Machismo e racismo são repudiados no 10º Congrejufe


02/05/2019 - Luciana Araujo

O Congresso Nacional da Fenajufe (10º Congrejufe) foi palco de dois episódios lamentáveis, que, no entanto, tiveram pronta resposta da maioria absoluta da categoria e mostraram que manifestações de ódio e preconceito não podem ser naturalizadas. Na segunda-feira (29 de maio), o servidor do Ministério Público Federal do Distrito Federal Guilherme Luiz da Silva foi expulso do congresso por uma maioria acachapante por utilizar uma camiseta que estampava ilustração da bandeira de Gadsden.

O servidor Guilherme saindo do plenário do Congrejufe (Crédito: Joca Duarte).

Originalmente criada como um emblema do enfrentamento das colônias estadunidenses contra o império britânico, a cascavel com o slogan “Don’t tread on me” (“Não pise em mim”) num fundo amarelo foi apropriada por organizações como a Ku Klux Klan. Em 2014, jornais de diversos países, incluindo ‘O Globo’ brasileiro, noticiaram o assassinato de dois policiais na cidade norte-americana de Las Vegas que foi associado ao supremacismo branco porque os autores deixaram sobre os corpos duas bandeiras: uma com a cruz suástica símbolo do nazismo e a outra com a mesma imagem ostentada na foto ao lado. Mais recentemente, a ilustração foi vista em Charlotesville, no estado da Virgínia (EUA), em 2017, quando supremacistas brancos atropelaram manifestantes do movimento “Vidas negras importam”. Uma mulher foi morta e diversas pessoas ficaram feridas naquele ato, que teve também repercussão internacional. Movimentos como o ultradireitista “Tea Party”, que prega a expulsão de imigrantes latinos e afrodescendentes daquele país, também usam a insígnia.

Diante das informações, os congressistas deliberaram em votação amplamente majoritária que o servidor não poderia continuar participando do Congrejufe, sob o risco de comprometer todo o plenário com a aceitação de um símbolo racista. Também foi aprovado que o delegado deverá ressarcir a Federação pelas despesas com a sua participação no evento. A diretoria executiva eleita para conduzir a Federação no triênio 2019-2021 também deverá tomar as providências cabíveis quanto a medidas judiciais, nas esferas criminais, cível e administrativa.

O artigo 4º da Constituição de 1988 estabelece que a República Federativa do Brasil rege-se, entre outros, pelo princípio do repúdio ao racismo. O inciso 42 do artigo 5º do texto constitucional ressalta que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão nos termos da lei”. E a Lei 7716/1989 estabelece pena de 1 a 3 anos de prisão e multa para o crime de prática, indução ou incitação a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Manifestação de delegadas e delegados pela saída de Guilherme do 10º Congrejufe (Crédito: Joca Duarte).

O tema nos Estados Unidos

Em sua defesa Guilherme trouxe a história da criação do símbolo, no processo da independência estadunidense, mas mesmo nos EUA essa questão já foi tema de investigação.

Após uma decisão da Comissão de Oportunidades Iguais de Emprego dos Estados Unidos em um caso que envolvia o emblema, em 2016, revistas e jornais estadunidenses debateram o uso de representações que ao longo da história foram associadas a projetos  excludentes ou diretamente criminosos. A revista ‘The New Yorker” divulgou artigo do escritor Rob Walker no qual destaca:

“Nenhum significado simbólico está preso no tempo. Correndo o risco de provar a lei de Godwin (que sustenta que todos os debates on-line chegam a alguma invocação de nazistas), considere a suástica. Um símbolo de bem-estar associado aos budistas por milhares de anos, foi usado por marcas comerciais e até mesmo adornou aeronaves militares dos EUA e da Grã-Bretanha antes da Segunda Guerra Mundial. Mas o tratamento preto, branco e vermelho do regime nazista e sua associação com o antissemitismo, a violência, a agressão, o ódio e a morte obliteraram o significado anterior do design no Ocidente e além.”

O texto original, em inglês, pode ser lido aqui.

A mesma comissão já decidiu que até mesmo o uso da bandeira dos Confederados (estados do sul dos Estados Unidos que deflagraram a Guerra de Secessão, em 1861, contra a fim da escravização negra) é passível de punição. O jornal ‘The Washington Post’ publicou também em 2016 artigo do professor da Universidade de Los Angeles Eugene Volokh intitulado “Usar a insígnia ‘Não pise em mim’ pode ser um assédio racial punível”, que fala sobre o assunto. O texto original, em inglês, pode ser lido aqui.

“Machistas não passarão!”

