ENTREVISTA – Ricardo Antunes: Sociólogo alerta para riscos do teletrabalho


19/10/2018 - Luciana Araujo

O sociólogo Ricardo Antunes não considera trabalhar de casa por si só uma forma de precarizar as relações laborais, afirma o sociólogo Ricardo Antunes. Mas ele faz um alerta: o teletrabalho abre uma “fresta enorme” para a precarização e para a terceirização. Professor da Unicamp, a universidade estadual de Campinas (SP), autor de livros sobre o mundo do trabalho, entre eles o recém-lançado O privilégio da Servidão – o Novo Proletariado de Serviços na Era Digital, o sociólogo conversou com o jornalista Hélcio Duarte Filho após participar de um debate sobre o trabalho digital na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“A terceirização, ou a precarização, nunca começam na primeira medida de forma clara”

 

 

 

Jornal do Judiciário – Setores dos serviços públicos que começam a introduzir de modo mais forte o teletrabalho, visto por muitos como um atrativo, dada a possibilidade de trabalhar de casa. O teletrabalho é uma forma de precarização ou não?

Ricardo Antunes – Não é uma forma de precarização o fato do local de trabalho. Só que o problema não é esse, o problema é o seguinte: quando você amplia o teletrabalho, você abre uma fresta enorme para que hoje ele seja ampliado com direitos e amanhã ele seja transferido para trabalho terceirizado e sem direitos.

Os trabalhadores e trabalhadoras do setor público têm que ter consciência: o teletrabalho tem vantagens, você trabalhar em casa, mas desde que você tenha garantidos direitos como um funcionário público efetivo.

Só que a terceirização, ou a precarização, nunca começa na primeira medida de forma clara. Então é a porta aberta para um risco muito grave. Porque o teletrabalho é uma justificativa para amanhã as empresas estatais [e a administração pública] dizerem: ‘nós não vamos contratar mais funcionários públicos para substituir os que estão se aposentando e nós vamos terceirizar todos, que vão aceitar trabalhar fazendo o teletrabalho e sendo terceirizados’.

O risco da precarização ser uma consequência é grande, então. Isso significa que se deve tentar impedir esse trabalho?

Tem que ter uma reflexão muito grande no sindicato se há força para garantir isso como um direito adquirido que não pode ser facilmente quebrado. Mas no mundo que nós estamos vivendo hoje, a demolição de direitos ocorre diária e sistematicamente. Então, nesse sentido, se abre para sua flexibilização, informatização e precarização.

O teletrabalho também está muito presente hoje no ensino à distância, que, nesse caso, já começa precarizado. Isso serve como alerta… É uma violência. O ensino à distância em uma sociedade capitalista significa pagar um professor por uma hora-aula, que ele daria para 20, 30, 40, 50 alunos e fazer com que essa hora-aula seja para milhares de alunos. É uma forma de proletarizar e precarizar o trabalho docente, perdendo conteúdo. Porque o trabalho docente é fundamentalmente presencial, e quando vira trabalho à distância é uma forma de destruir o sentido pedagógico da educação e, evidentemente, converter o trabalhador em um proletário de massa que vem dar aulas para grandes contingentes recebendo salários escorchantes. Não é sério. É sério o trabalho à distância quando a distância impossibilita a atividade. Por exemplo, um trabalho à distância dado dentro dos presídios, isso é discutível, e regiões onde é impossível chegar. Fora isso, é forma de mercadorização do ensino privado. Se já é questionável no ensino privado, é inaceitável no ensino público.

No aspecto da organização sindical dos trabalhadores. Quais os impactos que o teletrabalho pode ter?

É um outro problema que é decisivo. Quando você transfere para casa, perde o espírito da coletividade, do trabalho coletivo e da solidariedade. Porque quando você está em casa trabalhando com a mulher e os filhos, ou a mulher com o marido e com os filhos, você perde o contato com seu colega. Se amanhã tem uma luta, essa categoria não se organizará somente por internet. A organização coletiva, uma assembleia, tem um sentido de identidade, consciência, solidariedade, o que a internet não tem. Então, é o segundo problema mais complicado, porque você mina a base do sindicato na medida que você joga cada trabalhador ou trabalhadora para trabalhar na sua casa.

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