Marcha e efeméride resgatam história das mulheres negras e denunciam racismo


25/07/2018 - Luciana Araujo

25 de Julho: Dia Nacional de Tereza de Benguela e Dia das Mulheres Negras Latino-americanas e Caribenhas. Você já tinha ouvido falar dessas duas efemérides? É possível que não. E isso é parte do racismo que estrutura a sociedade brasileira desde o período colonial baseado na exploração territorial e econômica sob o modo de produção escravista.

Somando 49 milhões de cidadãs, de acordo com o Censo de 2010, até hoje as mulheres negras ainda são apenas 0,4% das executivas de empresas, de acordo com pesquisa divulgada em 2016 pelo Instituto Ethos. Também recebem até 60% do que ganha um homem branco para realizar as mesmas funções com mesmo nível educacional. Em todos os índices de violações de direitos esse segmento populacional é sobre-representado.

Nos tribunais do Judiciário Federal em São Paulo e no país, a coleta de dados de gênero e raça ainda engatinha, e só em 2014 o Tribunal Superior Eleitoral considerou relevante questionar aos brasileiros e brasileiras que se candidatam no país como autodeclaram sua condição étnico-racial. O Censo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça naquele mesmo ano para aferir o perfil da magistratura brasileira esqueceu de perguntar quantas juízas no país são negras (pretas e pardas segundo o critério do IBGE).

O Brasil que nega o racismo, viu crescer 545% o encarceramento de mulheres negras entre 2000 e 2015. E de 2003 a 2013, enquanto felizmente os assassinatos de mulheres brancas foram reduzidos em 9,8% devido à criação de políticas públicas de enfrentamento às violências de gênero, as mortes violentas de mulheres negras cresceu 54%. As trabalhadoras domésticas só conquistaram o conjunto dos direitos previstos na CLT no ano de 2015, mas logo depois a reforma trabalhista ameaça jogar por terra essa conquista.

O Coletivo de Mulheres do Sintrajud pela primeira vez participará a Marcha das Mulheres Negras, que acontece no Centro de São Paulo há três anos para denunciar como a situação da parcela afrodescendente da população feminina ainda vive em condições inaceitáveis. É um momento importante para conhecer a história dessa celebração. A concentração tem início às 17 horas, na Praça Roosevelt, ao lado da igreja da Consolação.

Jarid Arraes, escritora e cordelista (Crédito: Facebook/Pólen Livros).

O 25 de julho

Instituído em 1992 por deliberação do 1º Encontro de Mulheres Afrolatinoamericanas e Afrocaribenhas, o 25 de julho busca inserir no debate público a realidade dessa parcela da população em todo o continente.

É também uma data para celebrar a história da contribuição das mulheres afrodescendentes à construção dos países latino-americanos e caribenhos, e resgatar a memória de heroínas que resistiram desde a escravidão liderando quilombos – como Tereza de Benguela no Quariterê, Aqualtune e Dandara em Palmares, Preta Zeferina no Quilombo do Urubu (BA), Felipa Aranha no Grão Pará (atual Tocantins) e Luísa Mahin, que teve papel destacado na construção da Revolta dos Malês, em 1835. Se você nunca ouviu falar na história dessas mulheres, reflita sobre o racismo incrustado na educação formal brasileira e a importância de leis como a 10.639/2003 – que instituiu no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Vale a pena também conhecer o livro 15 Heroínas Negras (Pólen), lançado em 2017, pela escritora Jarid Arraes (foto).

No Brasil, em 2014, a data foi inserida oficialmente no calendário nacional por lei como o Dia Nacional de Tereza de Benguela – primeira liderança feminina quilombola reconhecida pelo Estado brasileiro.

Os registros históricos apontam que Tereza comandou o Quilombo do Quariterê, região do Mato Grosso, por quase 40 anos, até 1770. Naquele pedaço de terra, uma experiência de relações sociais oposta pelo vértice ao modo escravista de produção possibilitava a convivência e cultivo coletivo da terra.

A Fundação Cultural Palmares – órgão de preservação cultural e reconhecimento das comunidades quilombolas no país, criada em 1988 e vinculada ao Ministério da Cultura – destaca sobre Tereza um trecho de documento cartorial da província de Vila Bela, datado de 1770. De acordo com o texto retirado dos Anais de Vila Bela, Tereza “governava esse quilombo a modo de parlamento, tendo para o conselho uma casa destinada, para a qual, em dias assinalados de todas as semanas, entravam os deputados, sendo o de maior autoridade, tipo por conselheiro, José Piolho, escravo da herança do defunto Antônio Pacheco de Morais. Isso faziam. Tanto que eram chamados pela rainha, que era a que presidia e que naquele negral Senado se assentava, e se executava à risca, sem apelação nem agravo.” Os Anais são um conjunto de documentos históricos sobre Mato Grosso no século XVIII, compilado a partir de escritos de vereadores da Câmara da primeira capital daquele Estado, entre 1734 e 1789.

Como ressaltou a socióloga e antropóloga Lélia González, “a gente também pode apontar para o lugar da mulher negra nesse processo de formação cultural, assim como os diferentes modos de rejeição/integração de seu papel”.

Mulheres negras e violência no Brasil
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