ENTREVISTA: Carlos Roberto Husek


01/08/2018 - Shuellen Peixoto

Já tendo se posicionado contra as ameaças de enxugamento e/ou extinção da Justiça do Trabalho, dada a sua função social na solução de conflitos, que ações considera importantes caso se torne presidente da maior Corte Trabalhista Regional do país para evitar tal cenário? Qual papel avalia que o presidente do TRT-2 tem neste debate?

Eu não concordo quando algum colega, algum juiz, diz que não vai aplicar a lei. O juiz tem que aplicar a lei, mas ele pode interpretá-la. E a maneira mais inteligente de interpretar é à luz da Constituição. Quem diz que não vai aplicar se submete à saga daqueles que querem ver o Judiciário terminar. Uma grande saída examinando cada caso é que a reforma não assusta tanto se observamos os tratados internacionais que o Brasil assina, que estão acima da lei ordinária. O juiz que aplicar a convenção X ou Y, contrariando o que está em um artigo da reforma, estará perfeitamente de acordo com a sistemática do Direito e a Constituição, sem nenhum problema. Por exemplo, o artigo 477-A da reforma é um absurdo, porque diz que as dispensas individuais, plúrimas e coletivas têm o mesmo efeito. Não é possível! Quer dizer que não há diferença entre a empresa demitir um trabalhador ou demitir 4 mil? Em sã consciência, simplesmente não vejo como um juiz pode simplesmente aplicar este artigo.

A própria OIT vem questionando a constitucionalidade de vários artigos da reforma.

Eu não acho que a reforma toda é inconstitucional. Não vamos ter o mesmo número de ações que tínhamos antigamente, mas não vai se consolidar essa redução que temos agora. Essa é minha impressão. Tem que esperar a manifestação dos tribunais superiores para saber exatamente o que fica e o que não fica na reforma, qual a interpretação dos tribunais superiores, até que ponto uma súmula vale, até que ponto vale uma orientação jurisprudencial e uma jurisprudência, porque isso está sendo atacado também.

E que ações considera importantes, caso se torne presidente da maior Corte Trabalhista Regional do país, poderiam ou deveriam ser tomadas? Qual papel avalia que o presidente do TRT-2 tem neste debate?

Acho que está mais que claro que vamos sofrer na parte econômica. Não é de agora, faz tempo, só está um pouquinho pior. O atual presidente fez uma coisa muito boa, reconhecida por todos, que foi renegociar o preço dos aluguéis, que caíram pela metade. Então, até que dinheiro para manter o básico nós temos, não é um grande dinheiro, mas temos.

Acho que os dois anos da próxima gestão – seja com a doutora Rilma ou comigo, todos estamos no mesmo barco e não somos inimigos, apenas contendores – serão dois anos de relacionamento político efetivo. Ou seja, o problema é mais político porque estamos vivendo uma época política no Brasil e no mundo, e de afirmação da Justiça do Trabalho.

Acho que o presidente ou a presidente eleito ou eleita vai ter que se fazer presente nos órgãos oficiais. Não pode ficar só na cadeira assinando. Vai ter que ir aos sindicatos, chamar os sindicatos. Conversar com a OAB, com o TST, o Executivo, o Legislativo. Precisa ser atuante, porque a política é a tônica de tentar resolver as coisas de uma maneira melhor. Portanto, penso que a ação é de representatividade, transparência, diálogo, de não ter posições definidas. Já se foi o tempo, não só aqui mas em outros lugares, em que o presidente fechava a porta e decidia com a caneta. Administrar com comissões obrigatórias pelo TST, o CNJ, o regimento interno, ouvindo os sindicatos dos empregados da Justiça do Trabalho também, e não estou falando isso pela candidatura, – ainda que contrarie um sindicato ou comissão ou grupo de pressão – porque aí se erra menos.

Os ataques à Justiça do Trabalho não se encerram na reforma trabalhista e na Lei das Terceirizações, estendendo-se a todo o Judiciário Federal por meio do congelamento orçamentário imposto até 2036 pela Emenda Constitucional 95, que impacta nos salários, carreira, benefícios, nomeações e realização de novos concursos. Como pretende lidar com a necessidade de expansão orçamentária para a adequada prestação jurisdicional, tendo em vista que o TRT-2 já tem a maior produtividade do país, e a realidade de compressão nas verbas destinadas ao Tribunal?

