Governo acelera votação da PEC que dá segurança a bancos e rebaixa socorro na pandemia


10/03/2021 - Helcio Duarte e Luciana Araujo
Campanha contra PEC 186 continua; proposta que prioriza dívida pública em detrimento de serviços públicos teve texto-base aprovado em manobra regimental na Câmara.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), parece estar mesmo empenhado em cumprir o que prometeu, alguns dias atrás, a representantes dos maiores bancos do país, numa reunião com a federação do setor (Febraban). Apelando a manobras criticadas por deputados da oposição, Lira tenta votar sumariamente a chamada PEC ‘Emergencial’, uma das prioridades do governo de Jair Bolsonaro para o semestre. Na madrugada desta quarta-feira (10 de março), quase às duas horas da manhã, 341 deputados aprovaram o texto-base da PEC contra 121 colegas que protestaram veementemente pois a abertura da votação descumpriu acordo firmado à tarde no Colégio de Líderes que previa a apreciação somente da admissibilidade da proposta, o que aconteceu pouco antes, por volta das 21 horas desta terça-feira, 9. Dez parlamentares se abstiveram na votação do texto-base. Os deputados federais aprovaram em plenário a admissibilidade da PEC 186/2019 por 366 a 118.

A manobra, além de atropelar a oposição, afrontou o processo de tramitação de emendas constitucionais, que prevê a análise por 40 sessões em comissão especial, que poderia alterar o texto, após a aprovação da admissibilidade. A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) denunciou a manobra para “passar o trator”. “O próprio presidente da Câmara disse no Colégio de Líderes, disse para a imprensa, que hoje seria votada só a admissibilidade da PEC 186, no entanto está desrespeitando inclusive a própria palavra.”

Agora, Lira quer concluir ainda nesta tarde o segundo turno no Plenário da Câmara ainda nesta quarta-feira (9). Em sessão marcada para as 10 horas, estão sendo debatidos os destaques, que o governo tenta rejeitar de conjunto.

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O Sintrajud, a Fenajufe, o Fórum Nacional dos Servidores (Fonasefe) e muitas outras entidades sindicais do funcionalismo atuam contra isso e convocam servidoras e servidores a se manifestar nas redes sociais: enviar mensagens aos deputados pela rejeição da proposta, que cria ‘gatilhos’ fiscais que congelam salários e aprofundam a asfixia dos serviços públicos já decorrente da Emenda Constitucional 95 (teto dos gastos).

Para tentar viabilizar essa tramitação fulminante na Câmara, o governo atrelou a PEC 186 à autorização do Legislativo para que a União institua uma nova fase do auxílio emergencial, pago, em 2020, a cerca de 68 milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade social na pandemia da covid-19.

O presidente Jair Bolsonaro já era acusado de atrelar um benefício social cada vez mais urgente – a pandemia hoje mata mais de 1.500 pessoas por dia no Brasil – a um ‘ajuste fiscal’ de interesse do mercado financeiro. Agora, é também responsabilizado por uma manobra que busca rebaixar o valor deste socorro à população a menos de um terço do valor estipulado pelo Congresso Nacional na primeira vez em que foi concedido, em abril do ano passado. Em 2020, Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes (Economia) enviaram ao parlamento uma proposta que fixava o auxílio em R$ 200,00. Deputados e senadores aprovaram alteração defendida pela oposição que elevou o valor a R$ 600,00 e R$ 1.200,00 a mães de famílias.

Para evitar novo ‘risco’ de isso acontecer, o governo conseguiu inserir de última hora no Senado um dispositivo que limita em R$ 44 bilhões os recursos a serem destinados ao socorro à população com o auxílio emergencial. Com isso, o benefício ficaria em torno de R$ 150,00 caso fosse novamente pago, por quatro meses, aos 68 milhões de pessoas que o receberam em 2020. A quantia é insuficiente para comprar mais de um botijão de gás de cozinha – daí ter sido chamado de ‘vale-gás’ quando passou pelo Senado. Os valores hoje cogitados pelo governo para o benefício oscilam entre R$ 175,00 e R$ 350,00 porque atenderiam a um número bem menor de pessoas.

Congelamento dos serviços públicos

A PEC 186 contém mudanças que alteram aspectos essenciais da Constituição. De certa forma condiciona o orçamento para despesas em áreas sociais e de direitos básicos à segurança no pagamento das dívidas públicas. Para torná-la mais palatável aos parlamentares, o governo a associou ao pagamento do auxílio emergencial na pandemia. Agora, com a manobra que fixou o teto, que hoje não existe, usa a proposta fiscal para amarrar o valor do auxílio emergencial. Isto porque, assim, a oposição ficará impedida de aumentar o valor do benefício, como fez em 2020.

Aprovada como está, a PEC ‘Emergencial’ dará, simultaneamente, mais tranquilidade a banqueiros, que lucram com os títulos das dívidas públicas; mais preocupação e prejuízos aos servidores e à população, com o congelamento salarial e os cortes nos recursos destinados aos serviços públicos; e ainda a certeza a Bolsonaro de que não correrá riscos de o socorro aos que mais padecem com os impactos da pandemia venha a ser alterado para algo além do seu ‘vale-gás’.

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