Costa e o protesto de mulheres durante o 10º Congrejufe (Crédito: Joca Duarte).

No domingo à tarde (28), o plenário já havia decidido não aceitar mais a participação do coordenador de Finanças da Federação José Rodrigues Costa Neto em nenhuma das mesas seguintes do Congrejufe. Costa protagonizou um enfrentamento às delegadas e observadoras assumir uma mesa coordenada por duas mulheres em meio ao processo de votação de proposta apresentada pelo seu próprio grupo.

Os congressistas solicitaram por diversas vezes que o diretor da Fenajufe deixasse a mesa em respeito às coordenadoras dos trabalhos. O servidor, que é também dirigente do Sindjus/DF, recusou-se a atender ao encaminhamento do plenário, paralisando o congresso por mais de 20 minutos. Delegadas e observadoras do Congrejufe chegaram a ocupara o palco do evento até que Costa se retirasse.

No último dia do congresso dezenas de delegadas apresentaram uma moção de repúdio ao machismo na Federação. O texto não foi submetido a voto porque em razão do atraso nos trabalhos o plenário deliberou por não apreciar nenhuma das quatro moções propostas (as outras três versavam sobre temas diversos). O Sintrajud publica abaixo o texto.

Moção de repúdio ao machismo na Fenajufe

Ao longo dos dois primeiros dias do 10° Congrejufe, que acontece em Águas de Lindóia (SP), delegadas, observadoras e a única painelista convidada em cinco mesas de debates assinalaram a lamentável ausência de mulheres na composição de várias mesas instaladas no Plenário. Já na abertura do evento o incômodo era visível com a composição exclusivamente masculina, majoritariamente branca.

Mesmo assim, um dirigente da Fenajufe e do Sindjus-DF, considerou razoável desrespeitar a mesa deliberativa sobre as resoluções de conjuntura, conduzida na ocasião por duas mulheres, e anunciar, de forma arbitrária e grosseira, em meio a um processo de votação sobre proposta apresentada por seu próprio grupo, que substituiria o coordenador.

O coordenador em questão havia sido indicado pela força Fenajufe Sem Correntes e tinha sido aprovado pelo
plenário e se ausentara momentaneamente para uma reunião do Conselho Fiscal, mas que não avisou o motivo de sua saída para as duas coordenadoras da mesa. Diante da resistência do dirigente em questão deixar a mesa mesmo, diante de um plenário inteiro bradando “Respeita as minas”, o Congresso ficou paralisado por quase 20 minutos e as mulheres tiveram que ocupar o palco para que o coordenador se levantasse, e ele só o fez depois que o coordenador que originalmente estava compondo a mesa retornou e apelou para que parasse de constranger o conjunto das companheiras presentes ao evento.

É consenso entre as mulheres do evento que essa postura não teria ocorrido se a mesa estivesse composta por dois homens. O machismo e o racismo são elementos fragmentadores da classe trabalhadora. Partindo desse pressuposto, os movimentos locais vêm pautando entre suas tarefas o combate às opressões que justificam a superexploração. Assim, reafirmamos o que foi aprovado na Plenária da Bahia, em 2018, ocasião em que debateu-se a necessidade de criação de um Coletivo de Mulheres e, inclusive, da realização de um encontro que antecedesse o 10° Congrejufe.

A reação das mulheres no congresso em Águas de Lindóia, exigindo a saída do coordenador da mesa para a continuidade dos trabalhos, é uma demonstração de que não haverá mais espaço para tais práticas na Fenajufe: as mulheres não permitirão esse tipo de comportamento.

Cabe ainda destacar a gravidade do preconceito contra as oprimidas e os oprimidos no Brasil. A misoginia, a LBGTfobia e o racismo resultam anualmente em um bárbaro quadro de violência. Somos o quinto país do mundo em mortes violentas de mulheres. Sete em cada 10 vítimas de assassinatos em território nacional são negros e negras. Também estamos entre os países que mais matam pessoas LGBTI.

As delegadas e delegados deste Congresso repudiam veementemente o ocorrido e a atitude do coordenador em questão. Afirmam ainda a necessidade de assegurar mecanismos que impeçam que práticas machistas persistam em nossa Federação e nas nossas organizações sindicais de base. Da mesma forma que é preciso ter políticas efetivas de combate ao racismo e à LGBTfobia.

Respeitem as minas!
Machistas, racistas e LBGTfobia nunca mais passarão!
Nem um passo atrás!

Assinam: LutaFenajufe, Vanguarda, Democracia e Luta, Judiciário Progressista e Base UNIDA

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