ENTREVISTA: Advogado fala sobre os efeitos do regime previdenciário chileno na vida da população


19/11/2019 - Shuellen Peixoto

Raul Ilabaca (Arquivo pessoal)

O regime de previdência social do Chile é o da capitalização individual, imposto pela ditadura do Pinochet em 1981. O modelo significa que os trabalhadores poupam para financiar sua própria aposentadoria ao longo da vida, e as parcelas são administradas por Administradoras de Fundos de Pensões (AFP).

As AFPs são instituições privadas que reúnem a cotização de cada trabalhador em contas individuais e trabalham com investimento de dinheiro no mercado financeiro comprando e vendendo ações. Então, durante toda a vida laboral, entre 35 e 40 anos, os trabalhadores investem no que, no futuro, esperam receber. No Chile homens se aposentam com 65 anos e mulheres com 60 anos de idade. No momento da aposentadoria, o fundo acumulado é dividido pela quantidade de meses da estimativa de vida (88 anos no caso dos homens chilenos e 90 para as mulheres daquele país). Ou seja, dos 60 até os 90 anos, o fundos poupado pelas mulheres é dividido por 30 anos e assim é determinado o valor do benefício, o que hoje em dia significa entre 15% e 20% do salário que as mulheres receberiam se estivessem na ativa. No caso dos homens o valor médio do benefício fica entre 20% e 30% do salário da ativa.

Em entrevista exclusiva à reportagem do Sintrajud, o professor e advogado Raul Marcelo Devia Ilabaca, 56 anos, explicou como funciona o modelo no qual a ‘reforma’ previdenciária brasileira promovida pelo governo Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes. Embora a capitalização tenha sido tirada do texto original que resultou na emenda constitucional 103, o ministro da Economia declarou por diversas vezes à imprensa que o regime de poupança individual pode ser reapresentado para nova tramitação legislativa.

Raul Marcelo é especialista em direito previdenciário. Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida à jornalista Shuellen Peixoto.

Houve uma mudança no regime previdenciário chileno em 2008, no governo de Michele Bachelet. O que mudou?

Desde dos anos 1980 até 2008, este regime de capitalização privada era puro no Chile. Desta forma, os trabalhadores rurais e donas de casa, que não cotizavam, não recebiam aposentadoria alguma durante suas velhices.

Por este motivo, em 2008, o governo de Michelle Bachelet estabeleceu uma reforma da previdência que incorporou um pilar solidário e um aporte previdenciário. A reforma estabeleceu o pagamento ao equivalente, hoje em dia, a um terço do salário mínimo, para todos aqueles que não conseguiram acumular uma quantidade suficiente para obter uma aposentadoria, que são aqueles que são parte dos 60% mais pobres da população chilena.  Isso significa que o Estado passou a fazer um aporte provisional para melhorar as pensões.

No entanto, não resolveu a grande questão da previdência no Chile, que é o fracasso absoluto do regime de capitalização individual. E isso é perceptível quando o governo de Michelle Bachelet foi obrigado a incorporar um pilar solidário, com uma pensão não contributiva, para resolver o problema das baixas contribuições. E mais ainda quando o governo de Sebastian Piñera propôs uma reforma para que os empregadores, que não aportam nada para a previdência dos trabalhadores, comecem aportar em 4%, de forma progressiva, e daqui a quatro anos, 1% a mais a cada ano. [A nova proposta apresentada pelo governo, que já foi alterada após as mobilizações que há um mês sacodem aquele país] situação significa um custo adicional para o empresariado, mas ainda não resolve o problema das pensões no Chile, já que [a Previdência] vai seguir sendo administrado pelas AFPs, que são quem lucra com estes fundos.

O que se demonstra é que o regime de capitalização individual é um profundo fracasso.

O sistema de capitalização individual que existe no Chile não é um sistema de seguridade social, mas sim um sistema de acumulação de capital para as grandes empresas e para o desenvolvimento do capital financeiro, que consegue  acumular dinheiro com a contribuição dos trabalhadores – que, no caso do Chile, chega a 71% do PIB da nação. Ou seja, essa quantidade de dinheiro acumulada, revertida para empresas mediante as ações compradas pelas AFPa para obter rentabilidade, significa dinheiro a muito baixo custo para o empresariado nacional. Mas no que diz respeito ao pagamento de pensões, a rentabilidade transformada em pensões não chega a um salário mínimo (cerca de 300 mil pesos chilenos). Com essas pensões não é possível  viver de forma digna.

Como é vida dos idosos chilenos?

A situação de vida dos aposentados é muito ruim. Efetivamente, a taxa de suicídio dos idosos, de acordo com uma pesquisa realizada no Chile, chega a 10 por cada 100 mil habitantes, por ano. E no caso das pessoas que têm entre 70 a 79 anos de idade, a média sobe para  15 a cada 100 mil. Entre os que têm mais de 80 anos, [a taxa de suicídios] sobe para 18.

A situação da seguridade social está ruim porque os aposentados não conseguem sustentar suas vidas com as pensões que recebem.

Qual a solução para garantir aposentadorias dignas  para os chilenos?

Mesmo que a reforma do governo do Piñera seja aprovada, não resolve o problema da aposentadoria do Chile. Cálculos da Fundação Sol demonstram que só aumentaria o equivalente a 20 a 40 reais mais nas aposentadorias em um período aproximado dos próximos 40 anos. A única solução que acreditamos possível para resolver a aposentadoria futura é voltar a um sistema tripartite e solidário, público e administrado pelo Estado do Chile.

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