Decisão que derrubou liminar de suspensão do ‘prazo Funpresp’ evidencia riscos do RPC


10/08/2018 - Luciana Araujo

Após o fiasco do processo de migração ao Regime de Previdência Complementar, cujo prazo limite para os servidores do Judiciário Federal vencia em 28 de julho, a decisão que cassou a liminar concedida pelo juízo da 2ª Vara Federal de Florianópolis no dia 27 é mais uma demonstração da fragilidade do sistema montado pelos governos Dilma e Temer para forçar servidores públicos a deixarem os regime próprios de Previdência Social (RPPS). O último final de semana de julho tinha ficado popularmente conhecido como o ‘prazo do Funpresp’ porque a migração de regime era uma das condições para que o servidor pudesse aderir como participante pleno nos fundos oferecidos pelas fundações de previdência instituídas pelo governo Dilma Rousseff em 2012 e criadas pelos respectivos Poderes em 2013.

A liminar de Florianópolis suspendia o encerramento do prazo de migração ao Regime de Previdência Complementar para todos os servidores do Judiciário, Executivo e Legislativo. Na decisão conferida no último dia 8 pelo desembargador presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, as alegações da União que embasaram o julgamento do magistrado evidenciam que a propalada “segurança” dos fundos fechados de Previdência não se sustenta. Thompson Flores determinou a suspensão da liminar com um despacho que corrobora todos os argumentos do Executivo.

Logo no início do despacho, o desembargador destaca o argumento da União de que a suspensão do prazo estimulava “uma indecisão sobre os necessários rumos e planejamento administrativo e financeiro, não apenas do ente público, mas também da fundação que gerencia os valores do novo regime”. A Advocacia Geral da União ressaltava ainda em argumento trazido à decisão processual pelo magistrado que “a vigência dos planos, bem como a estruturação da dinâmica dos novos regimes não pode ficar no aguardo indefinido de grupos ou decisões esparsas”.

A AGU alegava ainda que “ao suspender a fluência do prazo legal para migração ao regime de previdência complementar até que sejam devidamente esclarecidos, pela União, os elementos de cálculo e a simulação do benefício futuro, se estará interferindo indevidamente na execução de políticas públicas e na conveniência administrativa de programas relacionados ao regime previdenciário dos servidores públicos”.

Ao reproduzir também esta compreensão, o desembargador Thompson, talvez inadvertidamente, contribuiu para jogar por terra o já combalido argumento dos governos ao longo dos últimos anos sobre a insustentabilidade da Previdência, porque se mantêm as contribuições integrais de todos os trabalhadores ingressantes no funcionalismo público antes de 14/10/2013.

O impacto sobre as contas públicas da queda arrecadatória imediata que poderia ser gerada caso tivesse havido a migração em massa de servidores do RPPS para o RPC somado  à imposição aos entes patrocinadores (Orçamento da União) de aportarem a contrapartida prevista em lei foi considerada inclusive por analistas como a causa do prazo de migração não ter sido imediatamente reaberto por iniciativa do Planalto. No entanto, o outro lado deste debate é que, preservados os aportes feitos pelos trabalhadores sobre a totalidade dos vencimentos e o fato de continuarem sendo taxados após a aposentadoria derruba a argumentação de “privilégios” mantida nas propagandas governamentais, dificultando as manobras para extinção do modelo previdenciário instituído na Constituição de 1988.

Benefício incalculável

Em relação especificamente ao ‘Benefício Especial’, consta no despacho que a AGU reconhece que “é impossível à Administração asseverar, com previsão e de forma vinculante, o valor exato do benefício especial a ser pago aos servidores que fizerem opção pelo regime novo, porquanto o índice de correção eleito pelo legislador é absolutamente variável, sendo sua definição dependente de pesquisas levadas a efeito pelo IBGE mensalmente. Por conseguinte, a Administração não tem como prever qual o valor do índice de atualização a incidir mensalmente até a aposentadoria do servidor.”

