Não há, naturalmente, uma relação direta e imediata entre uma coisa e outra, mas é inegavelmente simbólica a coincidência de o anúncio do governo de que a reforma da Previdência está suspensa ocorrer justamente num dia nacional de protestos em defesa do direito à aposentadoria.
Ao admitir não ter os 308 votos necessários para votar a Proposta de Emenda Constitucional 287/2016, o governo é obrigado a expor que perdeu a batalha em torno do que representam, de fato, as mudanças que tentava aprovar – disputa na qual os movimentos sindicais e sociais e as mobilizações tiveram papel preponderante e decisivo para a vitória dos trabalhadores.
Em um dia de protestos em dezenas de cidades e na capital do país, o secretário de Governo, ministro Carlos Marun, reconheceu, na segunda-feira (19), que a reforma da Previdência não será votada nesta gestão. O deputado nomeado para o posto, faz poucos meses, com a missão de conseguir os votos que faltavam disse que a tramitação no Congresso Nacional está oficialmente suspensa e que o tema deverá ficar para debate nas eleições e para o próximo presidente. “É uma derrota para o governo admitir que não tem como aprovar a reforma que é o carro chefe do ajuste fiscal, a medida pública contra os trabalhadores de maior impacto. Mas não podemos esquecer que, apesar disso, o ajuste segue a todo vapor com a Emenda Constitucional 95”, avalia o servidor do Judiciário Federal Tarcísio Ferreira, da direção do sindicato da categoria em São Paulo (Sintrajud).
Intervenção no Rio
O governo admite não possuir os 308 votos necessários para aprovar a reforma no Plenário da Câmara dos Deputados 440 dias após o envio da proposta ao Congresso Nacional e passados três dias da decretação da intervenção federal na área de segurança do Estado do Rio de Janeiro. “O decreto de Temer de intervenção no Rio de Janeiro, dentre outros interesses, foi uma tentativa de saída menos vergonhosa para a derrota do governo na reforma da Previdência. Hoje, a mídia não fala sobre a derrota do governo. Fala da violência no Rio de Janeiro. É a antiga estratégia de desvio de foco”, analisa o servidor Rafael Scherer, da direção do sindicato dos trabalhadores do Poder Judiciário Federal no Rio Grande do Sul (Sintrajufe-RS).
O decreto assinado por Temer e aprovado às pressas pela Câmara dos Deputados na noite da própria segunda (19), por 340 votos a 72, impede legalmente a votação de emendas constitucionais. Inicialmente, o governo vinha sustentando que a medida poderia ser suspensa e depois reeditada para que a reforma fosse votada, mas abandonou essa visão, alegando ter consultado informalmente ministros do Supremo Tribunal Federal.
Impopular
A alta impopularidade da proposta acabou se constituindo em fator decisivo para que a reforma não fosse votada. Nesse aspecto, a participação dos movimentos sindicais e sociais na campanha em defesa do direito à aposentadoria pode ser considerada essencial. “O governo desistiu porque ele não conseguiu os votos necessários. E ele não conseguiu porque a gente teve muita mobilização e a reforma da Previdência é muito impopular. Diante de tanta impopularidade, em um ano eleitoral, os parlamentares recuaram”, observou a professora Eblin Farage, do Serviço Social na UFF e presidente do Andes-SN, o sindicato nacional dos docentes, durante o ato realizado no Rio que integrou a mobilização nacional daquele dia.
Embora seja evidente que outros fatores contribuíram para o insucesso do governo, a campanha nacional contra a reforma teve papel determinante para derrubar o discurso e a propaganda do governo de que a Previdência Social quebrará caso não seja reformada. Todas as pesquisas de opinião indicam que a imensa maioria da população rejeita a reforma, que tem apoio declarado de uma minoria inferior a 15% dos brasileiros.
Poucos dias antes do anúncio da desistência, a impopularidade da PEC da Previdência e do presidente Temer ‘pulou’ o Carnaval nos blocos e escolas espalhados pelo país. Rejeição que ganhou no desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti, no Rio, momento emblemático e de repercussão nacional, com o Temer caracterizado de vampiro e as críticas à reforma trabalhistas levadas à avenida.
Mobilizações
Embora comemorada, a vitória da campanha pelos direitos previdenciários está ainda sendo vista com cautela pelos movimentos contrários à reforma. Primeiro, porque há muita desconfiança com relação ao governo. “Apesar dessa notícia, permaneceremos vigilantes e alerta. Se o governo não conseguiu aprovar essa excrescência foi pela resistência da nossa luta, não demos e nem daremos trégua a esse governo mentiroso e corrupto”, disse Erlon Sampaio, servidor da Justiça Federal em São Paulo e integrante da coordenação da Fenajufe. Segundo, porque a luta em defesa da Previdência não está desassociada das mobilizações contra a reforma trabalhista e pelo fim do congelamento dos orçamentos dos serviços públicos das áreas sociais por 20 anos.
Essas duas reformas, já aprovadas por Temer, também afetam os direitos sociais, trabalhistas e previdenciários. Está em curso uma campanha nacional para derrubá-las. “O que aconteceu com a Previdência nos abre espaço para reagir também com relação à reforma trabalhista e à Emenda Constitucional 95, que precisam ser revogadas”, defende Tarcísio. “Mas a intervenção federal no Rio é uma movimentação política do governo que busca explorar essa situação de violência para ganhar algum grau de popularidade. E se ele consegue se reerguer em alguma medida, pode ganhar força para retomar essa agenda de ataques”, alerta o servidor, de certa forma pontuando que a luta contra a destruição e a privatização da Previdência não para nunca.