Nota de pesar: Margarida Barreto, presente!


04/03/2022 - Luciana Araujo
Morte da precursora dos debates sobre assédio moral no Brasil repercutiu em todo o movimento sindical; médica feminista também atuou na ginecologia.

Margarida em palestra no auditório do Sintrajud, em 2008 (Foto: Jesus Carlos).

Foi cremado no início da tarde desta sexta-feira, em cerimônia no cemitério da cidade de Taboão da Serra, o corpo da médica Margarida Barreto, que faleceu neste dia 3 de março. A ginecologista feminista foi uma militante em defesa da saúde de trabalhadores e trabalhadoras, e dedicou 30 anos de sua carreira a orientar sindicatos para o enfrentamento ao assédio moral.

Em tratamento de um câncer no estômago, no início deste ano Margarida contraiu o novo coronavírus, o que agravou seu quadro e resultou no óbito, mesmo tendo se curado da síndrome provocada pelo SarsCov2.

A diretoria e os funcionários do Sintrajud manifestam pesar e solidariedade à família e aos amigos da pesquisadora. Dezenas de entidades sindicais e centrais também prestaram condolências.

Uma vida contra a humilhação no trabalho

Em 2003, Margarida publicou o primeiro estudo sobre o assédio moral no país: Violência, Saúde e Trabalho – Uma Jornada de Humilhações, resultado de sua dissertação de mestrado em psicologia social na Pontifícia Universidade Católica (leia um resumo aqui). Em 2008, editou Assédio moral no trabalho (Cengage Learning). E foram inúmeras as publicações sobre o tema, dentre elas, Assédio moral: gestão por humilhação (Editora Juruá, 2018), em parceria com o professor da Unicamp Roberto Heloani, que coordena a pesquisa ‘Riscos psicossociais nos ambientes de trabalho do Judiciário’, realizada pelo Sintrajud.

À reportagem, Heloani lamentou a morte da amiga e colega de trabalho. “Conheço Margarida há 25 anos, foi minha principal parceira intelectual, amiga, irmã. Logo depois que iniciou o estudo deste assunto, me chamou para trabalhar com ela no tema, ninguém falava ainda sobre isso no Brasil. Aí fizemos o site, que está até hoje no ar – embora tenham conseguido derrubar e tenhamos tido que alterar o endereço [de assediomoral.org para assediomoral.org.br], sem cobrar nenhum centavo apesar das orientações que sempre disponibilizou. Foi um prazer conhecer e trabalhar com uma pessoa tão honesta e comprometida. Se não fosse o esforço dela ainda estaríamos, mesmo no mundo sindical, tratando o assédio moral como uma questão individual.”

Durante anos a médica assessorou sindicatos para debater o conceito e as consequências da violência moral no trabalho, que classificava “uma política” de gestão do trabalho para aumentar a produtividade que cria “uma rede de violência”.  “A manifestação [do assédio moral] parece individual, mas a causa é organizacional, com uma instituição que silencia ou cumplicia com a humilhação”, afirmou certa vez em uma palestra.

Em entrevista ao Jornal do Judiciário, do Sintrajud, em 2008, ressaltou que as causas do assédio moral são a cultura organizacional e a forma de organização do trabalho baseada na competitividade exacerbada, na hierarquia assimétrica, sem definições claras de fluxos e na redução de pessoal para maximizar a produtividade. E cravou: “O autoritarismo é a grande ferramenta daqueles que não sabem comandar”.

Margarida em palestra organizada pelo Sintrajud, em 2014, no Fórum Ruy Barbosa (Foto: Jesus Carlos).

A primeira cartilha sobre o tema produzida pelo Sindicato baseou-se em estudos de Margarida, que ministrou por diversas vezes palestras para a categoria. A última delas aconteceu em 2014, no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa (foto).

Doutora em psicologia social, Margarida atuou ainda como professora no curso de pós-graduação em Medicina do Trabalho da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Também pesquisou sobre os impactos das violências de gênero e o assédio sexual nas vidas das trabalhadoras.

 

 

* Texto atualizado em 04/03/2022 às 21h09, para inclusão da declaração do professor Heloani.

TALVEZ VOCÊ GOSTE TAMBÉM