Homofobia: demanda por resposta do STF e do Judiciário Federal em SP é urgente


19/02/2019 - Luciana Araujo

 

Plenário do STF no último dia 14, quando estava em debate as ações pela criminalização da homofobia (crédito: Nelson Jr./ASCOM-STF).

O Supremo Tribunal Federal retoma nesta quarta-feira (20 de fevereiro) o julgamento de duas ações que discutem o enfrentamento à homofobia. O início dos debates na Suprema Corte, no último dia 13, recolocou na pauta social a responsabilidade dos poderes públicos em assegurar vida digna a todos os cidadãos brasileiros.

O debate foi atravessado por uma certa confusão, com a abertura de uma polêmica sobre se o STF poderia “legislar passando por cima do Legislativo”. Mas o que está sendo analisado pelos ministros é se o Congresso Nacional vem sendo omisso ou não em aprovar leis que coíbam práticas discriminatórias em razão da orientação sexual ou identidade de gênero.

Os dois processos em análise são a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, proposta pelo Partido Popular Socialista (PPS), e o Mandado de Injunção (MI) 4733, ajuizado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT). O relator da ADO é o ministro decano, Celso de Mello, e o MI é relatado por Edson Fachin.

A Procuradoria Geral da República manifestou-se pela procedência das ações. Já as advocacias gerais da União e do Senado pronunciaram-se contra que o STF declare que o Legislativo vem incorrendo em omissão. A Câmara dos Deputados informou que aprovou em 2006 o Projeto de Lei 5.003/2001 (número de origem do PLC 122/2006, que incorpora os crimes de homofobia à Lei do Racismo). A propositura ficou anos parada no Senado e foi arquivada em 2017.

Os pedidos

As demandas na ADO são: o reconhecimento da equiparação entre racismo e LGBTfobia; a declaração de mora legislativa do Congresso ao não aprovar legislação sobre o tema; o estabelecimento de prazo razoável para que o parlamento decida sobre a questão e, caso isso não ocorra, a inclusão da homofobia na Lei 7.716/1989 com responsabilização civil do Estado e indenização às vítimas.

O Mandado de Injunção aponta a inconstitucionalidade da falta de proteção legal aos LGBTs e demanda que o STF fixe prazo, de um ano no máximo, para aprovação de lei nesse sentido. Alternativamente, o instrumento pede que o Supremo dê concretude ao texto constitucional, incorporando as práticas homofóbicas e transfóbicas à Lei 7.716/1989, e determinando indenização a vítimas até que haja legislação protetiva.

Celso de Mello descartou preliminarmente a tipificação criminal e estabelecimento de penas no âmbito do Judiciário. Mello também rejeitou a indenização a vítimas enquanto a homofobia não for criminalizada pelo Congresso Nacional. Os demais integrantes da Corte já manifestaram unanimidade – logo, essa questão já está decidida.

O advogado que representa a comunidade LGBT nas duas ações, Paulo Iotti, esclarece que “para reconhecer como racismo não precisa o STF legislar, apenas interpretar literalmente a lei penal, dentro dos limites semânticos dela, embora em interpretação evolutiva do conceito de raça e de racismo, para adotar a acepção político-social dos termos, como já fez outra vez, no caso do antissemitismo”, ressalta.

O papel do STF

A Corte Suprema lembra que o direito de greve e a aposentadoria especial de servidores públicos foram questões julgadas em Mandados de Injunção ajuizados para garantir efetividade de normas constitucionais não regulamentadas no parlamento.

Ao defender a equiparação da homofobia ao crime de racismo, tipificado pela Lei 7.716/1989, a ABGLT ressalta que a demora do Congresso Nacional em aprovar leis que protejam os direitos desta população ofende os fundamentos dos incisos XLI e XLII do artigo 5º da Constituição Federal.

