Neste domingo, 24 de março, pela segunda vez oficialmente o Brasil somou-se às celebrações do Dia Internacional para o Direito à Verdade para as Vítimas de Graves Violações dos Direitos Humanos.
Criada há oito anos pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, a data é uma referência ao assassinato de Monsenhor Óscar Arnulfo Romero, bispo de El Salvador, morto enquanto realizava uma missa, durante os conflitos armados daquele país. O bispo era conhecido pela dedicação à defesa dos direitos humanos e da democracia, e seu assassinato causou protestos em todo o país e pressão de organismos internacionais que exigiam do país o enfrentamento à violência política.
Apenas em janeiro 2018, a data foi reconhecida como parte do calendário oficial brasileiro, com a Lei 13.605.
Na opinião da diretora do Sintrajud, Ana Luiza Figueiredo, servidora aposentada do TRF-3, a data é importante por dar publicidade às atrocidades que aconteceram no país durante o período da ditadura empresarial-militar.”No Brasil, a anistia acabou beneficiando os militares e os torturadores, garantiu para eles manterem suas carreiras e postos de trabalho, todos os crimes de tortura e assassinato foram perdoados, ou seja, não contemplou os que lutaram [contra o regime]. Por isso, é preciso sempre contar essa história, para que não esqueçamos o que aconteceu e evitar que estes fatos se repitam”, destacou.
Ana sofreu os efeitos da repressão no período da ditadura civil-militar no Brasil. Chegou a ser presa e foi demitida do banco em que trabalhava em 1979, enquadrada na Lei de Segurança Nacional, por ter participado da greve dos bancários. Mesmo com a comprovação de que foi perseguida e perdeu seu emprego no período, a servidora ainda não foi anistiada.
“Acho que este governo é consequência de não termos feito ajuste de contas com a ditadura. O Brasil não foi até o fim, derrubamos a ditadura, mas a luta pela reparação não foi feita até o fim. Temos que seguir nesta luta, e mais ainda porque hoje temos um governo com um peso dos militares muito grande e isso é sempre uma ameaça de retrocesso, aos direitos civis e às liberdades democráticas”, afirma Ana.
Também servidor aposentado da Justiça Federal, Joel de Andrade Teixeira é outro colega que perdeu o emprego naquele período. O aposentado era funcionário da companhia aérea Transbrasil e militante do PCB, e foi demitido no mesmo dia em que foi preso, 16 de abril de 1975, e levado para o centro de torturas instalado no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna). Lá, Joel conta que sofreu “todas as torturas possíveis” nos dias em que esteve detido. Atualmente, o servidor é um dos 4.300 brasileiros anistiados.
Joel recebeu um pedido de perdão do Estado brasileiro por todas as atrocidades e perseguição política pelas quais passou nos anos da ditadura. No entanto, afirma que ainda há muito a percorrer no caminho em busca da verdade e justiça. “A Comissão da Verdade cumpriu um papel importante, mas ainda há muito o que fazer em prol daqueles que foram torturados e para dar respostas às famílias dos que foram mortos e até hoje não foram descobertos [os locais de sepultamento]”, afirmou Joel Teixeira.
“Esperamos que esta data seja sempre mais um momento de união para restabelecer os direitos civis dos que lutaram pelo fim da ditadura, e principalmente punir os torturadores e os que participaram do regime de ditadura civil-militar”, finalizou Ana Luiza Figueiredo.
A busca pela verdade e justiça sobre os crimes do regime ditatorial no Brasil já rendeu ao país ao menos três condenações internacionais. A mais recente deve-se à inércia do Estado em apurar as circunstâncias e responsabilidades do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, também nas dependências do DOI-Codi, em 24 de outubro de 1975.