NOTICIAS25/08/2023

Manifestantes pedem fim das chacinas, câmeras em PMs e justiça por Mãe Bernadete e Binho

Por: Giselle Pereira

Ato fez parte da jornada nacional dos movimentos negros contra a violência policial e extermínio de lutadoras e lutadores.
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Lideranças religiosas de matriz africana carregaram faixa que pedia o fim da violência policial. Foto: Arquivo Sintrajud



“Chega de chacina. Eu quero o fim da PM assassina!”. Com a frase, sob forte comoção e em rechaço à política de extermínio do Estado, em frente ao Masp (Av. Paulista), cerca de 5 mil pessoas se concentraram para protestar contra as operações policiais anunciadas como supostos “combates ao crime organizado” em São Paulo, no Rio de Janeiro e na Bahia que já ceifaram a vida de ao menos 60 pessoas. Os manifestantes também pediram justiça por mãe Maria Bernadete Pacífico, liderança quilombola assassinada no dia 17, na Bahia. A atividade atendeu ao chamado dos movimentos negros e de direitos humanos.

Diversas lideranças populares e sindicais, familiares e parentes das vítimas dos mortos em chacinas ocorridas no estado de São Paulo, parlamentares, estudantes, jovens, crianças e idosos se uniram na noite dessa quinta, 24 de agosto, quando deram início de forma nacional às atividades da jornada de lutas contra o extermínio do povo preto. Nessa mesma data, há 141 anos, falecia o advogado e jornalista Luiz Gama. A luta que ele travou pela liberdade e pelo direito de viver continua atual. Foi o que disse a estudante de antropologia da USP, Dandara Cipriano, que atua no movimento negro daquela Universidade. Ela lembrou ao microfone que novas mobilizações ocorrerão até o dia 20 de novembro, data em que se celebra a consciência negra. Ao microfone pediu: “Parem de nos matar!”.

Outra que  se manifestou em público foi a mãe de um dos jovens assassinado na chacina de Paraisópolis, em dezembro de 2019, que reafirmou a importância da insurgência nas ruas de diversas cidades brasileiras contra a política de extermínio, mortes e execuções que ocorrem sob a anuência do Estado e têm vitimado até mesmo crianças. O sentimento de vingança e o pretexto da guerra às drogas não podem ser usados como desculpas para matar. “Nós, mães e familiares dos jovens assassinados, pedimos a condenação de todos os policiais militares que integraram a Operação Pancadão [em Paraisópolis] e nas demais regiões do Brasil, como em Guarujá, no Rio de Janeiro e também na Bahia. Queremos o fim das operações nas comunidades”, disse emocionada.

Durante a caminhada que partiu do Masp, por volta das 18h30, lideranças dos movimentos negros e populares destacaram que enfrentar o racismo e as diversas violências e desigualdades decorrentes dele não é tarefa exclusiva da população negra, e sim de toda a sociedade brasileira. Foram citadas ainda as diversas consequências do racismo, a face perversa se expressa nas políticas de segurança pública, que elegem o corpo negro como inimigo e alvo. E isso estimula outras violências em todas as dimensões da vida.

Pesquisa destaca que pelo menos cinco pessoas negras foram mortas por dia em ações policiais, em 2021. É o que afirma a Rede de Observatórios em Segurança Pública nos estados monitorados. O relatório ‘Pele Alvo: a Cor que a Polícia Apaga’, foi elaborado a partir de dados das secretarias de Segurança. Foram 3.290 mortes em operações policiais em 2021 na Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. O estado que registrou no período avaliado a maior proporção de negros entre os mortos foi a Bahia: 98%.

Parlamentares, que acompanharam o cortejo, se colocaram à disposição do movimento, fortalecendo o pedido por justiça e pelo fim das operações policiais usadas como justificativas de combate ao crime organizado. Recordaram o caso de mãe Bernadete e seu filho Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho do Quilombo, lideranças da comunidade  de Pitanga de Palmares, na Bahia, assassinadas por disputas territoriais. A Ialorixá lutava já há seis anos pela responsabilização dos envolvidos no assassinato de Binho. Lembraram que mesmo sob proteção e após ter denunciado, inclusive, a representantes do STF as ameaças que sofria, foi executada no dia 17 e agosto, com 14 tiros, na residência onde morava. A mobilização também pede revisão da lei de proteção aos militantes de direitos humanos e que o presidente Lula se manifeste efetivamente diante dos casos.

