Ministro que chamou servidor de ‘parasita’ tem milhões em paraíso fiscal e lucra com dólar alto


04/10/2021 - Helcio Duarte Filho
Reportagem mostra que Guedes, autor da 'reforma' administrativa de Bolsonaro, lucrou milhões com a alta do dólar que ajudou a disparar preços de gasolina, gás e carne e arroz.

Faz alguns meses, o ministro Paulo Guedes, da Economia, listou alguns aspectos meritocráticos que considerava essenciais para a avaliação de desempenho dos servidores públicos que planeja com a ‘reforma’ administrativa (PEC 32), algo que, se aprovado, terá impactos demissionais.

Chamou a atenção um dos itens listados pelo ministro que assina esta proposta de emenda constitucional para os serviços públicos com o presidente Jair Bolsonaro: o critério ‘confiança’. O ministro disse que era preciso avaliar se o servidor é confiável ou se é um ‘vazador’ – usou exatamente este termo – para decidir se merece a estabilidade ou deve ser demitido. “Gente muito experiente vai avaliar se ele joga bem em equipe, se ele é confiável ou se é um dos vazadores gerais que está sempre vazando coisas”, disse, explicando que os que não atenderem aos “atributos necessários” deveriam “ser desligados ao longo do tempo, por avaliação”.

Cerca de um ano após fazer essas declarações numa live do Instituto Brasiliense de Direito Público, é justamente um vazamento de dados em escala mundial que torna público o que Guedes mantinha reservado: o ministro da Economia do Brasil mantém milhões de dólares no exterior por meio de uma empresa criada em um paraíso fiscal, o que faz com que ele fique mais rico cada vez que a sua política econômica turbina a alta do dólar.

Não há notícia de que servidores públicos estejam por trás do vazamento dos dados que revelaram o que o ministro escondia, porém é razoável supor que o caso se enquadra no rol de informações que Guedes gostaria de ver protegidas por um círculo de confiança e que o faz dispensar tanto empenho numa ‘reforma’ administrativa que tenha servidores ‘confiáveis’ e sob controle.

A notícia de que o ministro da Economia e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, mantêm contas milionárias no exterior levou parlamentares da Oposição a defenderem investigação do caso e o afastamento imediato de ambos dos cargos que ocupam. A revelação indesejada decorre da investigação jornalística que deu origem à série de reportagens Pandora Papers, iniciada no domingo (3), dia seguinte às mais de duas centenas de atos no Brasil que defenderam o impeachment do presidente Jair Bolsonaro e repudiaram o ministro Paulo Guedes.

Investigação jornalística mundial

É uma colaboração jornalística com cerca de 600 profissionais em mais de 100 países organizada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos. São milhares de empresas offshores investigadas a partir de dados entregues por fonte anônima ao consórcio faz dois anos. A maioria das empresas foram abertas nas Ilhas Virgens Britânicas. Veículos como El País, Washington Post, Le Monde, The Guardian e BBC participam da investigação. No Brasil, ela envolve o Metrópoles, a Agência Pública, a revista piauí e o site Poder 360.

Offshores são empresas em paraísos fiscais, criadas por pessoas ricas para economizar impostos e ‘proteger’ recursos financeiros. Não são proibidas no Brasil, porém precisam ser declaradas à Receita e comunicadas ao Banco Central quando ultrapassam 1 milhão de dólares. Ocupantes de cargos públicos, no entanto, estão proibidos de mantê-las, caso do ministro da Economia e do presidente do BC. Além disso, parece eticamente intolerável que ocupantes de cargos que ditam a economia do país mantenham dinheiro em paraísos fiscais, o que indica desconfiança com o quadro econômico nacional, e ainda possam lucrar a depender das decisões que tomem.

O caso do ministro que quer ‘privatizar tudo’

Segundo reportagem da revista piauí, em setembro de 2014, o economista Paulo Guedes, então sócio da gestora de recursos Bozano Investimentos, fundou a Dreadnought International, uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe. Nos meses seguintes, ele aportou 9,55 milhões de dólares na conta da offshore, aberta numa agência do banco Crédit Suisse, em Nova York. O valor equivalia a 23 milhões de reais na época, e no câmbio atual corresponde a 51 milhões de reais.

Isto é, Guedes mais que dobrou em valores nominais a sua fortuna no exterior, em decorrência da política econômica e cambial que desvalorizou o real. Essa desvalorização, por outro lado, é apontada por pesquisadores como uma das principais razões do aumento de preços de produtos como a gasolina, o diesel e o gás de cozinha — já que eles acompanham o mercado internacional, por imposição da mudança na política de preços de combustíveis produzidos pela Petrobras. A mudança, instituída pelo governo Michel Temer (MDB) e mantida por Bolsonaro e Guedes, é muito criticada por especialistas e entidades sindicais.

“O brasileiro está discutindo a febre, mas não quer saber o que está causando a febre da carestia, do preço da gasolina, da carne, e todos os preços que tendem a acompanhar o preço internacional. O grande problema é o dólar, que chegou num patamar alto, em alguns momentos aproximando de 6 reais”, analisou o professor Edmar Almeida, pesquisador do Instituto de Energia da PUC-Rio e docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em entrevista ao jornal “Brasil de Fato”. “Tivemos uma desvalorização média de 30% do real frente ao dólar nos últimos anos. Isso tudo teve a ver com a política econômica adotada”, disse, em reportagem publicada bem antes da revelação sobre o paraíso fiscal do ministro da Economia do Brasil.

Em fevereiro de 2020, com a cotação do dólar a R$ 4,35 e crescendo, Paulo Guedes afirmou: “O câmbio não está nervoso, [o câmbio] mudou. Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada. Pera aí. Vai passear ali em Foz do Iguaçu, vai passear ali no Nordeste, está cheio de praia bonita. Vai para Cachoeiro de Itapemirim, vai conhecer onde o Roberto Carlos nasceu”, disse.

Como se viu, enquanto mandava as empregadas domésticas para Cachoeiro de Itapemirim, o ministro da Economia mantinha em segredo parte de sua fortuna engordando no exterior com as sucessivas altas do dólar. Caso o dólar estivesse cotado a R$ 1,80, a bolada de Guedes encolheria: despencaria dos atuais 51 milhões de reais para R$ 17,1 milhões. Em 2020, o real foi a sexta moeda no mundo a mais se desvalorizar frente ao dólar e, em 2021, o Brasil já ocupa a quarta posição entre as moedas mais desvalorizadas, para felicidade de Paulo Guedes, o ministro que chamou os servidores públicos de “parasitas”, que defende “privatizar tudo” e que quer aprovar uma ‘reforma’ administrativa que lhe assegure funcionários “de confiança” no setor público.

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