Fabiano dos Santos (crédito: Jesus Carlos)

“Costumamos sempre lembrar que o Estado tem seus mecanismos de freios e contrapesos para assegurar os limites e o funcionamento das instituições, a fim de garantir os direitos e deveres dos cidadãos. Se até hoje o Congresso Nacional não se posicionou sobre o conteúdo das violências e violações sofridas pela população LGBT no país, obviamente há uma omissão e é papel da Corte constitucional declarar que o Legislativo vem se omitindo”, afirma o diretor do Sintrajud e servidor do TRT-2 Fabiano dos Santos.

O ministro Celso de Mello fez questão, ao iniciar a leitura de um voto considerado histórico por especialistas, de ressaltar a “inércia” e “omissão” do Legislativo na garantia dos direitos constitucionais às vítimas da homofobia e da transfobia.

O Brasil é um dos países onde ocorrem mais mortes violentas de pessoas LGBT no mundo. Parte desses crimes sequer é registrada com motivação de ódio, porque quando a vítima é travesti ou transgênera o boletim de ocorrência muitas vezes é lavrado sem referência à condição sexual e apenas com o nome de registro civil.

A homofobia no Judiciário Federal em SP

 

Ex-diretora do Sintrajud foi pioneira na luta pelos direitos LGBT na categoria

Primeira servidora do Judiciário Federal no país a reivindicar o reconhecimento da união estável homoafetiva para obtenção  de benefícios de saúde e previdenciários, a servidora Tânia Cristina dos Santos Figueiredo fala da sua experiência.

“Sofri muitos ataques e até ameaças vindas de outros estados, eu era tida como a vergonha dos tribunais na época. Mas considero aquela luta fundamental, para mim e para os colegas hoje”, afirma Tânia (foto).

Em 2005, após três negativas internas, Tânia levou seu caso ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público do Trabalho, assessorada jurídica e politicamente pelo Sintrajud. Foi instaurado procedimento e, em abril de 2006, os órgãos concluíram que o artigo 3º da Portaria 20/2005 do TRT-2 incorria em “injustificável discriminação em razão do sexo”.

À época as normativas do Tribunal afirmavam que a união estável valeria apenas para casais heterossexuais.

Em 26 de julho de 2006, o TRT-2 editou a Portaria GP 23/2006, reconhecendo que servidores passavam a ter direito de indicar pessoa do mesmo sexo como dependente.

Somente em 2011 o STF pacificou que as relações homoafetivas eram equiparáveis à união estável em todo o país, e só em 2013 os cartórios no Brasil foram obrigados a celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

Nos locais de trabalho do Judiciário Federal em São Paulo, além de episódios vivenciados cotidianamente, a invisibilidade é outro mecanismo violento contra este segmento populacional, apontaram servidores LGBTs ouvidos pela reportagem do Sintrajud. Ao não discutir a existência de um grupo social específico, as instituições negam direitos a esses segmentos, mais que ao conjunto da população.

Até hoje não se sabe, por exemplo, quantos são os homossexuais e transexuais – servidores e juízes – no âmbito do Poder Judiciário. Quais são as violações  mais comuns vividas pelos servidores e magistrados LGBTs nos fóruns e tribunais federais do país? Que direitos essa população ainda tem negados no Poder cuja função é assegurar direitos sociais, civis e trabalhistas? Essas são questões diretamente associadas ao que está sendo discutido no STF, na avaliação de colegas ouvidos.

Para Rodrigo de Faria Colombaro, servidor do TRF-3, “num momento em que ainda nos encontramos polarizados, imersos em animosidades, falar de respeito às minorias nunca foi tão importante. A atuação do Supremo, neste contexto, é vital à manutenção da dignidade”. O colega destaca ainda que “não é raro presenciar comentários ou piadas, nos corredores, elevadores, refeitório e até em grupos, menosprezando a comunidade LGBT”. E ressalta que “precisamos urgentemente conscientizar a sociedade, a começar pelo nosso ambiente de trabalho, do respeito à diversidade de gênero e do combate à heteronormatividade [visão de que o comportamento heterossexual seria o único correto] que ainda fere tantos indivíduos”.

