa de campanha, mas de forma irresponsável”, afirmou. Erlon também integra a direção da Assojaf e a coordenação do Núcleo de Oficiais do Sintrajud.

Projeto na Câmara

Além dos oficiais de justiça, um dos decretos presidenciais estendia a autorização para o porte de armas de fogo aos agentes de trânsito, advogados, jornalistas que atuam na cobertura policial, conselheiros tutelares e caminhoneiros, entre outros. Editado em janeiro, o decreto foi alterado em maio, inclusive para proibir o porte de fuzis por cidadãos comuns. As autorizações podem ser retomadas no projeto de lei que o governo promete apresentar em breve.

O porte de armas de fogo é uma antiga reivindicação dos oficiais de justiça, relacionada à luta pelo reconhecimento de sua atividade como profissão de risco, com direito à aposentadoria especial.

Tanto o porte de armas quanto o reconhecimento como profissão de risco mobilizam o Núcleo de Oficiais do Sintrajud, os núcleos de outros sindicatos da categoria e da Fenajufe e as associações do segmento.

“Independentemente do decreto, temos de continuar lutando pelos projetos que tramitam na Câmara com a finalidade de conceder aos oficiais o porte de armas”, afirmou Marcos.

Os oficiais defendem a aprovação do PL 5415/2005, que tem um texto mais específico em relação ao segmento. Marcos Trombeta destacou que a proposta está pronta para ir à votação em plenário. “A ideia é focar nesse projeto, que atende melhor a nossa reivindicação”, disse Lucas.

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