Na Fiesp, Gilmar Mendes critica supersalários sem citar distorções criadas pelo CNJ e STF


26/03/2025 - Helcio Duarte Filho
Representantes do Sintrajud e outras entidades sindicais denunciaram em ato na porta da Federação das Indústrias que a ‘reforma’ administrativa debatida no evento empresarial é contra o povo e ataca quem trabalha todos os dias para manter os serviços públicos funcionando. 

O ministro Gilmar Mendes durante o seminário promovido pela Fiesp (Fotos: Ayrton Vignola e Everton Amaro / Flickr Fiesp).

O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes criticou os ‘supersalários’ e penduricalhos pagos a magistrados, clamou por providências, mas omitiu que essa realidade é alimentada por uma política de gestão que tem nos tribunais e conselhos superiores o seu principal anteparo.

Quem ouviu o discurso do ministro com olhar crítico e mais atento, deve também ter percebido que em momento algum, quando se referiu aos altos salários, Mendes mencionou as palavras ‘juízes’ ou ’procuradores’, optando por tratar do tema como um grave problema genérico do Judiciário.

“Estamos vivendo este festival, que é agregado inclusive com o pagamento de salários e remunerações atrasados. Ninguém sabe quando começa isso. E isso pode ir até o início dos tempos. Alguém recebeu 500 mil, mas é devido aos atrasados. Inventam fórmulas”, disse, sempre se utilizando do sujeito oculto e de uma conveniente generalização.

Seminário e protesto

Ato simbólico em frente à sede da Fiesp (Foto: Renato Padalka).

A não menção aos beneficiários da ‘desordem’ salarial mencionada por Gilmar Mentes está longe de parecer descuido. Afinal, o ministro falou justamente no seminário promovido pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), na segunda-feira (24), para defender uma urgente ‘reforma’ administrativa nos serviços públicos.

Do lado de fora, na entrada da Fiesp, na av. Paulista, representações de entidades sindicais, entre elas o Sintrajud, denunciavam que o modelo de reforma constitucional pautado é ‘contrário aos interesses do povo’. E que reiteradamente tem como alvos os cerca de 12 milhões de servidores e servidoras municipais, estaduais e federais, cuja imensa maioria das remunerações está a distância abissal inclusive dos salários regulares dos magistrados. O ato fora convocado pelo Fórum dos Servidores Públicos no Estado de São Paulo.

O Globo: 450 palavras, nenhuma menção a juízes

O discurso do ministro do Supremo repercutiu. Mas a omissão aos juízes, só lembrada quando tratou de defender uma possível revisão remuneratória aí expressamente para magistratura, reverberou na mídia.

O jornal “O Globo” e outros veículos publicaram notícia também omitindo que os salários turbinados por gordos penduricalhos beneficiam somente magistrados, promotores e procuradores.

Sob o título “Judiciário vive ‘quadro de verdadeira desordem nos supersalários’, diz Gilmar Mendes”, o site do “O Globo” traz um texto com quase 450 palavras no qual em momento algum são mencionados os substantivos ‘juízes’ ou ‘magistrados’.

Sindicato vem denunciando

O Sintrajud, o Coletivo LutaFenajufe, a federação nacional (Fenajufe), assim como outras entidades sindicais da categoria, vêm denunciando os penduricalhos e supersalários. O Sindicato assinala que os recursos utilizados para bancar o que Gilmar Mendes chamou na Fiesp de ‘festival e desordem’ vem quase sempre das verbas de pessoal que poderiam ser utilizadas para outros fins pertinentes e justos.

Como para atender a demandas represadas dos servidores e servidoras, promover mais equidade salarial e funcional, tratamento justo e isonômico na assistência à saúde e empossar aprovados nos concursos. Com isso, também contribuiria para uma melhor prestação do serviço jurisdicional.

A direção do Sintrajud, entretanto, vem assinalando que ocorre justamente o contrário: é a recorrente negativa das administrações às demandas dos servidores que abre margem de recursos no Orçamento para turbinar os altos contracheques da magistratura.

Greve do dia 20: construindo a reação 

Neste aspecto, tanto o CNJ quanto o STF vêm contribuindo para isso com suas decisões e políticas de gestão, não obstante as críticas públicas de ministros aos penduricalhos. No seminário, Gilmar Mendes chegou a mencionar, brevemente, uma certa ‘falha’ do Conselho Nacional de Justiça em disciplinar os limites para as remunerações. Mas ficou nisso. E novamente sem dar nome a quem usufruiu dessa ‘desordem’ com aparência de ser muito bem planejada.

Tampouco olhou para outro aspecto dessa história, a paralela depreciação das condições salariais e de trabalho dos servidores, como as entidades sindicais vêm apontando. A não abertura real de negociações para o encaminhamento do projeto de reestruturação de carreira (PCCS) ao Congresso Nacional, as decisões que ameaçam o auxílio-saúde dos servidores e os votos do próprio ministro Gilmar Mendes no julgamento dos quintos são alguns entre muitos exemplos disso.

Faces de uma política de gestão denunciada na greve de 24 horas e nos atos do dia 20 de março. A mobilização, articulada nacionalmente pôs em marcha o movimento que busca impulsionar a reação da categoria, que exige o fim da exclusão do Orçamento das pautas que valorizam as carreiras e podem assegurar condições adequadas de trabalho na prestação dos serviços jurisdicionais à população.

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