O Judiciário não pode seguir a reboque do autoritarismo


23/10/2018 - Luciana Araujo

Neste domingo, 21 de outubro, o nível de ataques ao Judiciário Federal ultrapassou todos os limites do que se pode considerar tolerável em uma democracia digna de ser chamada por este nome. No entanto, a entrevista coletiva concedida pela ministra Rosa Weber, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, informou mais à Nação pelo que não foi dito do que pelas tentativas de mostrar que o rei estaria adequadamente trajado enquanto o país e diversas nações se escandalizam com a nudez explícita.

Um dia após viralizar na internet o vídeo do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL/SP) afirmando que bastam um soldado e um cabo para fechar o Supremo Tribunal Federal, do qual Weber é ministra, a presidenta da Corte eleitoral falou à Nação ladeada por um general e admitiu que ao TSE não é possível impedir que ocorra no Brasil a manipulação empresarial do voto por meio das chamadas fake news.

Sobre a fala do deputado, a ministra limitou-se a manifestar que já fora desautorizado pelo candidato à Presidência pai do parlamentar, que as instituições “funcionam normalmente” no país e que os juízes não se deixam abalar por manifestações de conteúdo “inadequado”.

A questão não pareceu tão prosaica para ser qualificada apenas como “inadequada” a colegas de Rosa na Corte Suprema, juristas e advogados. O ministro Celso de Mello referiu-se às declarações do deputado de forma, digamos, mais adequada. Para o decano, a fala de Eduardo Bolsonaro gravada em vídeo durante palestra proferida em julho a estudantes é “inconsequente e golpista”.

Afirmar que as instituições estariam funcionando normalmente só evidencia como o Judiciário é parte da crise. E todos os seus recentes movimentos, e principalmente suas omissões, só alimentam o clima de instabilidade que se abate sobre o país. As recentes manifestações dos chefes dos tribunais superiores não têm contribuído em nada para a efetiva defesa das liberdades políticas e democráticas. Principalmente dado o comportamento tão errático destes dirigentes.

Em julho, o ex-presidente do TSE, ministro Luiz Fux (conhecido da população por garantir há quatro anos o pagamento de auxílio moradia a juízes de todo o país em decisão monocrática absolutamente questionável), afirmou que as eleições poderiam até ser anuladas se fosse comprovada a influência das fake news no voto secreto e soberano. Agora, não se tem ainda “o milagre” para evitar as mentiras eleitorais. Nem mesmo as ameaças pessoais dirigidas à presidente da Justiça Eleitoral geraram reação à altura.

Não é a primeira vez que o presidenciável e seu filho parlamentar atacam o Judiciário enquanto instituição integrante do sistema de freios e contrapesos da República. O discurso que agora o deputado diz que foi uma “brincadeira” é mais uma ameaça de ruptura institucional dentre as diversas às quais a sociedade brasileira tem assistido estarrecida nos últimos dias.

O candidato ao qual Eduardo está fraternalmente vinculado já defendeu alterar a composição no STF, nos moldes do que foi feito pela ditadura empresarial-militar em 1965. Por diversas vezes os dois lançaram suspeitas e acusações contra nós servidores ao afirmar que haveria fraudes nas urnas eletrônicas praticadas por funcionários do TSE. São inúmeros os vídeos produzidos reiterando essa ilação que busca nos criminalizar e jogar a população contra nós (assista a alguns abaixo).


Julho/2017


Entrevista concedida por Bolsonaro a José Luiz Datena em 28/09/2018 (ataque à Justiça Eleitoral a partir de 7 minutos).

Confira também o vídeo de entrevista concedida pelo candidato ao ‘O Antagon!sta’, 07/02/2018

As afirmações de que tais calúnias atentam contra a credibilidade do sistema eleitoral, configuram situação “intolerável” e estão merecendo “a devida resposta” precisam ser acompanhadas de efetivo retorno à sociedade. E a resposta institucional deve incluir também inequívoca defesa da honra e fé pública dos trabalhadores da Justiça Eleitoral, sobre o quê nenhuma menção foi feita pela presidente da Corte durante as duas horas de coletiva na qual o tema da suposição de fraude voltou por diversas vezes à discussão. E a resposta enérgica do Sistema de Justiça para responsabilizar quem afronta os princípios básicos constitucionais não tem nada a ver com desrespeito ao devido processo legal, que pode e deve ser cumprido com celeridade.

Sobre a Justiça do Trabalho, Bolsonaro já disse que “é um inferno” (confira no vídeo abaixo), que é necessário mexer na legislação e reduzir a estrutura. Além de ter votado favoravelmente à reforma trabalhista.

Lamentável que na manhã desta segunda-feira o ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins Filho, tenha se reunido a portas fechadas com o candidato do PSL. E, dado o histórico de Gandra Filho na articulação de ataques à instituição que presidiu, certamente não foi para defender o Judiciário Trabalhista como sistema de garantia de direitos.

Não há que se falar em liberdade de expressão para justificar a inércia diante de operações empresariais para favorecimento de candidaturas, ataques aos direitos humanos, ameaças de ruptura institucional e calúnias ao serviço público garantidor de direitos por pessoas que se apresentam para cumprir a tarefa de representação popular. O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que completa 70 anos neste 2018 e é cotidianamente afrontada, é claro: “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.” O direito à liberdade de expressão não é absoluto, e inclui também a responsabilização pelas manifestações que cada cidadão faz no debate público.

A diretoria do Sintrajud soma-se àquelas e àqueles que cobram um posicionamento firme do Poder Judiciário em resposta aos ataques ao equilíbrio institucional, às liberdades democráticas e aos servidores. Mais que notas, são necessárias atitudes efetivas a fim de parar este perigoso percurso de retrocesso nos direitos e garantias efetivados pela Constituição de 1988.

Diretoria executiva

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