A nossa produtividade, acho, pelos funcionários e juízes que temos, em princípio vai continuar em alta. Mas efetivamente não há produtividade se o funcionário ou o juiz estiver doente. Acho que temos várias comissões no Tribunal, inclusive de saúde, compostas por servidores e juízes, que devem efetivamente funcionar. Não estou dizendo que não funcionam, mas o próximo presidente tem que dar uma força a isso para que essas comissões efetivamente funcionem e tragam algumas soluções para os problemas que nós temos. Em relação aos funcionários, e até à divulgação de coisas. Temos uma sala de descompressão aqui no Tribunal, e confesso que nunca fui lá, e poucos vão. Poderia ser um começo, o servidor parar de trabalhar por 10 a 15 minutos e fazer uma ginástica laboral ou algo assim. Verificar se os móveis estão na altura correta, se trabalha dentro dos horários corretos, almoça dentro do horário correto. Tem coisas que são básicas e banais, mas às vezes não fazemos. Temos uma consciência meio de escravidão, de que temos que trabalhar das 8 da manhã às 10 da noite. Eu acho que se trabalha melhor dentro de períodos específicos, bem alimentados, sem nenhuma doença.

Que medidas pretende adotar com vistas à preservação e prevenção à saúde do trabalho e à adequação das condições físicas de atividade laboral na 2ª Região, visto que a gestão da produtividade deve preservar a saúde física e mental de trabalhadores e magistrados?

Posso fazer algo na Presidência do Tribunal? Confesso que a única coisa que posso é acionar todas as comissões, ouvir todo mundo e implantar o que deve ser implantado de maneira coerente. E acho que para isso não precisa de muito dinheiro não. Precisa mais de consciência e reeducação para o trabalho e a vida. Sei de vários funcionários que chegam um pouco mais tarde e trabalham até às 22 horas. Que loucura é essa? Não pode! Ele está trabalhando dentro do horário dele, mas não é assim. E a família, como fica?Você precisa ter um jogo de cintura e flexibilidade, mas com parâmetros.

Aqui, há um tempo, algumas administrações tentaram implantar filosofias da FGV para empresas privadas.  O Tribunal não tem cliente, tem jurisdicionado. Estamos falando de serviço público. Meu cliente é a sociedade. E ela não vai dar lucro. O Tribunal tem que funcionar com ou sem lucro. E para isso é preciso ter uma filosofia diferente. Não temos ainda como administrar qualquer tribunal com essas fórmulas que a FGV faz. Passa-se uma ideia que é errônea. O que a Justiça do Trabalho pode dar à sociedade é uma justiça mais célere, decisões mais condizentes, mais garantia do jurisdicionado para que ele saiba que se apelar à justiça tem a possibilidade de discutir seus direitos, ainda que ele não os tenha.

Os benefícios como auxílios pré-escolar, saúde e alimentação estão com valores defasados há anos, sem a devida reposição inflacionária integral. Como pretende resolver essa questão neste cenário econômico?

Primeiro, não tirar os benefícios que efetivamente já estão. Uma atuação política no sentido de que é preciso atuar para manter os valores que vêm para o Tribunal tem que ir lá no centro do poder. Ninguém faz milagres, mas o caminho é conversar e ir lá para ver se aumentam os valores que recebemos. E se não for possível, de que forma gerir. Se é possível [o orçamento] ir de um item para outro. Amparado no Direito Administrativo, verificar quais são os caminhos legais para ampliar aquilo que é benéfico sem prejudicar o Estado. Aliás, não se prejudica o Estado porque nós somos o Estado. O juiz e o servidor.

Em relação ao enfrentamento ao assédio sexual e moral na 2ª Região, recentemente o Tribunal reconheceu a importância do combate frequente a essas práticas, e o CSJT instituiu um Comitê de Combate ao Assédio Moral. Que medidas pretende adotar?

O assédio é sempre ruim, seja ele qual for. Não sei se de um tempo para cá – tem tido, sempre teve, aqui e em qualquer empresa, o assédio sexual –, me parece que tem diminuído. E se diminuiu é porque as pessoas estão mais conscientes e falam mais. Antigamente uma servidora poderia até ficar quieta, mas hoje as coisas não são mais desse modo. Mas existe o problema porque vivemos numa sociedade machista.

