Fim do RJU voltará a discussão no Supremo após pedido de vista de Nunes Marques


30/08/2021 - Hélio Batista Barboza
Voto de Gilmar Mendes considerou legítima a manobra que permitia contratação de servidores pela CLT, mesmo objetivo da PEC 32.

Protesto contra a “reforma” administrativa do governo Bolsonaro (PEC 32) na Praça da República, no dia 18 de agosto (Foto: Jesus Carlos)

Os impasses em torno das mudanças no Imposto de Renda devem puxar a “reforma” administrativa (PEC 32/2020) para a frente da fila de votações na Câmara dos Deputados, segundo o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). A previsão era que o relator da matéria, deputado Arthur Maia (DEM-BA) apresentasse o relatório à Comissão Especial ainda na semana passada. “Temos que tentar votar a reforma administrativa entre o fim de agosto e o início de setembro”, disse Lira, durante evento na última terça-feira, 24.

As entidades que representam o funcionalismo e os parlamentares contrários à reforma se mobilizam para esclarecer a população sobre os prejuízos que seriam causados pelo fim da estabilidade dos servidores, entre outras mudanças previstas no projeto.

Outra frente de luta em defesa da estabilidade e do Regime Jurídico Único (RJU) dos servidores está no STF, onde o ministro Nunes Marques pediu vista do processo e suspendeu o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2135/2000.

A ação contesta a tentativa anterior de acabar com a estabilidade e o RJU, a Emenda Constitucional 19/98, aprovada durante o governo Fernando Henrique. Representada pelo advogado Cezar Britto, a Fenajufe faz parte do processo como amicus curiae.

A votação no Supremo está empatada, com o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, favorável à ADI e à manutenção do texto original da Constituição. O ministro Gilmar Mendes, por outro lado, considerou constitucional a mudança pretendida pela Emenda 19, que abre caminho para a contratação de servidores pela CLT.

Desde 2007, a aplicação dessa parte da “reforma” de Fernando Henrique está suspensa por uma medida cautelar. Dos atuais ministros do Supremo, apenas Ricardo Lewandowski votou naquela ocasião, tendo se manifestado contra os servidores e a favor da Emenda.

Mudanças no texto eliminam RJU

O que está em discussão no STF é se foi cumprido o rito legislativo para a aprovação da Emenda 19. Os proponentes da Ação Direta de Inconstitucionalidade — PT, PDT, PCdoB e PSB — apontam que o texto da Emenda foi grosseiramente modificado pelo relator da proposta, o então deputado Moreira Franco (PMDB-RJ), depois de já ter sido votado na Câmara.

A Emenda altera o artigo 39 da Constituição, que em seu caput estabelece: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.”

O texto do relator suprimia esse trecho e o substituía por uma disposição que remetia para lei complementar a regulação da política remuneratória e do plano de carreira, sem mencionar o RJU. Durante a votação em primeiro turno na Câmara, os partidos de oposição apresentaram destaque para votação em separado dessa e de outras alterações. O destaque não atingiu os 308 votos necessários para a aprovação, o que significaria o restabelecimento do texto original da Constituição.

Plenário do STF (Foto: Rosinei Coutinho/STF)

Em vez disso, Moreira Franco deslocou outra parte do substitutivo para o lugar do caput do artigo 39, que passou a ter a seguinte redação: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes”. O deputado alegou que a mudança visava evitar que o artigo 39 ficasse sem caput, ignorando a intenção dos oposicionistas de manter o caput original. Com a manobra, a Emenda 19 acabou sendo aprovada.

Violação à Constituição

Para Gilmar Mendes, o que ocorreu foi apenas a “transposição de texto já previamente aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados”, conforme escreveu o ministro em seu voto no STF. Ele observou que o trecho sobre o “conselho de política de administração e remuneração de pessoal” não foi objeto de destaque para votação em separado e apenas mudou de posição na versão final do substitutivo.

O ministro ressaltou ainda que a versão final do substitutivo acabou aprovada na Comissão Especial e na votação em segundo turno pelo Plenário.

Esse não foi o entendimento da ministra Cármen Lúcia, para quem ficou comprovado que a eliminação do RJU já havia sido rejeitada no primeiro turno de votação. A ministra apontou violação a duas regras constitucionais: a que exige a aprovação em dois turnos para as emendas constitucionais e a que impede a reapresentação, na mesma sessão legislativa, do tema de uma emenda rejeitada.

O voto da ministra foi lido no ano passado, no mesmo dia em que o presidente Jair Bolsonaro enviou ao Congresso a PEC 32.

Com o pedido de vista do ministro Nunes Marques e a tentativa do governo de acelerar a nova “reforma”, a ADI que ingressou no Supremo há 21 anos pode voltar ao plenário do Tribunal quando a PEC 32 já tiver passado pela Câmara dos Deputados. Até lá, o funcionalismo público espera ter derrotado mais essa tentativa de contratar servidores sem concurso e sem estabilidade.

Protesto contra a PEC 32 em Brasília (Foto: ContraPEC32)

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