Em cerca de um mês, cerca de 60 pessoas foram assassinadas em chacinas de vingança nos estados de São Paulo (18 mortos), Bahia (32 mortos) e Rio de Janeiro (10 mortos), cometidas pelas polícias militar e civil. Há ainda a estimativa de que os números sejam subestimados, uma vez que corpos estão desaparecidos devido o grau de terror das tropas dos governadores genocidas Tarcísio de Freitas (Republicanos/SP), Cláudio Castro (PL/RJ) e Jerônimo Rodrigues (PT/BA). Faixas e cartazes traziam os nomes e rostos dos mortos, em sua maioria jovens negros.

Familiares pedem o fim do genocídio do povo negro. Foto: arquivo Sintrajud



Na atividade de luta, exigiram a instauração imediata de investigação das operações policiais realizadas nos meses de julho e agosto. “As operações vêm se concretizando como casos de uso abusivo da força pelos policiais e agentes de segurança do Estado”, disse a professora Janaina Nunes, irmã de um dos assassinados do Guarujá, Baixada Santista. Com os olhos cheio de lágrimas, reforçou “basta de chacina!”.

Jornada de lutas ocorrerão em todo o país

Durante toda a jornada, os movimentos vão reivindicar que o Supremo Tribunal Federal (STF), com base no precedente da chamada ‘ADPF das Favelas’, como fez no auge da pandemia de covid-19, que proíba “operações policiais com caráter reativo” e “grandes operações invasivas em comunidades sob pretexto do combate ao tráfico”. Os coletivos reivindicam, ainda, uma Lei Federal que exija câmeras em uniformes de agentes armados (estatais e privados), um plano nacional de indenização e apoio aos familiares de vítimas do Estado, a federalização da investigação de chacinas policiais, a desmilitarização das polícias e o fim da chamada ‘guerra às drogas’ (que se resumem a ações violentas em comunidades pobres enquanto o crime organizado e o tráfico internacional de entorpecentes seguem sem efetivo combate).

O ato foi encerrado com a leitura do manifesto na Praça do Ciclista, ainda na Av. Paulista, por volta das 21h30. Ao todo, 300 entidades participaram da construção da mobilização que faz parte da jornada de lutas contra as chacinas e por justiça a mãe Bernadete. Em todo o país, aconteceram atividades de rua em mais de 20 capitais e 100 cidades. Organizadores afirmam que o número deva crescer nas próximas movimentações que envolvem formações, diálogos nas escolas e atividades nos bairros. Leia e assine aqui o manifesto com a pauta de luta dos movimentos.

PMs acusados pela chacina de Paraisópolis já começaram a ser julgados. O massacre ocorreu em 2019. Foto: arquivo Sintrajud


Chacina de Paraisópolis


No último dia 25 de julho, 12 PMs acusados pela chacina de Paraisópolis, Zona Sul da capital paulista, começaram a ser julgados.  A primeira sessão da audiência de instrução ouviu 10 testemunhas e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) marcou a segunda parte para 18 de dezembro deste ano. Só então haverá decisão se o caso irá a júri popular, expectativa da defesa dos familiares. No dia 1 de dezembro de 2019, durante o baile da DZ7, nove jovens negros foram mortos no episódio que ficou conhecido internacionalmente como o ‘Massacre de Paraisópolis. Familiares e movimentos sociais que estavam no ato disseram aguardar ansiosos pelo próximo julgamento, que será em dezembro deste ano.

Corregedoria da Câmara de SP aprova cassação de vereador por fala racista


Outro informe apresentado pelas parlamentares, foi a aprovação pela Corregedoria da Câmara Municipal de São Paulo, que aprovou na quinta, 24/8, a cassação do mandato do vereador Camilo Cristófaro (Avante).

Em maio de 2022, durante sessão no plenário da Casa, o político teve o áudio vazado em que dizia que não lavar a calçada era “coisa de preto”.  Na segunda-feira (21/8), o vereador Marlon Luz (MDB) protocolou o relatório sobre o episódio de racismo envolvendo o colega. O parlamentar avaliou que houve quebra de decoro e deu parecer favorável à cassação do mandato. A Corregedoria da Câmara aprovou o relatório de cassação por 5 votos a favor e uma abstenção. Os vereadores usaram a tese do racismo recreativo para pedir a cassação do mandato.