Na mesma semana em que o presidente Jair Bolsonaro conseguiu votar a admissibilidade da proposta de emenda constitucional (PEC) 32/2020 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, dois deputados aliados ajudaram a expor o que a ‘reforma’ administrativa pode representar.
Nas discussões na CCJ, o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ) criticou os concursos públicos e a estabilidade ao defender a aprovação da proposta de emenda constitucional. Colega de partido do parlamentar, o deputado estadual Anderson Moraes apresentou projeto à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro propondo extinguir a Uerj, a maior, mais antiga, conceituada e inclusiva universidade pública estadual fluminense. Para ‘compensar’ os mais de 32 mil estudantes, propôs que o Estado pague vales para migrarem para instituições privadas. O PL foi rejeitado por inépcia.
Os dois casos estão amparados no que diz o próprio governo e ilustram as críticas que os sindicatos fazem à reforma.
Poucos dias antes, ao falar na CCJ, o ministro Paulo Guedes (Economia) também criticou os concursos. Guedes defende a privatização de hospitais e universidades públicas e o fim do Sistema Único de Saúde – disse pretender substituí-los por vales para uso no setor privado.
A rejeição à reforma esteve entre as bandeiras que milhares levaram às ruas, em mais de 200 cidades do país, nos atos “Fora Bolsonaro”, em 29 de maio.
Quatro dias antes, o parecer do deputado Darci de Matos (PSD-SC) havia sido aprovado por 39 votos a 26 na CCJ, com apenas três alterações: a exclusão do item que permitia ao chefe do Executivo criar, fundir ou extinguir fundações e autarquias e os novos princípios para a administração pública, entre eles o da subsidiariedade; e a proibição de ocupantes de carreiras exclusivas de Estado terem outra forma de remuneração.
O mais relevante, porém, foi a ênfase com que admitiu que outras mudanças terão de ser discutidas e negociadas na comissão especial que analisará o mérito da proposta.
O resultado da CCJ pode ter agradado ao governo, porém também indica certa dificuldade – não foi possível ao Planalto acionar o ‘trator’ que marcou a aprovação sumária de outras matérias, como a PEC Emergencial, que congelou os salários dos servidores e teve meteórica passagem por 72 horas na Câmara.
As promessas antecipadas de mudanças no texto, tendo o então relator como porta-voz da mensagem, não sinalizam guinadas na essência da proposta, apontada como enorme passo para a destruição dos serviços públicos. Mas demonstram que o Planalto ainda negocia apoio.
Para aprová-la em Plenário, Bolsonaro precisa de três quintos dos deputados – 308 votos. Na Comissão de Justiça, bastava maioria simples. Caso precisasse, também ali, de maioria qualificada, teria fracassado: faltaria um voto. A ‘reforma’ da Previdência, aprovada em 2019, passou na CCJ com 48 votos a 18. Na votação da PEC-32, os governistas contaram nove votos a menos.
Disputa segue nas redes e nas ruas
Não está descartado que o governo consiga aprovar a reforma, que ainda será apreciada por uma comissão especial antes do Plenário da Câmara e, se aprovada, pelo Senado, mas é possível inferir que a disputa está indefinida.
Contribui para isso a crescente impopularidade do governo – segundo o Datafolha, hoje aprovado por apenas 24% dos brasileiros – e o desgaste da CPI da Covid que demonstra que milhares de vidas poderiam ter sido salvas se vacinas tivessem sido compradas quando oferecidas pelos laboratórios.
Há ainda o desgaste das supostas intenções do governo – a votação na CCJ, por exemplo, teve constrangedoras críticas à portaria que elevou os salários de Bolsonaro a R$ 41 mil e o de seu vice, Hamilton Mourão, a R$ 63 mil – enquanto o discurso oficial advoga falta de recursos para justificar o congelamento salarial dos servidores ou o auxílio emergencial rebaixado a R$ 150,00.
É explorando essas contradições e intensificando as mobilizações nas redes sociais e, agora, também nas ruas, com todo cuidado sanitário possível, que as campanhas contra a reforma se apoiam para tentar barrar a PEC 32. Servidoras e servidores são convocados a abraçar essa luta, que pode definir quais linhas constitucionais ditarão o futuro dos serviços públicos no Brasil.