Mulheres ocupam ruas pelo Brasil contra o “PL do Estupro” e projeto perde força


17/06/2024 - Gisele Pereira e Luciana Araujo
Avenida Paulista foi palco de protestos na quinta e no sábado contra criminalização das mulheres; decisão da Câmara de acelerar a tramitação do PL é rejeitada por 88% em enquete da Casa Legislativa.

Ato na Av. Paulista reuniu mais de 5 mil participantes. Foto: Giselle Pereira

Em São Paulo, manifestantes protestaram por duas vezes na semana passada contra o projeto de lei 1904/2024, que já ficou conhecido como ‘PL do estupro’, por propor equiparar o aborto após 22 semanas de gestação ao homicídio simples.

A propositura passou a tramitar em regime de urgência na Câmara dos Deputados, em votação que durou 23 segundos, no último dia 12 de junho.

São Paulo organizou uma das maiores manifestações nesse sábado (15), em rechaço ao PL, mas protestos ocorreram em todas as capitais, reunindo milhares.

Após a reação imediata nas ruas, deputados do Centrão já demonstram recuo em relação à aprovação da propositura. É o que declarou o presidente do PP, Ciro Nogueira – partido do presidente da Câmara, Arthur Lira – aos meios de comunicação nesta segunda, 17 de junho. Segundo Nogueira, o compromisso da legenda com a bancada fundamentalista era votar apenas a urgência do projeto de lei, e não de levá-lo a Plenário. 

Por lei, o aborto é permitido e garantido no Brasil nos casos em que a gestação decorreu de estupro, representa risco de morte para a pessoa gestante ou em situações de bebês anencefálicos, sem estabelecimento de um tempo máximo de gestação para o interrompimento dessas condições.

As normativas técnicas do Ministério da Saúde, no entanto, já limitam o procedimento de praxe para estupro a 22 semanas ou 500 gramas de peso do feto (leia aqui), sendo necessária autorização judicial para o procedimento. A inclusão de pena a gestantes e médicos é uma evidente medida de constrangimento a profissionais de saúde e ao Judiciário para que a interrupção seja negada a todas as mulheres e meninas mesmo nos casos de estupro.

Ato seguiu até a Praça Roosevelt, na Consolação, quando foi finalizado. Fotos: Giselle Pereira

Os autores do projeto pretendem aumentar para até 20 anos a pena máxima para quem fizer o procedimento após o período estipulado. Um enorme retrocesso em relação ao Código Penal de 1940.

A tipificação penal, com previsão de uma pena duas vezes maior que a do crime hediondo de estupro, evidencia o objetivo de subjugar as mulheres e meninas. Se aprovado, o projeto de lei afetará principalmente as crianças que são vítimas de estupros, cujos casos de abuso e gestações demoram a ser identificados, resultando em busca tardia aos serviços de aborto legal. 

Em 2024, só no estado de São Paulo, foram registradas em média 38 ocorrências de estupros por dia; de janeiro a abril, foram mais de 4.641 casos registrados, desses 3.422 foram de mulheres em situação de vulnerabilidade e 1.199 de não vulneráveis, conforme a Secretaria de Segurança Pública. Casos são três vezes maiores em vulneráveis.

Os dados apontam que as principais vítimas são as meninas de 10 a 14 anos (vulneráveis) e é dentro de casa que acontece a violência. A criança não tem consciência do corpo e acaba descobrindo tardiamente a gravidez. No Espírito Santo, em 2020, uma menina de apenas 10 anos que vivia no município de São Mateus descobriu a gestação após anos de violência sexual cometidas pelo tio. À época, um hospital do estado negou a realização do aborto e protestos chegaram a ser realizados para tentar impedir o acesso da vítima ao procedimento legal, o que só ocorreu em Pernambuco, dias depois.

Manifestantes demostraram repúdio ao PL 1904/2024. Foto: Giselle Pereira

Brasil contra o PL do Estupro

A assembleia geral da categoria no dia 15 de junho, referendou o posicionamento da diretoria do Sindicato contra o projeto. Para a integrante da coordenação do Coletivo de Mulheres do Sintrajud – Mara Helena dos Reis, Luciana Carneiro (TRF-3), o PL é uma verdadeira aberração.

“Querem que mulheres e meninas violentadas sejam vítimas de mais um ato de violência, que é gestar o fruto de um estupro”, criticou Luciana, que também é coordenadora da Federação Nacional da categoria (Fenajufe). “Isso não reflete uma Constituição cidadã, pois é preciso garantir o direito de decidirmos pelos nossos corpos”, disse.

A direção da CSP-Conlutas, central sindical à qual o Sintrajud é filiado, vem defendendo que “é fundamental manter a pressão das ruas e avançar na luta. É preciso pressionar o Congresso e o governo Lula para arquivar de vez o PL 1904 e pela completa descriminalização e legalização do aborto no Brasil”. Porque a perda de força da propositura pode ser retomada caso arrefeça a pressão popular.

Enquete disponível na página da Câmara dos Deputados também evidencia a maioria populacional contra o projeto. Com mais de um milhão de votos computados, 88% dos respondentes afirmaram discordar completamente do projeto (veja aqui).

Durante o ato na Paulista, foram coletadas assinaturas para o abaixo-assinado que foi iniciado pela deputada federal Sâmia Bonfim (Psol-SP), solicitando o arquivamento do PL. Quando este texto foi concluído a petição já tinha mais de 135 mil assinaturas.

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