Esta é a principal crítica ao modelo do regime de Previdência Complementar feita por entidades sindicais e especialistas desde quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva impôs a reforma previdenciária de 2003 (a Emenda Constitucional 41). Ao introduzir nas mudanças das regras de aposentadoria que os servidores públicos poderiam aderir a fundos de previdência na modalidade contribuição definida, o governo e o Congresso Nacional extinguiram a segurança jurídica sobre o futuro dos servidores que ingressaram no setor público com regras pactuadas e contribuindo proporcionalmente muito além do que a maior parte dos trabalhadores. Tendo em vista que na iniciativa privada o limite da contribuição previdenciária está atrelado ao teto de benefícios pagos (hoje em R$ 5.645,80).

O Sintrajud sempre se colocou contra o modelo de ‘benefício presumido’ por considerá-lo uma das maiores armadilhas entre todos os ataques das reformas previdenciárias. O Sindicato defende a revogação das reformas já havidas, a preservação do princípio da solidariedade inter-geracional que rege o modelo da seguridade social instituído na Constituição de 1988 e a previdência pública.

A insegurança sobre quanto os servidores que migrassem do RPPS ao RPC poderiam esperar receber a título de ‘Benefício Especial’ foi também o tema central na polêmica colocada pela ação movida pelo Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal em Santa Catarina (Sintrajusc), que resultou na liminar de Florianópolis, e inúmeras outras. Os diversos processos judiciais confrontavam a falta de transparência nos critérios de cálculo e o fato de ter ficado comprovado que a simulação disponibilizada no site do Ministério do Planejamento resultava numa diferença de 10%, a maior, do que o servidor efetivamente poderia vir a receber. O problema foi apontado em estudo do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) e reconhecido pelo governo.

O ‘Benefício Especial’ é a parcela criada pela Lei 12.618/2012 como forma de compensação aos servidores que passassem do regime próprio ao complementar pelos anos já contribuídos à Previdência sobre a integralidade dos vencimentos.

Alerta para o futuro

Assessor jurídico do Sintrajud em Brasília, o advogado Rudi Cassel, avalia que o governo tentou forçar os servidores à migração ao estabelecer em 2016 um novo prazo fechado àqueles que têm direito à integralidade e paridade nas aposentadorias e aos que têm a aposentadoria calculada pela média das 80% maiores contribuições sem a limitação do benefício ao teto do INSS. Tudo isso em meio às mudanças nas regras das pensões. A manobra foi admitida pelo próprio ministro da Fazenda de Dilma Rousseff à época, Nelson Barbosa.

Na justificativa do projeto de lei que reabria o prazo de migração, Barbosa afirmava em mensagem à então chefe do Poder Executivo que “a reabertura de prazo se justifica frente ao novo cenário trazido com o advento da Medida Provisória nº 664, de 30 de dezembro de 2014, convertida na Lei nº 13.135, de 17 de junho de 2015, que promoveu importantes mudanças tanto no Regime Geral de Previdência Social – RGPS quanto no Plano de Seguridade Social dos Servidores Públicos Federais, com alterações na Lei nº 8.112, de 1990, entre as quais destacam-se: (a) tempo de duração da pensão por morte estabelecido de acordo com a expectativa de vida do beneficiário de pensão na data do óbito de seu instituidor; (b) concessão do benefício sujeita a carência de 24 (vinte e quatro) contribuições mensais do servidor, com exceção de morte por acidente de trabalho, doença profissional ou do trabalho; e (c) exigência, para fazer jus a pensão, de que o casamento ou a união estável tenha ocorrido há pelo menos dois anos da data do falecimento do instituidor de pensão”.

Para o advogado Rudi Cassel, “a limitação temporal para a migração dos que entraram antes de 14/10/2013 pareceu um meio de forçar a decisão, mas revelou -se uma estratégia equivocada que gerou muita confusão e pouca adesão”. Ele alerta ainda que, mesmo que o Executivo venha a propor nova oportunidade de migração, o que considera provável, “isso não mudará o fato de que a maioria das simulações dos servidores antigos não apresenta indicação favorável de migração”.

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