Guedes: “fundamental” na reforma é “aumentar diferença” entre teto e piso salarial no serviço público


11/09/2020 - Helcio Duarte Filho
Declarações do ministro da Economia de Bolsonaro repercutem e revelam que planos do governo com 'reforma' administrativa incluem aumentar o teto de R$ 39 mil para postos altos na administração, como de presidente e ministros.

As declarações tiveram grande repercussão e até poderiam ter sido confundidas com algo vazado, dito entre quatro paredes. Mas não, foram dadas ao vivo em um evento previamente agendado. O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a dimensão mais “fundamental de todas”, palavras dele, na ‘reforma’ administrativa é aumentar as diferenças salariais nos serviços públicos. Disse que as remunerações do presidente da República e de ministros, mencionando os do STF e do TCU, são muito baixas.

O principal ministro do governo de Jair Bolsonaro falava sobre a Proposta de Emenda Constitucional 32/2020, enviada pelo governo ao Congresso Nacional neste mês.

“Aí eu entro nessa dimensão que é a mais fundamental de todas: tem que haver uma enorme diferença de salários sim na administração pública brasileira. Quantos chegam ao Supremo Tribunal Federal? Quantos chegam ao TCU?”, disse.

Paulo Guedes disse que as mudanças pretendidas vão ‘rebaixar um pouco’ faixas salariais de ingresso nos serviços públicos, justamente os menores salários dentro de cada carreira, e que a ideia é aumentar o teto salarial do setor público, hoje em R$ 39 mil. Disse, por mais de uma vez, que é um valor muito baixo. Afirmou ainda que as remunerações do presidente da República, dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União são muito baixas e desestimulantes para pessoas tão preparadas. Todas as afirmações estão gravadas e disponíveis na internet (assista ao vídeo no alto deste texto).

Demissões

O texto da Proposta de Emenda Constitucional 32/2020, que está na Câmara dos Deputados, não prevê o aumento do teto salarial, mas Guedes sinalizou que esse seria um dos objetivos do projeto mais amplo do governo, no qual a emenda constitucional em questão é apenas uma das etapas.

O representante do governo disse ainda que os postos mais altos da administração pública são ocupados por pessoas preparadas, mas o mesmo não ocorre com outras esferas do serviço público, que, de acordo com ele, deveriam ser penalizadas por isso – com o ‘desligamento’ do servidor quando ele não fosse aprovado em avaliações de desempenho.

“Eu acho um absurdo os salários da alta administração brasileira, eu acho que são muito baixos. Tem muita gente preocupada com o teto, a minha preocupação é o contrário. Você pra preservar pessoas de qualidade nos serviços públicos feito nós temos, e eu tenho visto isso aqui em Brasília… tô olhando para o Bruno Dantas, que é um jovem ali, o Bruno Dantas em qualquer banco vai ganhar 2, 3, 4 milhões de dólares por ano fácil. Então é difícil convencer o Bruno a ficar no TCU no futuro, vai ser muito difícil. Porque ele vai receber várias propostas. Qualquer um do setor privado que passe por aqui e vê o conhecimento dele nestas matérias vai querer levá-lo. O ministro Gilmar Mendes já é mais difícil de remover porque virou a instituição em si, mas vão tentar levá-lo também. Já levaram o [ministro Nelson] Jobim, vão levar todo mundo, é questão de tempo. O Brasil seguindo o caminho da prosperidade vai ser difícil reter gente de qualidade ali, a não ser que o setor público também entre na lógica da meritocracia”, disse.

Redução dos salários de ingresso

O ministro falou ainda sobre a intenção de repor cada vez menos cargos vagos nos serviços públicos e traçar uma futuro no qual os salários iniciais do funcionalismo sejam menores. “Os nossos cálculos iniciais é que essa reforma, na formatação padrão, vai cortar 300 bilhões de reais [em dez anos], são 287. Isso são hipóteses muito moderadas, taxa de reposição elevada de 70% a 60%, com uma distribuição de salários ainda moderada também, rebaixando um pouco o salário de admissão”, disse.

Guedes também defendeu insistentemente a implantação de critérios meritocráticos na administração pública, acompanhados de majoração das altas remunerações. Usou como exemplos de postos alcançados com a meritocracia justamente cargos que não exigem concursos públicos e são alçados ou por indicações de políticos – caso de ministros dos tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União (TCU) – ou por resultados eleitorais, caso do presidente da República. “Mas [na proposta] nem aumentamos ainda o que eu acho que deve ser aumentado: o teto da carreira. Nós deveríamos ser mais meritocráticos nisso. A Presidência da República, o Supremo, é evidente que eles têm que receber muito mais do que recebem hoje. Pela responsabilidade do cargo, pelo peso das atribuições, pelo mérito em si pra poder chegar numa posição dessas. E não é nada assim no serviço público brasileiro. É uma distribuição quase, entre aspas, socialista”, disse.

As afirmações ocorreram na “I Jornada de Debates sobre Reforma Administrativa”, organizada pelo IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), no último dia 9. Guedes não apresentava nenhum sinal de alteração ao fazer tais declarações. Tampouco demonstrou constrangimento ao defender um ponto de vista que, se aprovado, terá ele mesmo entre os beneficiados. Não lhe foi imposto limite de tempo, embora não tenha se estendido muito no discurso – alegou ter que voltar para uma reunião com Bolsonaro. As declarações mais polêmicas – como a de que R$ 39 mil, quase 38 vezes o valor do salário mínimo do Brasil, é uma remuneração baixa para a alta administração – foram reiteradas. Também participaram do evento o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), e o ministro do STF Gilmar Mendes. No chat de discussão do evento, aberto ao público, centenas de postagens críticas aos palestrantes e à proposta em pauta.

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