Implementação mal planejada do PJe gera transtornos e adoecimento


10/06/2019 - Redação

Principal instrumento de trabalho para cada vez mais servidores, PJe acumula críticas. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

A partir de julho, um número cada vez maior de servidores da Justiça Federal no interior do estado passará a trabalhar exclusivamente com o Processo Judicial Eletrônico (PJe) – uma experiência que já faz parte do cotidiano de grande parte dos trabalhadores da capital. O Fórum Cível Pedro Lessa, por exemplo, foi inteiramente digitalizado.

No entanto, ao mesmo tempo em que avança pelos computadores e esvazia as prateleiras de processos físicos, o PJe acumula críticas dos servidores que agora têm o sistema como principal ferramenta de trabalho. Eles reconhecem as vantagens da digitalização, como a liberação de espaço nas varas e o fim da convivência com os pesados volumes de processos, mas se queixam dos problemas trazidos pelo ambiente virtual.

“Expedir um ofício, mandado, carta precatória no PJe é uma novela”, reclama a servidora Cleissy Packer. “O processo se desloca por diversas pastas. Deveria ser mais simples, como é despachar”, diz Cleissy, supervisora da 22ª vara cível na capital. “Em comparação com outros sistemas de processos eletrônicos, o PJe é classificado como muito complicado inclusive por advogados”, afirma.

Mesmo sem trabalhar diretamente com o PJe, a servidora Maristela Strefezza sabe das dificuldades que seus colegas enfrentam. “Quando há muitos acessos, sentimos os efeitos na rede do Tribunal, que fica mais lenta”, observa.

Os servidores afirmam que o PJe costuma ficar lento e travar no período da tarde. “Alguns até pediram para trabalhar no período da manhã, quando há menos pessoas online”, diz Cleissy.

Erros e ritmo intenso

Ela aponta ainda que os processos digitalizados apresentam muitos erros depois que os dados são importados de um programa chamado Siapriweb. “Está dando um trabalho enorme para corrigir os erros de importação de dados; o programa registrou até nome de servidores no polo passivo de ações.”

Sistema esvazia prateleiras de processos físicos, mas caixa virtual está sempre lotada. Foto: Isabel Galchin.

As mudanças no ritmo e na forma de trabalho também estão gerando reclamações, que vão desde a insegurança (“não há confirmação se a tarefa foi ou não concluída”), até a pressão psicológica.

Claudia Vilapiano, da JF Campinas, diz que com o PJe deixou de ter a sensação de “dever cumprido”. “A caixa de processos para analisar voltava a ficar cheia de um dia para o outro e não é possível esvaziá-la”, afirma a servidora, que é diretora do Sintrajud.

“O número de processos da vara dobrou”, acrescenta Cleissy. “Já são mais de 5 mil processos eletrônicos e o número de servidores, continua o mesmo. Diminui o atendimento ao público no balcão, mas o telefone toca 10 vezes mais.”

O Sindicato vem alertando a administração da JF para os problemas de saúde que podem acompanhar a intensificação do ritmo de trabalho. Além de uma política de saúde preventiva, incluindo ginástica laboral e pausas programadas, a nova realidade justificaria a redução da jornada para seis horas diárias, a exemplo da que cumprem os digitadores.

“Os servidores se tornaram ‘digitadores’ com o PJe”, constata Cleissy. A servidora aponta os problemas que observa entre os que utilizam o sistema: visão turva e embaralhada devido ao tempo excessivo diante das telas, torcicolo, dores de cabeça, na coluna, nos braços e nas mãos, o que indica risco de lesões por esforço repetitivo (LER).

TRE quer unificar normas sobre horário de trabalho

Sintrajud pediu mudança no sistema de controle de frequência e compensação de horas

O TRE vai receber o PJe em agosto, quando deverá começar a treinar os servidores da capital. “Temos toda a infraestrutura”, garantiu o diretor-geral do Tribunal, Cláucio Cristiano Correa, em reunião com diretores do Sintrajud e com o servidor Tiago Costa.

Diretor-geral Cláucio Cristiano (na ponta da mesa) reuniu-se com diretores do Sintrajud. Foto: Kit Gaion.

