Ministro da Saúde afirma em CPI que eleições podem ter contribuído para disseminar covid


06/05/2021 - Luciana Araujo
Questionado por senador, ministro afirma que pleito municipal de 2020 "em tese" pode ter favorecido a segunda onda de contágio no país, como todas as aglomerações "contribuem para aumentar a circulação do vírus".

Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia, no início da tarde desta quinta-feira (6 de maio), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, admitiu que as eleições municipais de 2020 podem ter contribuído para a disseminação do novo coronavírus no país. A CPI foi instalada no Senado após determinação do Supremo Tribunal Federal para que sejam investigadas ações e omissões do governo frente a crise sanitária que já matou mais de 414 mil brasileiros.

O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) foi o autor da pergunta incômoda, entre muitas outras que fizeram o ministro declarar por diversas vezes que não tinha informações para responder aos parlamentares.

Girão citou “autorização” dada pelo ministro do STF que determinou a abertura da CPI e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso para que o pleito fosse realizado, o que aconteceu sob protestos de sindicatos dos trabalhadores do Poder Judiciário de todo o país. “Tivemos uma eleição no ano de 2000 (sic) que foi autorizada pelo ministro Barroso, e a gente estava no meio de uma pandemia”, disse o parlamentar.

“Eu queria saber do senhor se, de alguma forma, isso pode ter colaborado com a ampliação, com o contágio do vírus em nossa população, a realização dessa eleição, que teve em muitos locais aglomerações, andar nas ruas, comícios. Eu queria saber, já que muitas pessoas são assintomáticas, a maioria das pessoas que são infectadas pelo coronavírus são assintomáticas e continuam transmitindo sem saber, eu queria lhe perguntar sobre o impacto. Isso pode ter agravado uma segunda onda no nosso país?”, questionou o senador.

O ministro respondeu: “Não só o processo eleitoral, como as festas de final de ano, as férias, o carnaval e todas essas situações em que as pessoas fazem aglomerações, e muitas vezes não adotam as medidas não farmacológicas, elas contribuem para aumentar a circulação do vírus”. Perguntado novamente se as eleições podem ter contribuído para o aguçamento da crise sanitária, Queiroga confirmou: “Em tese, sim, senador”.

Formalmente, embora o senador tenha responsabilizado apenas o presidente do TSE pela manutenção do calendário eleitoral de 2020 com parcos quinze dias de diferença em relação à previsão constitucional, o pleito foi autorizado pelo próprio Congresso Nacional, que aprovou a Emenda Constitucional 107, deslocando excepcionalmente o primeiro e o segundo turnos para os dias 15 e 29 de novembro do ano passado.

O Sintrajud esteve entre as entidades que questionaram sobre o risco da realização das eleições sem solução para crise sanitária (leia aqui), assim como o Movimento LutaFenajufe. “Colegas da Eleitoral e alguns sindicatos, como o nosso, tentaram pautar o tema, mas o que se viu foi a votação relâmpago de uma PEC pelo Congresso apenas deslocando pontualmente as datas, e um debate de protocolos que se confirmou muito aquém da realidade. O argumento democrático, invocado pelas cúpulas dos Poderes para a manutenção do pleito, não poderia ser tratado em abstrato, nem dissociado do cenário geral da pandemia. Não há democracia sem saúde pública e proteção à vida”, lembrou o dirigente do Sintrajud Tarcisio Ferreira.

Metas e calendário acima da vida

Servidora do TRE-SP e também diretora do Sindicato, Raquel Morel Gonzaga, lembra que “desde o início da pandemia, afirmávamos que o trabalho presencial não era seguro. Por isso fizemos uma forte campanha pela greve sanitária, trabalho remoto, para garantir o isolamento social e preservar vidas. Alertamos que o processo eleitoral, que envolve trabalhos preparatórios, campanha dos candidatos etc, poderia provocar um aumento do contágio e mais vidas perdidas. Infelizmente isso se comprovou.”

Raquel lembra ainda que um dia após o primeiro turno, em 16 de novembro, o governador João Doria (PSDB) foi obrigado a admitir um aumento de 18% no número total de internações na semana anterior. No TRE-SP, ao longo da preparação do pleito e depois do segundo turno das eleições, o Sindicato recebeu informações sobre infecção de servidores da Justiça Eleitoral em diversos cartórios. A servidora requisitada Andréia Maricato, então lotada na 33ª ZE, em Campinas, faleceu em setembro, vítima da covid-19. Ela estava trabalhando em regime semipresencial.

“O negacionismo do presidente Bolsonaro e dos integrantes do seu governo, o desrespeito com as vítimas dessa doença e seus familiares, não têm justificativa. É uma política genocida. Mas as posturas políticas paliativas ou de omissão de governadores, prefeitos e demais autoridades públicas também contribuem para o adoecimento e morte de milhares de brasileiros, aponta Raquel.

Assista abaixo ao trecho do depoimento do ministro Marcelo Queiroga

TALVEZ VOCÊ GOSTE TAMBÉM