Estranha sindicância expõe perseguição a servidora que integra comissão contra o assédio no TRE-SP


22/08/2022 - Helcio Duarte Filho
TRE instala sindicância para servidora e dirigente sindical que integra comissão do tribunal de combate ao assédio moral e sexual e à discriminação.

Dados oficiais e provavelmente subnotificados apontam que 8.256 pessoas perderam a vida para a covid-19 e a política negacionista do governo brasileiro em janeiro de 2022. A explosão de casos da variante ômicron praticamente dobrava o número de óbitos em relação a dezembro.

No dia 12 de janeiro de 2022, a servidora Raquel Morel trabalhou normalmente, de casa, de forma remota. Assim como acontece e acontecia com milhares de outros servidores e servidoras, usou para isso parte de equipamentos próprios, assim como a energia e a internet.

Neste mesmo dia haveria, no início do expediente, uma reunião on-line de seu setor – Seção de Rede e Servidores. Convocada pelo então chefe imediato, Fabio Barbosa de Oliveira Elizeu, o objetivo era justamente tratar de uma mudança normativa da administração do tribunal relacionada ao trabalho na pandemia.

Diante do avanço da ômicron, a Resolução TRE-SP número 573, de 11/1/2022 suspendia atividades presenciais, salvo “as programadas, necessárias ou essenciais”. A medida, naturalmente, suscitava dúvidas que seriam abordadas na reunião.

Pois é por conta deste dia de trabalho – e exclusivamente por conta dele -, que Raquel está sendo submetida pela administração do tribunal a uma sindicância.

Sindicância

A sindicância de investigação, determinada pelo diretor-geral do TRE, Claucio Cristiano Abreu Corrêa, busca apurar se a servidora se recusou a trabalhar presencialmente naquele dia ou não.

Ocorre que ela compareceu ao trabalho presencial sem registro de incidentes antes e depois deste dia, marcado justamente pela introdução de uma nova normativa, seguindo as escalas do setor, para atender as necessidades dos trabalhos programados.

Escalas que já vinham sendo cumpridas com mais segurança após uma melhora do quadro epidemiológico, alcançado graças à vacinação – uma conquista da sociedade civil, com papel relevante de trabalhadores dos serviços públicos, dos movimentos sociais e sindicais – que se levantaram contra a política do governo federal de postergar e desincentivar a vacinação.

Por quê?

O que chama a atenção neste procedimento em curso – que demanda tempo de servidores, da administração e recursos públicos – é o evidente exagero e extemporaneidade da instalação de uma sindicância para o caso.

Algo que fica ainda mais gritante, e inevitavelmente remete ao campo da perseguição política, quando se observa que Raquel, com eloquentes elogios de chefia anterior por seu desempenho profissional, é dirigente sindical. Integra a direção do Sintrajud, e é uma das representantes da categoria na Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação no TRE – instalada em 2021 atendendo a resolução do Conselho Nacional de Justiça.

E já vinha defendendo uma política da administração que permita um melhor funcionamento da comissão, que leve a medidas mais efetivas de enfrentamento ao assédio. Em maio passado, também seguindo determinação do CNJ, o TRE realizou a Semana de Combate ao Assédio e à Discriminação. Houve críticas à primeira palestra do evento, mais voltada para expor dúvidas sobre o que é de fato assédio ou não do que em priorizar justamente o silenciamento a que tantos casos costumam ser submetidos.

Também houve questionamento posterior à não divulgação do resultado completo da enquete sobre o tema, direcionada aos servidores e servidoras. Resultado parcial indicava que 50% já haviam sofrido ou acreditam ter sofrido assédio no local de trabalho, 50% já presenciaram ou souberam de casos de assédio na Justiça Eleitoral, e 33% se sentiram discriminados em algum momento. Além de 56% conhecem colegas que ficaram com algum abalo psicológico, depressão, estresse ou conflito no ambiente de trabalho após alguma situação de assédio ou discriminação.

Assédio coletivo

Antecede o que ocorre agora a tentativa, no ano passado, de relotação forçada de quatro servidores da sede do Regional, inclusive da própria Raquel. Eles foram “convidados” a mudar de lotação, sob a justificativa de que não haveria alinhamento com a chefia, ainda a cargo de Fabio Elizeu, que posteriormente, em fevereiro deste ano, deixaria a função e a seção.

Houve resistência por parte dos servidores, que enfrentaram a pressão pela relotação arbitrária e imotivada. A prática contraria o Estatuto dos Servidores e pode ser tipificada como assédio moral institucional, o que foi denunciado à época.

Dirigente do Sindicato e integrante da comissão de combate ao assédio, Raquel vinha questionando este quadro preocupante nas relações de trabalho e a falta de uma política efetiva para tentar superá-lo. Desta forma, não há como desassociar a abertura da sindicância, que de cara causa estranhamento pelo motivo que a desencadeou, da atuação sindical da servidora. Perseguição política é a pergunta que não se cala e que a administração do tribunal precisa responder.

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