Segundo Cláucio, o TRE vai intensificar a campanha para o cadastramento biométrico dos eleitores, que está abaixo da meta do Tribunal. Ele afirmou que o Tribunal deve ter um corte orçamentário de 10% em 2020 e que vai dispor de menos recursos para as eleições municipais em comparação com as do ano passado.

O diretor acrescentou que o Tribunal estuda unificar as normas sobre jornada de trabalho, horas extras, banco de horas, horário de atendimento e outros temas relacionados, hoje dispersos em várias portarias.

Ele ressalvou, porém, que as discussões estão em fase preliminar e que o TSE também pretende unificar as normas em todo o país. “Acho que até agosto ou setembro teremos novidade”, afirmou.

O Sindicato, por sua vez, demandou uma mudança no sistema de controle de frequência e de utilização do banco de horas. “Há um conflito entre nosso entendimento sobre como compensar e o que o sistema permite”, disse Tiago. O diretor ficou de estudar o problema com o setor de tecnologia do Tribunal.

 

Digitalização e cortes de verbas

Após receber uma verba de R$ 1,4 milhão do CNJ, a administração da JF digitalizou ao longo do primeiro semestre cerca de 70 mil processos, ou 125 mil volumes de papel. Foi o que disse o juiz Décio Gimenez, vice-diretor do Foro, em videoconferência no dia 24 de maio à qual compareceram diretores do Sintrajud.

O evento marcou o lançamento da segunda fase da digitalização, que é considerada fundamental para a reorganização administrativa da JF, a ampliação do PJe e a redução de despesas.

O juiz indicou que o projeto pode ajudar a JF a depender menos da contratação de novos servidores. A presidente do TRF-3, desembargadora Therezinha Cazerta, já havia feito afirmação semelhante no ano passado, no evento que marcou a liberação da verba do CNJ.

“Sabemos que daqui para frente teremos dificuldade de reposição de servidores, mas temos novas possibilidades de gestão da nossa organização em termos territoriais”, declarou.

 

Ansiedade e críticas do público no TRT-2

No TRT-2, os servidores também enfrentam muitos problemas com a nova versão do PJe. Segundo relatos à reportagem, desde a atualização o sistema apresenta desempenho baixo e, muitas vezes, interrupções antes do fim dos procedimentos necessários ao andamento processual.

A situação tem gerado atrasos, acúmulo de trabalho e tensão com jurisdicionados e advogados (no caso destes últimos não houve atualização no módulo de usuários e questionamentos têm sido recorrentes).

“O principal problema desta atualização do PJe é a demora nos trâmites no sistema, que já apelidamos aqui de ‘O Pensador’, porque não há sequência rápida. O sistema perde muito tempo ‘pensando’”, afirmou Emerson Alves de Oliveira, diretor da 51ª vara do Fórum Ruy Barbosa. “Isso causa perda muito grande da produtividade, já que o sistema não funciona, principalmente nos horários com maior fluxo de servidores [entre 11h e 18h]”, completou Emerson.

Para Danilo Cesar Carvalho, do Fórum Trabalhista de Guarulhos, os problemas no sistema também prejudicam a saúde dos trabalhadores. “Temos uma demanda enorme, metas impostas, Corregedoria soltando normas, e o sistema lento não deixa a gente trabalhar. Isso gera muito estresse, agravando eventual quadro de ansiedade dos colegas”, afirmou. “Temos que trabalhar mais horas, mesmo sem receber hora extra, para dar conta de uma demanda que cumpriríamos em menor tempo, porque o sistema não ajuda. É muito angustiante”, ressaltou Danilo.

A diretoria do Sindicato esteve reunida com o setor de Tecnologia da Informação do Tribunal, que busca identificar causas de congestionamento no sistema. “O problema não é apenas técnico, é político: a Segunda Região é responsável por 20% de toda a Justiça do Trabalho, portanto, a administração deve posicionar-se diante do CSJT. Não é possível cobrar metas aos servidores se não há condições de trabalho”, afirmou Henrique Sales, diretor do Sindicato e também servidor do TRT.

A demanda será levada à próxima reunião com a presidente do TRT-2.

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