Direitos indígenas enfrentam Bolsonaro em julgamento no STF esta semana


25/08/2021 - Helcio Duarte Filho
Retomada do julgamento do marco temporal para demarcação de terras indígenas está na pauta do Supremo desta quarta (25).

 

Ato indígena nesta quarta-feira, 24, em frente ao STF (crédito: Scarlett Rocha).

NOTA DA REDAÇÃO: O julgamento foi suspenso após a leitura do relatório do ministro Edson Fachin, no último dia 25, e será retomado na quarta-feira (1º de setembro).

A luta dos povos indígenas enfrenta a política rural do governo de Jair Bolsonaro e interesses de grupos latifundiários do agronegócio no julgamento do ‘marco temporal’ para demarcações de terras, que pode acontecer esta semana no Supremo Tribunal Federal. Para defender os direitos indígenas, representantes de 173 povos fazem o acampamento “Luta Pela Vida”, instalado na capital federal desde 22 de agosto de 2021.

O STF pode retomar, na tarde desta quarta-feira (25), a análise da ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng. O processo teve a ‘repercussão geral’ reconhecida, isto é, a decisão que venha a ser tomada pelos 11 ministros da mais alta corte do país servirá de diretriz para todos os procedimentos demarcatórios.

A disputa envolve um aspecto central na política agrária do presidente Jair Bolsonaro – que faz propaganda da intenção de não demarcar mais nenhuma área territorial indígena ou quilombola durante a sua gestão. Ao longo da quarta-feira (24), os representantes indígenas realizaram atos próximos ao Congresso Nacional e na Esplanada dos Ministérios – quase sempre embalados pelos cantos tradicionais destes povos. À noite, a manifestação foi em frente ao STF, onde ocorreu uma vigília com lâmpadas de led – também usadas para eles próprios, com seus corpos, escreverem no gramado a frase “Brasil Terra Indígena”.

“Somos 6 milhares e representamos milhões. Nós, povos indígenas do Brasil, temos lutado nos últimos 521 anos para sobreviver e garantir nossos direitos. Viemos para Brasília durante a pior pandemia dos últimos séculos, pois a situação nos obriga: vivemos em emergência. Nossa mobilização já é a maior de todas as épocas do Brasil! E este fato diz uma mensagem clara para o mundo: os Povos Indígenas estão mais fortes e mais unidos do que nunca!”, afirma mensagem divulgada nas redes sociais pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que integra a organização do acampamento.

“Estamos realizando a maior mobilização de nossas vidas, em Brasília, porque é o nosso futuro e de toda humanidade que está em jogo. Falar de demarcação de terras indígenas, no Brasil, é falar da garantia do futuro do planeta com as soluções para a crise climática”, disse Sonia Guajajara, que integra a coordenação da Apib.

“Nos sentimos obrigados a nos fazer presentes em Brasília, neste cenário tão desolador que está sendo promovido tanto pelo Congresso Nacional, mas principalmente pelo governo federal no que tange o direito dos povos indígenas”, disse Dinamam Tuxá, também da coordenação da Apib, ao destacar que o acampamento segue cuidados sanitários recomendados para evitar contaminações pela covid-19, segundo divulgado pela assessoria da entidade.

Duprat: ‘decisão dirá muito sobre nós’

Procuradora federal aposentada, Deborah Duprat disse que desde o julgamento da demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2008, o Supremo tem reconhecido os usos, costumes e tradições dos povos originários na delimitação de espaço amplo que permita habitação, produção, preservação dos recursos naturais e reprodução física e cultural de cada povo. “Os direitos remontam à época da invasão, porque se reconhece que houve ali uma expropriação violentíssima. No processo constituinte, reconheceu-se que esse é um país formado por desterritorializações e diásporas, e que esses povos foram organizando a sua tradicionalidade nos locais possíveis”, observou, durante audiência pública realizada na Comissão de Legislação participativa da Câmara, na quarta-feira (24).

A jurista disse os povos indígenas “não estão mais em Copacabana nem em Ipanema porque foram expulsos, mas conseguiram se reconstruir como grupo em outros espaços. É um julgamento importantíssimo que vai dizer muito de nós e das nossas instituições”.

Representando o Movimento dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba), Patrícia Krin Si Atikum também defendeu na audiência os territórios tradicionais. “É dessa terra que sobrevivemos e que tiramos os frutos, as caças e onde criamos nossos filhos. É dentro de um território indígena que a gente se encontra como membro de uma comunidade, zelando pelo nosso patrimônio espiritual e pelo nosso patrimônio de vida: nosso território, nossa terra, nossa casa”, disse.

Relator

Iniciado em 11 de junho último, o julgamento foi suspenso após pedido de vista do ministro Alexandre Moraes. Apenas o relator, ministro Edson Fachin, chegou a divulgar o voto. Favorável aos indígenas, ele não acolhe a tese do “marco temporal” de ocupação – que tenta restringir o direito à demarcação de terras a indígenas que estivessem formalmente ocupando as respectivas áreas na data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988. Fachin assinalou que estabelecer um marco temporal para um direito tão fundamental a grupos étnicos significa “fechar-lhes uma vez mais a porta para o exercício completo e digno de todos os direitos inerentes à cidadania”.

O ministro ressalta em seu voto que não se trata de criar territórios indígenas, mas de reconhecer um direito originário. “A natureza jurídica do procedimento demarcatório é meramente declaratória, consiste na exteriorização da propriedade da União, vinculada e afetada à específica função de servir de habitat para a etnia que a ocupe tradicionalmente. É atividade do Poder Executivo, desempenhada por diversos órgãos, conforme o procedimento acima demonstrado, mas que não cria terra indígena, apenas reconhece aquelas que já são, por direito originário, de posse daquela comunidade”, assinalou.

Outro aspecto relevante no voto de Fachin, mais abrangente inclusive do que o caso específico da demarcação de terras, é reconhecer que a Constituição Federal estabeleceu que os direitos dos povos indígenas são fundamentais e “estão imunes às decisões das maiorias legislativas eventuais com potencial de coartar o exercício desses direitos, uma vez consistem em compromissos firmados pelo constituinte originário”.

Essa compreensão, que rejeita a limitação dos direitos indígenas, caso prevaleça, poderá repercutir na tramitação do Projeto de Lei 490/07 e mais 13 outros apensados a ele, que tratam da demarcação e exploração econômica de terras indígenas. Aprovado, no final de junho, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, o texto está para ser analisado pelo Plenário.

Marco temporal

O mais provável é que o STF firme posição contrária ao marco temporal. É o que indicam manifestações de alguns ministros e o retrospecto de decisões anteriores, como o caso Raposa do Sol. No entanto, são grandes as possibilidades de o julgamento não ser concluído esta semana. Primeiro, porque antecede à matéria outra ação que tende a render muita discussão, sobre a autonomia do Banco Central. Segundo, porque há o risco de mais um ministro recorrer ao pedido de vistas para analisar o processo e paralisá-lo.

Nas sessões remotas do Tribunal desta semana, também estarão na sala de videoconferência as relações beligerantes do presidente Jair Bolsonaro com os ministros da corte máxima da Justiça brasileira e as movimentações hesitantes de quem a preside, o ministro Luiz Fux.

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