Filipe Gioieli (Arquivo pessoal)

Filipe Gioieli Mafalda, servidor do TRT-2, lembra que “temos projetos de lei que estão há 20 anos tramitando. Então, nesse sentido de impedimento de que os nossos direitos ocorram, o Estado é conivente”. Por isso, ele considera que o julgamento tem a importância de assegurar direitos fundamentais. “Quando eu sou discriminado por ser LGBT existe uma dor existencial, a minha subjetividade é afetada”, afirma.

Para Filipe, embora ainda haja muito o que avançar, os servidores LGBT do Judiciário Trabalhista em São Paulo obtiveram conquistas. “É importante também observar o avanço que a gente teve. Eu já tive os meus direitos negados por ser LGBT, mas as coisas modificaram muito por conta da própria decisão do STF em relação ao casamento homoafetivo. Eu já fui discriminado, conheço outras pessoas que já foram. Neste ano mesmo uma colega sofreu [homofobia]. E são questões que podem ser diretamente da instituição, mas também de outros funcionários, superiores. De toda forma, a instituição é responsável por isso. A gente teve uma colega que faleceu e eu lembro que no ato de homenagem a ela algumas pessoas insistiram em usar o nome de registro dela e não o nome social. Isso é maldoso inclusive”, comenta o servidor.

A partir de dezembro de 2018, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região começou a usar o nome social para servidores, magistrados e trabalhadores terceirizados, cumprindo a Resolução 270/2018 do CNJ. O Regional também reorganizou o Comitê de Trabalho Decente e Seguro, instituindo um grupo de trabalho sobre diversidade. “A gente, como parte do Tribunal, tem que fomentar esses espaços para que sejam efetivos”, aponta Filipe.

Também no ano passado, o Sintrajud noticiou um episódio de homofobia ocorrido na 1ª Vara Trabalhista de Praia Grande, na Baixada Santista. À época, foi solicitada internamente abertura de procedimento para averiguação de responsabilidades. Consultada, na semana passada, a Administração respondeu que “apurou-se que a pichação foi cometida por um jurisdicionado (e não por servidor), não resultando em penalidade ao infrator. O TRT-2 repudia qualquer tipo de discriminação e recebe sugestões para o tratamento de um assunto tão premente e importante como o combate à homofobia, seja por meio de sua Ouvidoria, de sua Escola Judicial ou de sua Secretaria de Comunicação. Essa última, inclusive, já produziu vídeo específico sobre o preconceito sofrido por pessoas transgênero no mercado de trabalho.”

O TRE, embora tenha manifestado que “não alberga nenhuma política discriminatória e adota tudo que permite maior inclusão e participação das pessoas”, não oferece nenhuma política institucional específica de enfrentamento à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero.

O TRF-3 informou que teve início em 2018 “o projeto ‘Justiça, Gênero e Arte’, que procura trazer questões que envolvam gênero e sexualidade para o debate de toda a comunidade da Justiça Federal da 3ª Região: magistrados, servidores e colaboradores terceirizados, por meio de exibições artísticas e rodas de conversa”. No próximo dia 22/2 (sexta-feira), o projeto promove a conferência “Perspectivas de Gênero na Atividade Judicial”, que será apresentada por Helena Kennedy, diretora da International Bar Association’s Human Rights Institute, a partir das 10 horas no Salão Nobre do Tribunal. O evento é aberto ao público e não há necessidade de inscrição prévia.

A assessoria de comunicação do Tribunal informou ainda que “também está em sendo trabalhada uma campanha para esclarecer e informar sobre o direito do uso do nome social por pessoas trans, travestis e transexuais”.

A diretoria do Sindicato acompanha todas as iniciativas e defende a instituição de políticas específicas nos Tribunais.

* Com informações do STF.

TALVEZ VOCÊ GOSTE TAMBÉM