“Foi alteração grosseira”, diz advogado no Supremo sobre fim ‘fake’ do RJU na reforma de FHC


03/09/2020 - Helcio Duarte Filho
No dia em que Bolsonaro envia PEC para extinguir RJU ao Congresso, Supremo inicia julgamento que expõe 'vale tudo' contra servidores de 1998.

Advogados de proponentes e de amicus curiae (entidades especializadas aceitas no processo com o objetivo de fazer a Corte compreender a dimensão da demanda em julgamento) da ação que contesta a constitucionalidade da ‘reforma’ administrativa aprovada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), 22 anos atrás, afirmaram, em sustentação oral no STF, que a versão final do texto foi manipulada pelo relator da emenda constitucional, então deputado federal Moreira Franco (MDB-RJ).

“Tivemos quase que uma alteração grosseira”, disse o advogado Eugênio José de Aragão, representando o PT, um dos autores da ação, referindo-se ao item que irregularmente pôs fim à previsão de Regime Jurídico Único para os servidores. “O deputado Moreira Franco promoveu outras sete alterações. Inclusões feitas pelo relator da emenda constitucional na hora de fazer a redação definitiva, superando as mudanças que foram aprovadas pelo Plenário”, disse.

A afirmação foi dada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2135/2000, iniciado na tarde desta quinta-feira, 3 de setembro de 2020, no Plenário do Supremo Tribunal Federal, por videoconferência. A apreciação da matéria que é decisiva para o RJU começou no mesmo dia em que o presidente Jair Bolsonaro enviou ao Legislativo proposta de ‘reforma’ administrativa que também prevê o fim do RJU e da estabilidade dos servidores públicos no Brasil.

O advogado Pedro Maurício Pita Machado exibiu, durante a sua exposição, capas de jornais do dia seguinte à votação na Câmara da proposta que resultaria na Emenda Constitucional 19, em 1998,  nas quais é informado que a proposta de fim do RJU foi derrotada. “Está aqui no [jornal] ‘O Estado de São Paulo’: Oposição derrota o governo na reforma. Na votação em separado, foi mantido o Regime Jurídico Único”, disse. Pita, que assessora sindicatos do Judiciário Federal e MPU, falou representando o PCdoB. Na votação do destaque referente ao RJU, faltaram dez votos para o governo atingir seu objetivo, o que foi noticiado pelos jornais à época.

O advogado Cezar Britto representou a Fenajufe (Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do MPU), aceita no processo como amicus curiae. Ele concentrou a sua fala em outros aspectos da ação, que apontam inconstitucionalidades materiais na emenda constitucional. Entre elas, a alteração que excluiu os militares da previsão conjunta de revisões anuais das remunerações. Disse que neste aspecto civis e militares têm que andar absolutamente juntos, seguindo o princípio basilar da isonomia prevista na Carta Magna. Disse que o tempo demonstrou que essa e outras mudanças, que seguem em vigor, foram erros que ferem os princípios da Constituição Federal de 1998.

No dia em que o presidente Jair Bolsonaro enviou ao Congresso Nacional uma proposta de ‘reforma’ que amplia os poderes dos governantes sobre o Estado e os serviços públicos, Cezar Britto ressaltou a evidente intenção do constituinte de impedir o arbítrio na gestão da administração pública. “Os servidores precisam de garantias à vontade do governante, que se sente dono do estado. Daí que o servidor serve ao público, não serve ao governante”, disse.

Por volta das 17h20, a relatora da ADI, ministra Cármen Lúcia, iniciou a leitura de seu voto. Pouco antes, o presidente do STF, Dias Toffoli, já havia informado que, devido a densidade da matéria, a sessão se encerraria em seguida, ficando a continuidade do julgamento para a semana seguinte. Cármen Lúcia se posicionou pela manutenção definitiva do que estabelecera provisoriamente a medida cautelar, 13 anos atrás: a inconstitucionalidade formal da alteração que pôs fim ao RJU, com a manutenção do texto original do caput do Artigo 39 da Constituição.

Não há, a esta altura, como descolar a apreciação desta ação da nova ‘reforma’ que chega ao Congresso Nacional. Tanto a atual quanto a de 22 anos atrás trazem em suas justificativas a ‘modernização’ dos serviços públicos, a redução dos gastos com servidores e a aplicação de critérios subjetivos para avaliações supostamente baseadas na ‘meritocracia’.

A denunciada ‘alteração grosseira’ do texto final de 1998 e os sete anos decorridos para que o STF decidisse sobre a medida cautelar, boa parte deles consumidos por quatro anos de pedido de vistas do então ministro Nelson Jobim, reforçam preocupação muitas vezes alertada por entidades sindicais do funcionalismo: há muitos e poderosos interesses por trás de tais propostas e dos ataques aos servidores – nenhum deles voltado às demandas públicas ou às necessidades sociais da população.

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