E o assédio moral – obrigar ou fazer a pessoa trabalhar mais do que deve, por exemplo, no sentido de ficar bem aos olhos do dirigente ou de promessas – também não é bom porque quebra a regra do equilíbrio, da paridade, etc.

E só tem uma forma de resolver isso, ao meu ver, é conscientizando as pessoas, fazendo diversas reuniões com todos os setores. Eu pretendo fazer uma Presidência meio itinerante, aparecer nos lugares. Não por nada, para conversar com os juízes e servidores, ver se está tudo certo, quais são os problemas. Se tivermos olhos para ver e ouvidos para ouvir acabamos sabendo de diversos casos e dá para combater. E combater é conversar, implantar as comissões necessárias para acompanhar isso e levar os casos efetivamente ocorridos ao procedimento administrativo adequado, para que sirva de exemplo e isso não mais aconteça.

O senhor anunciou a intenção de manter o espaço de diálogo institucional conquistado pelo Sindicato para resolução de demandas da categoria. Estarão mantidas as reuniões mensais com o Sintrajud?

Só não falo que não só estariam mantidas, mas seriam de quinze em quinze dias porque parece coisa de político, e eu não sei se isso é possível. Mas quem me conhece sabe que estou sempre com a porta aberta. Não tem como não discutir com o sindicato e fazer reuniões temporárias. E impossível sem isso administrar do jeito que nós queremos administrar. Mesmo quando os interesses colidem eu considero que é necessário conversar.

Também já manifestou disposição de valorizar os servidores do Tribunal. Que medidas nesse sentido integram seu plano de gestão?

Em relação à valorização do trabalho, temos um problema de vagas – que estão sendo implementadas agora com alguns servidores que passaram em concursos, mas não temos tido a possibilidade de chamar mais servidores, até por conta de Brasília. Então, pretendo verificar exatamente o número de servidores e vagas que temos, a priorização em tese da Primeira Instância que é a de jurisdição efetiva, os setores administrativos do Tribunal que são mais importantes e eventualmente aqueles que podem serem juntados ou seccionados para funcionar melhor. O que se pretende não é apenas criar uma nova área sem lastro nenhum, mas verificar as que eventualmente podem ser absorvidas e fazer com que o funcionário trabalhe de uma forma que veja caminhos de progresso, que se sinta bem, com chefes que saibam lidar com ele e uma atuação responsável.

Considerando os impactos da intensificação do ritmo de trabalho ao longo dos anos e a realidade de jornadas menores que as praticadas em São Paulo por alguns Regionais, vê possibilidade para abertura do debate sobre a redução da jornada de trabalho na 2ª Região?

Possibilidade sempre há, dependendo do que se desenvolve em termos de processo, acúmulo de processos e funcionamento específico. Se diminuir o número de processos é possível diminuir as horas de trabalho. E tese eu acho melhor a pessoa trabalhar menos tempo e produzindo do que ficar simplesmente durante muito tempo sem produção necessária. A gente gasta água e luz à toa. Então, o que é preciso é verificar como funcionam outros tribunais neste sentido e ver se isso é possível. Uma das coisas importantes e que não há um regulamento específico ainda, é o teletrabalho.

Por último, qual o seu posicionamento sobre a possibilidade de realização de eleições diretas para os corpos diretivos dos Tribunais, com participação dos servidores no colégio eleitoral?

Isso é muito polêmico. Mas na PUC e em algumas outras universidades foi estabelecida uma regra que nem os servidores sozinhos, nem os estudantes nem os professores elegem o reitor. Por que não podemos discutir algo assim. Não acho que seria possível simplesmente eleição direta com todos votando igual porque aí sim poderia ter uma politização demagógica. Mas se fizer uma regra inteligente com pesos para a votação, todos podem participar. Quando fui presidente da Associação dos Magistrados em 2002 minha bandeira era que juízes de primeiro grau votassem no presidente do Tribunal. Se ele vota para presidente da República, por que não pode votar para a presidência do Tribunal? Se houver uma regra que evite essa politização e garanta que todos participem e que os candidatos tenham que dialogar com todos acho que é possível, mas precisa ser estudado.

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